Biblioteca
Português
Capítulos
Configurações

Capítulo 2

Noite Longa

Abri meus olhos sentindo minha garganta queimar, eu me lembrava da fome, parecia ser a única coisa na qual conseguia pensar, queria saciar minha sede, deixar aquela ardência para trás. Então me lembrei de tudo: quem era minha tribo, todos estavam mortos e depois. Levantei e olhei ao redor, confuso, tudo parecia tão destruído, intocado o ar cheirava a algo morto.

Quanto tempo tinha se passado?

Minha mente ainda estava confusa, as coisas estavam um pouco embaralhadas. Então senti o cheiro inconfundível e meus instintos me guiaram mais do que minha mente, antes que eu piscasse estava diante do sangue, pequenas gotas salpicavam terra, alguém tinha sangrado ali, salivei sentindo minha garganta apertar de necessidade, fechei meus olhos sentindo aquele cheiro.

Doce, quase podia sentir o gosto contra minha língua. Eu queria provar e a necessidade fez algo dentro de mim se apertar, quase dolorosamente. Minha língua estava áspera e me sentia seco, vazio e o desejo de provar aquele sangue me levou para um lugar carregado com cheiros frescos.

Humanos, um monte deles, mas eles cheiravam a suor e outras coisas desagradáveis. O cheiro delicioso estava abafado pelo restante, mas me concentrei nele.

Era um tipo estranho de moradia, conseguia ver seu tamanho — que jamais vi em nenhuma outra — como uma longa trilha que não tinha fim. Pequenas janelas eram revestidas por algo que refletia, mostrando o lado de dentro. Aproveitei o descuido de dois homens que estavam na porta, bem pouco preocupados com a segurança dos demais, eles se quer me viram passar. Me mantive nas sombras atrás de coisas estranhas que parecia manter o lugar em pé mas que não eram feitos de nenhum material que eu conhecesse. Era frio e não cheirava a madeira.

Segui seu cheiro, buscando quem poderia me fazer ser tão descuidado. Segui por um caminho reto, algumas aberturas me permitiam ver que dentro dos espaços menores pessoas se ajeitavam, sentados no chão com tecidos por toda a parte. Eles conversavam, riam e pareciam como qualquer tribo que eu conhecesse, mas eles eram de alguma forma diferentes, não sabia explicar. Talvez fosse sua cor variada, que eu nunca tinha visto antes daqueles que atacaram meu lar, ou a forma como falavam.

Continuei nas sombras, seguindo meu caminho em um dos últimos espaços o cheiro se intensificou, então a vi. O lugar onde ela estava parecia abrigar só ela e uma criança.

Sua voz cantarolava algo e a criança, uma menina, sorria e corria pelo lugar parecendo muito satisfeita. Talvez eu também estivesse se pudesse estar com ela.

Sua pele era bem mais clara do que a minha, mas podia ver que ela tinha sido beijada pelo sol era como se a mulher brilhasse de vida. Estava magra, como se ela fosse frágil, conseguia ver que ela parecia cansada, os ombros curvados como se carregasse algum peso invisível nas costas.

Estava fascinado pela cor do seu cabelo, nunca tinha visto nada assim, era como se chamas tivessem tocado aquela mulher pois seus cabelos brilhavam em vermelho. Seu nariz e bochecha eram cobertos de pequenas manchas que pareciam, de alguma forma, lindos. Jamais vi uma mulher como ela e o desejo de tomá-la foi tão forte que eu me vi me aproximando, ignorando todos que estavam próximos. Ela podia gritar, podia pedir ajuda. Mas nada disso pareceu importante, só queria chegar mais perto.

Parei há poucos passos de sair das sombras quando seus olhos se ergueram. Humanos não enxergavam no escuro, e a luz ali era bem ruim, pequenas chamas de tochas brancas não permitiam a luz completa ao nosso redor. Mas senti como se me olhasse diretamente , como se pudesse me ver. Seus olhos, da mesma cor das folhas, da grama, me deixaram paralisado por alguns segundos.

Vi a mim mesmo caminhando os passos que faltavam até ela e enterrando meus dentes em sua carne, que já imaginava macia, ela parecia tão... Doce. Seu gosto seria assim também?

Uma voz de homem me empurrou de volta para a escuridão, observando a mulher. Um homem entrou e só consegui prestar atenção em como ela parecia incomodada com ele. Tentei prestar atenção no que eles diziam, mas estava furioso por outro se aproximar dela.

Ela era minha.

O pensamento era tão feroz que me assustou. O homem parecia dizer algo a ela em uma voz suave, mas ela balançou a cabeça de um lado para o outro e o fez sair dali. Isso pareceu deixá-la aliviada. A mulher de cabelos cor de fogo fez a menina deitar e disse mais palavras gentis e doces para a menina, enquanto acariciava seus cabelos e sorria.

Meu coração pareceu socar com força. Minhas mãos coçavam por poder tocá-la, queria sentir o sabor da sua pele, provar o gosto dela.

Mas eu a assustaria se surgisse assim, e esse pensamento fez algo dentro de mim esfriar. Como entrar em um rio pela manhã quando o sol nem surgiu no horizonte.

Nossas companheiras vinham até nós, por vontade própria. Sempre tinha sido daquela maneira, não quebraria nossas regras não depois da Senhora da Noite nós dar mais uma oportunidade.

Lembrei de suas palavras antes que o sono nos envolvesse: “ As predestinadas virão até vocês, quando a hora chegar. Sejam pacientes e resistam a sede de sangue pela morte.”

Olhei para a mulher, desejando que ela fosse minha companheira que pudesse toca-la.

Precisava ser paciente e aguentar a sede que arranhava minha garganta, Ela prometeu que seríamos recompensados então precisava acreditar nela.

Assim como entrei fiz meu caminho pelas sombras, o que não era uma tarefa difícil e segui para o local onde tinha acordado. Lentamente meus irmãos despertaram e eu me preparei para contar a eles que um tempo longo deveria ter se passado, provavelmente não encontraríamos mais o mundo que conhecíamos.

Baixe o aplicativo agora para receber a recompensa
Digitalize o código QR para baixar o aplicativo Hinovel.