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#####Prólogo

A noite se debruçava sobre a imensa propriedade como um manto de sombras e segredos. Em meio aos salões silenciosos da mansão, o ar parecia pesar com a promessa de um destino cruel. Para Eimier, cada sussurro do vento e cada ranger das portas ecoavam como presságios de morte. Ela, filha bastarda de um grande e poderoso senhor, cresceu sabendo que seu sangue era uma herança proibida, marcada pela traição e pelo desamor. Mas naquela noite, o destino decidiu acelerar o inexorável curso de sua história.

A história de Eimier se resumia em fragmentos dolorosos: o amor verdadeiro do pai por sua mãe, a cruel imposição de um casamento arranjado para selar alianças e riquezas, e, finalmente, a perda irreparável de tudo que um dia lhe fora querido. Seu pai, dividido entre a lealdade à família e o amor incondicional que nutria por ela e por sua mãe, jamais imaginara que sua verdadeira paixão pudesse custar tão caro. Quando a notícia da morte do senhor chegou, o ar se encheu de um silêncio mortal, seguido pelo frenesi da vingança.

Na calada da noite, o imperador da dor, disfarçado de madrasta, pôs em prática seu plano hediondo. Sem piedade, ela ordenou a eliminação de sua amante e de sua filha bastarda, eliminando qualquer ameaça à sua legítima posição e à continuidade de sua linhagem. O grito estrangulado de uma mulher se misturou aos lamentos abafados da mansão, e Eimier, aos olhos de uma criança, presenciou o derramamento de sangue que selava seu destino. Sem tempo para processar a violência que se abatia sobre sua mãe, a jovem sentiu que cada segundo era uma eternidade de terror e dor.

A decisão de fugir veio instintivamente, como se a própria vida lhe sussurrasse que a única saída era escapar dali. Seus pés descalços tocaram o frio e irregular piso de pedra, cada passo carregado de desespero e a convicção de que a sobrevivência dependia da velocidade. Correu pelos corredores sombrios, desviando de sombras que pareciam se mover com uma vida própria. A sensação de estar sendo perseguida, mesmo sem ver os perseguidores, fazia seu coração bater como os tambores de uma guerra inescapável.

Ao sair pelos portões da mansão, Eimier encontrou a liberdade amarga da noite. A escuridão era total, mas ela não hesitava; cada som – o estalo de galhos, o farfalhar das folhas – era interpretado como um aviso, um sussurro sinistro de que seus inimigos poderiam estar à espreita. As primeiras gotas de chuva começaram a cair, misturando-se às lágrimas que insistiam em deslizar pelo seu rosto sujo e ferido. Sem direção, mas com a urgência de quem tem a própria vida em jogo, ela correu em direção às matas, onde a natureza, fria e indiferente, oferecia um refúgio incerto.

As árvores, gigantes silenciosos da noite, formavam um labirinto em que os passos de Eimier se perdiam. Cada tronco, cada raiz exposta, parecia um obstáculo enviado para testar sua determinação. Ela tropeçava, caindo momentaneamente no chão húmido, mas sempre se levantava com a força de alguém que não tinha outra escolha senão lutar contra o próprio desespero. O som dos seus passos apressados se misturava ao uivo distante do vento, compondo uma sinfonia de angústia e solidão.

Em meio à escuridão da floresta, os pensamentos de Eimier voltavam repetidamente para o rosto sereno de sua mãe, agora manchado pela violência do destino. A memória de um abraço caloroso se transformava em combustível para a sua fuga, um lembrete doloroso do que havia sido perdido e do que ela ainda poderia preservar: sua própria vida. Cada gota de chuva parecia lavar um pouco da dor, mas também trazia o frio cortante da realidade. Ela sabia que os perigos não se limitavam aos fantasmas do passado, mas que a própria natureza agora se erguia como um campo de batalha, repleto de predadores invisíveis e armadilhas inesperadas.

Enquanto a noite avançava, a floresta se tornava um cenário de intensas provações. O farfalhar das folhas e o som distante de animais noturnos eram os únicos companheiros de sua corrida desesperada. Eimier sentia cada músculo do seu corpo pulsar com a adrenalina de uma vida em fuga, e a cada passo, o medo se transformava em uma força que a impulsionava para longe do terror que deixava para trás. As sombras dançavam à sua volta, e ela mal podia distinguir entre a realidade e os pesadelos que se misturavam à sua percepção.

Em determinado momento, a pequena luz do luar rompeu a escuridão, iluminando um caminho estreito e sinuoso entre as árvores. Era como se a natureza, em um raro ato de benevolência, oferecesse uma rota de escape. Eimier, exausta e ferida, permitiu-se um breve instante de esperança. Seus olhos, inundados de cansaço, se fixaram no brilho prateado que a guiava, e ela redobrou seus esforços, mesmo quando a cada passo sentia o peso da própria vulnerabilidade.

O tempo parecia se estender e contrair de forma confusa: cada segundo era uma eternidade e, ao mesmo tempo, um piscar de olhos. A memória da brutalidade que presenciara, o cheiro de sangue e a visão distorcida do rosto de sua mãe, misturavam-se ao som da chuva e ao murmúrio da floresta. Eimier sentia-se como um fantasma errante, dividida entre o desejo de se esconder e a necessidade de continuar, como se o simples ato de correr pudesse purificar a alma marcada pela traição e pelo luto.

Enquanto avançava por entre os arbustos espinhosos, seu corpo começava a ceder à exaustão, mas sua determinação era inabalável. Em meio a um matagal denso, onde os galhos pareciam querer agarrar seus cabelos em desalinho, ela parou apenas para recuperar o fôlego e escutar os sons ao redor. Em um raro momento de quietude, o sussurro da natureza trouxe consigo a melodia de algo inesperado: uma voz, suave e compassiva, que se misturava ao som da chuva.

O amanhecer se aproximava timidamente, e o céu, antes dominado pelo negro do medo, começava a tingir-se com nuances de cinza e azul. Foi nesse instante, quando o mundo parecia respirar de alívio, que um dos guardas, patrulhando as terras proibidas, se deparou com a figura de Eimier. O homem, já adulto e de semblante bondoso, notou a jovem caída entre as folhas molhadas, seu olhar perdido e os traços marcados pela luta desesperada. Sem hesitar, aproximou-se e, com a delicadeza de quem entende a dor, a ergueu em seus braços trêmulos.

A presença do guardião trouxe uma calma temporária, como o primeiro sopro de ar fresco após uma tempestade avassaladora. Eimier, ainda imersa no turbilhão de emoções, não conseguia compreender a benevolência daquele estranho. Seus olhos, cheios de gratidão e confusão, encontraram os dele, e por um breve momento, as barreiras do medo se dissiparam. Aquele toque, mesmo que breve, transmitiu a promessa de que talvez nem todos os homens daquela terra fossem movidos pela crueldade e pelo desejo de vingança.

O guarda, ciente do perigo que a jovem enfrentava, conduziu-a para um local seguro nas proximidades da propriedade. Ali, em um abrigo improvisado, ela foi cuidada com uma gentileza que contrastava com a violência da noite anterior. Enquanto o corpo ferido encontrava alento, sua mente vagava entre os ecos do passado e as incertezas do futuro. A lembrança da morte de sua mãe, a traição que corria como veneno em suas veias e o inescapável sentimento de ser perseguida por fantasmas do passado, misturavam-se ao alívio momentâneo proporcionado pelo novo encontro.

Pouco depois, o guarda procurou pela sua esposa, a governanta do casarão das terras proibidas em que pisara, um dos poucos retentores de compaixão que restavam naquele mundo marcado por intrigas e ambições. Convencida da veracidade da situação e carregada de empatia, a governanta ofereceu à jovem Inara um modesto emprego na mansão, um refúgio onde ela poderia, por ora, esquecer os horrores da noite e reconstruir os fragmentos despedaçados de sua identidade. Mesmo que o destino parecesse implacável, naquele gesto simples, ela vislumbrava uma centelha de esperança.

Enquanto a aurora se firmava no horizonte, o ambiente ao redor se transformava. A névoa matinal se dissipava lentamente, revelando uma paisagem onde a natureza e a construção humana se encontravam em uma tênue harmonia. Para Eimier, aquele era um novo começo, embora carregado de cicatrizes que jamais poderiam ser completamente apagadas. Cada passo que dava naquele novo lar representava uma luta interna entre o desejo de esquecer o passado e a necessidade de honrá-lo, pois era em meio às feridas que se escondia a força para a sobrevivência.

Aos poucos, enquanto se adaptava à nova realidade, Eimier começou a perceber nuances que antes passavam despercebidas. O olhar terno do guarda, que ainda ocasionalmente se cruzava com o dela, carregava um misto de compaixão e mistério; e a governanta, com sua sabedoria silenciosa, parecia compreender os dilemas da jovem sem precisar de muitas palavras. Em meio a esse microcosmo de humanidade, a menina encontrava refúgio, mas também sentia o peso das expectativas e o risco iminente de que seu passado pudesse, a qualquer momento, emergir das sombras e ameaçar o frágil equilíbrio conquistado.

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