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1

Bianca

— Cometi a maior burrada da minha vida, eu sei. Não joga na cara, não — digo no celular para a Isa, que já está há horas me repreendendo.

— Pelo menos você já percebeu isso — ela responde, e logo depois ouço a bebê dela falar no fundo.

— Eu vou resolver isso hoje mesmo — prometo, e depois de mais alguns minutos de conversa sobre assuntos aleatórios, nos despedimos.

Bom… sobre a burrada, é uma longa história. Então vou começar do início, para ficar mais claro.

Me chamo Bianca de Castro Menezes, mas todos me chamam de Bia. Tenho 22 anos, sou psicóloga e trabalho na clínica da minha família.

Meu pai é cirurgião e minha mãe, formada em gestão de negócios, cuida da parte administrativa da clínica. Tenho um irmão mais novo, o Théo, aquele pivete atrevido que eu amo demais.

Meu sonho sempre foi ser advogada, mas minha família insistia para que eu seguisse a área da saúde. No fim, optei por psicologia. E não me arrependo: hoje, amo o que faço.

Tenho duas melhores amigas: Isabela — a Isa — e Amanda.

Isa nasceu e cresceu no Morro da Rocinha. Já a Amanda se mudou para lá há pouco mais de um mês. Conheci a Isa através dela, porque Amanda cresceu comigo e só depois, na faculdade, conheceu a Isa. Nós três éramos inseparáveis. Ou melhor… éramos, por minha culpa.

Amanda acabou se envolvendo com um traficante da Rocinha, mas não me contou nada. Só a Isa sabia.

Depois de um tempo, ela engravidou. Os pais a colocaram para fora de casa e ela precisou ir morar no morro. E o que eu fiz? Fui uma péssima amiga. Não fiquei do lado dela e me afastei. Nem eu mesma sei direito o que aconteceu comigo.

Vim de uma família rica, mas não sou patricinha. Amo uma balada, já fui para o morro algumas vezes, adoro os bailes… então não havia razão para eu virar as costas.

Agora percebo a besteira que fiz. Já se passou um mês, e eu só espero que Amanda consiga me perdoar.

Segundo a Isa, ela ainda está muito magoada — e com toda a razão. Mas eu preciso me redimir.

•••

Olho o relógio no pulso: dezessete horas. Finalmente!

Dou uma arrumadinha no meu escritório e saio da clínica. Meus pais já devem ter ido embora, porque não vejo nenhum deles por lá.

Entro no carro e dirijo até minha casa. Ainda moro com meus pais, mas penso seriamente em ter o meu próprio lugar.

— E aí, pivetes? — cumprimento Théo e um amigo que estão jogando videogame.

— Pivete é tua avó! — ele rebate, e eu rio.

— Vou até contar isso pra ela, querido — provoco, mas ele me ignora. Sigo para o meu quarto.

Assim que entro, meu celular apita com uma mensagem no WhatsApp:

Amor️: oi amor, te pego às 22h.

Eu: desculpa, mas não vai dar. Preciso resolver uns problemas. Amanhã passo no teu ap.

Amor️: Bia, Bia… depois me explica direito.

Eu: explico, beijos.

Amor️: bjs.

Vou até o closet, escolho uma roupa e deixo sobre a cama.

Depois sigo para o banheiro e tomo um banho rápido. Visto a roupa escolhida, faço uma maquiagem leve e finalizo com meu melhor perfume. Pego uma bolsa e desço para a cozinha.

Preparo um sanduíche, pego um suco de caixinha e, ao sair, aviso:

— Estou indo.

Théo me olha sério, como se fosse meu pai.

— Não volta tarde! — ele diz.

— Primeiro cresce, garoto — respondo rindo, e saio de casa.

•••

Já no carro, sigo para o morro da Rocinha. Quero pedir desculpas para Amanda.

Isa vai me encontrar na entrada e já disse que vamos direto para o baile, onde Amanda e “o pessoal” estarão. Não reclamei. Já que não pude sair com o Marcos, pelo menos ainda vou aproveitar a noite.

Falando nele… Marcos é meu namorado há oito meses. Ele tem 27 anos, é promotor de justiça. Gosto dele, mas não o amo. Sinto que só estamos juntos porque meu pai adora ele.

Sei lá… com Marcos, todos os dias parecem iguais. Ele não me faz sentir borboletas no estômago, nem me deixar com as pernas bambas. Enquanto não aparecer alguém que desperte isso em mim, continuo com Marcos — que meus pais consideram o genro perfeito.

•••

Quando chego à entrada do morro, logo avisto Isa. Ela está deslumbrante em um vestido curtíssimo preto e brilhante, conversando com um rapaz sem camisa, com uma arma enorme pendurada no peito e cabelo vermelho. Quase rio da cena. Sinceramente, não sei se conseguiria morar aqui.

— E aí, malandra? — Isa fala assim que entra no carro.

— Tá lindona, dona Isa! Tá pegando alguém e não me contou? — brinco, enquanto ela me mostra o caminho.

— Minha filha, já faz tanto tempo que não sinto um homem, que tô quase virando virgem de novo! — ela exagera, nos fazendo cair na risada.

— Você tem que deixar o carro na garagem da minha casa — completa, mexendo no celular.

— Ok, baby — imito um sotaque americano, e rimos ainda mais.

•••

— Tô morta — reclamo quando chegamos em frente à quadra onde o baile acontece.

— Para de ser patricinha, maluca! — ela fala, dá um tapa na minha bunda e segue andando, me obrigando a revirar os olhos.

Sem escolha, sigo atrás dela, cercada por olhares curiosos de todos os lados. Não precisa ninguém me falar: está na cara que não sou moradora dali.

— Vamos pro camarote. Amanda tá lá — Isa avisa, e sem me dar chance de responder, me puxa pelo braço.

O camarote está lotado, mas é bem melhor que o meio da quadra.

Vejo Amanda com uma mulher que não parece ser amiga dela — pelo jeito que se olham.

— Oi — digo quando chego perto. Mesmo com a música altíssima, noto que todos me encaram. Reviro os olhos. Gente desocupada.

— Oi — Amanda responde seca, virando as costas.

Suspiro. Eu realmente quero me desculpar, mas paciência nunca foi meu forte.

— Tá bom, vamos direto ao ponto — começo, fazendo uma breve pausa para ver se ela me escuta. — Eu sei que fui uma idiota, uma escrota mesmo. Me arrependo de verdade. Você e a Isa são como irmãs pra mim, e eu não quero perder esse momento incrível da sua vida por causa de uma besteira.

Amanda me encara séria por alguns segundos.

— Você foi escrota mesmo — diz, e eu quase me preparo para levar uma patada. — Mas eu te amo assim mesmo.

Um sorriso enorme toma conta do meu rosto. Nos abraçamos forte.

— Agora, bora pra pista rebolar essas rabas gordas! — grito, virando de uma vez o copo que tenho na mão.

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