#####Capítulo 1
1 ano e 2 meses depois
Eimier Valmont
O Castelo se ergueu imponente e silencioso nas primeiras horas da manhã.
O sol ainda mal se insinuava pelas finas cortinas de linho, mas eu já estava de pé, iniciando a minha ronda pelos aposentos.
Os corredores longos e esculpidos, com tapeçarias pesadas pendendo das paredes, agora estavam vazios, mas em breve seriam invadidos pela rotina agitada de mais um dia de trabalho.
Como camareira sénior, meu trabalho é essencialmente marcado por cuidar dos aposentos na ala mais nobre.
Ocasionalmente arrumava o quarto do Duque, embora não faça parte das minhas tarefas diárias. Isso cabe a criada pessoal do Duque.
A ala dos convidados era onde eu estava encarregue.
Atchim!
Atchim!
- Pelo amor da Santa! Tão logo começa, não consigo mais parar! Atchim!
Observei-a com carinho. Liora tem sido minha melhor companhia nestes últimos 14 meses.
A vi pela primeira vez e houve um clique.
Talvez seja o sofrimento partilhado, penso para mim mesma.
Sua vida fora difícil e carregada de dor. Órfã de pai e mãe, fora vendida pelos tios.
Por 5 moedas de prata – uma quantia tão baixa que mal cobria o custo de uma refeição simples – seus tios a haviam vendido, como se sua vida não valesse mais do que as migalhas de uma mesa, como se ela fosse um objeto, uma mercadoria, sem valor algum. Por essa miséria, ela deixou para trás o pouco que restava de sua infância, arrancada da única casa que conhecia, e jogada aos braços de um destino cruel.
- Aqui. - entreguei-a um lenço.
- Obrigada. - seus olhos exalavam ternura.
Era a mesma expressão que me oferecia há 14 meses. Ao menos, o destino cruel e impiedoso, me reservou uma luz.
Arrumávamos o quarto com tamanha destreza e rapidez, o corpo movido pela memória formada de cada tarefa. Funcionava no automático.
As toalhas finas e de bordado delicado estavam espalhadas pelo quarto de hóspedes, prontas para serem trocadas.
Corri os dedos pelo tecido, garantindo que nenhum fio fosse solto, como deveria ser. Cada movimento era calculado, meticuloso — afinal, um erro e as consequências poderiam ser severas. Não apenas em minha posição, mas também no modo como os outros nos viam.
O Duque de Blackwood gostava de sua propriedade impecável.
E não seria eu, quem o desafiaria.
Temia-o.
Por Deus, temia-o.
Afinal, quem em sã consciência não o fazia?
Encontrei-o duas vezes, e devo dizer, o Duque de Blackwood fazia jus a sua reputação.
Detinha uma aura formidável, impecável, avassaladora.
Com uma voz firme e vibrante.
Não percebeu minha presença ambas vezes, ou simplesmente não deu a mínima para a minha existência.
De qualquer das formas, tremi na base.
- O baile de Dunewood é hoje, não é? - indagou Liora, com uma excitação já conhecida.
- Liora, deixe de sonhar acordada. - estalei os dedos em frente ao seu rosto, a puxando de volta a realidade.
- Hey, uma jovem pode sonhar, não pode? - levantou-se e rodopiou pelo quarto. - Um dia, usaremos vestidos de gala e dançaremos com nossos príncipes encantados! - sorria genuinamente, presa às fantasias que a davam esperança.
- Os príncipes encantados não existem, doce Liora. - respondi com ternura e acidez.
Eu a admirava. Demais.
Não sabia como conseguia manter a felicidade que sempre estampava em seu rosto.
Era sonhadora.
Mesmo diante de todas adversidades que a vida jogou no seu caminho. Mesmo com toda crueldade que enfrentou.
Eu a admirava tanto.
- Vamos, precisamos terminar os nossos afazeres. - lembrei-a.
Sussurros e agitação ecoavam pelo corredor, chamando à atenção de toda a criadagem.
Liora foi a primeira a sair do quarto e eu a segui.
- É o Duque, o Duque retornou à Blackwood! - a informação circulava rapidamente pelos enormes corredores que constituíam o Casarão.
E de repente o silêncio do corredor era palpável, um vácuo profundo preenchido apenas pelo suave eco dos passos apressados das criadas.
Alinhamo-nos desde a porta até a imensa escada que abria caminhos para os grandes pisos.
Eu, no último degrau da grande escada, com o vestido de camareira levemente arrastando no chão, olhei para cima, meus olhos encontrando a figura imponente do Duque Maximiliano Blackwood, que avançava em direção à escada.
Ele estava mais magnífico do que nunca, como uma estátua esculpida na pedra, a postura ereta, as vestes impecáveis e a aura intransponível que o acompanhava. O ar ao redor dele parecia vibrar com uma energia própria, capaz de desestabilizar qualquer um que o cruzasse. E, ainda assim, me vi diante dele, o último degrau entre nós, e fui tomada por uma mistura de reverência e receio.
- Vossa Graça. - disse sem pensar, as palavras escapando da minha boca como uma reverência automática, o nome do Duque saindo de meus lábios com a mesma naturalidade de uma ordem.
Ele parou imediatamente. Seus olhos, que até então não haviam me notado, se fixaram em mim, e algo em sua expressão mudou. O impacto foi imediato. Eu não era mais apenas mais uma criada no casarão, perdida entre os outros rostos. Ele me olhou com uma intensidade que fez o tempo parecer suspenso.
Seus olhos azuis, como mares turbulentos, passaram por mim de maneira tão penetrante que quase pude sentir a pressão em meu peito. Eu não podia desviar o olhar. Era como se estivesse sendo puxada por uma força que eu não podia controlar. Nunca antes o Duque me olhara dessa maneira.
O momento estagnou por um segundo, e então sua voz, profunda e grave, cortou o silêncio como uma lâmina afiada.
- O que disse? - perguntou ele, um tom de confusão e surpresa ainda pairando no ar, como se tentasse entender o que havia acabado de acontecer.
Percebi o erro quase imediatamente. O corpo se contorceu em um movimento instintivo para corrigir o deslize, e eu, com o rosto ardendo de vergonha, apressei-me a me ajustar.
- Meu Senhor. - corrigi, a voz agora firme, mas trêmula, uma cor de humildade invadindo minhas palavras. Meus olhos, por um momento, não ousaram se encontrar com os dele.
Mas, naquele mesmo instante, como se o momento não fosse tenso o suficiente, uma risada fina e cortante interrompeu o espaço entre nós. Uma mulher, alta e elegante, de cabelos dourados como o sol, apareceu ao lado do Duque, a expressão carregada de desprezo. Selene Darkmore, amante ocasional do Duque, conhecida por sua postura arrogante e seu olhar afiado, encarou-me com uma expressão que beirava o escárnio.
- Onde já se viu, criadagem usando palavras da realeza? - ela disse, a voz carregada de veneno, cada sílaba quase sibilante.
Eu senti o peso daquelas palavras como um golpe direto, e a humilhação me invadiu, mas, apesar disso, não ousaria responder. O que poderia eu, uma simples camareira, dizer diante da imponente presença de Selene e da imensa sombra que o Duque projetava sobre mim?
O Duque olhou para Selene, sua expressão inalterada, como se o comentário de sua amante não tivesse importância, mas havia algo em seu olhar. Algo que me fez sentir, por um breve momento, que ele ainda não havia se afastado completamente de mim, como se o que ocorrera entre nós não tivesse sido apenas um erro de palavras.
Ele voltou a me olhar, e um fio invisível, mas inegável, parecia ter sido estabelecido. Um fio que eu não sabia se me traria alívio ou destruição.
