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05

VALLIE

Abra a porta.

Eu digo para mim mesma, enquanto encaro a maçaneta da porta do carro de Dean do lado de dentro e tento não ser uma completa covarde. Perdi a conta de quanto tempo estamos parados no estacionamento do hospital Saint Oregon, nenhum de nós falou o caminho todo até aqui, mesmo minhas tentativas de cobrir o silêncio com boa música falharam. O clima é neutro, porém não consigo ignorar nossa última conversa e fingir que tudo está bem. Minha mãe foi induzida ao coma para se recuperar de um infarto. Mais um. Ele explicou tudo noite passada e eu pedi para visitá-la.

Não foi uma conversa legal.

Meu padrasto estava visivelmente desconfortável e foi relutante em me trazer até aqui. Eu tive que usar do meu poder de persuasão, jogar com a culpa e fazê-lo se sentir mal.

— Você não precisa fazer isso. — Dean fala em tom baixo, e eu o encaro com a testa franzida. Tão frustrada e cansada de toda a situação. Sua cabeça está jogada para trás no assento, ele parece cansado e sequer está olhando para mim.

Eu bufo.

Mais irada.

— Sim, eu preciso. É a minha mãe lá, esqueceu?— digo, a raiva me consumindo por dentro. Felizmente, ele percebe e pede desculpa, passando a mão pelo cabelo como se quisesse arrancar metade dele.

— Olha, desculpe, ok!? Eu amo sua mãe. Amo de verdade. É só que... Porra, Vallie! Isso é cansativo.

Dean explode, ele finalmente larga a imagem de bom samaritano e dá um show particular.

Um show só meu.

Parte de mim quer aplaudir e incentivá-lo a continuar. XINGUE MAIS, penso em dizer, mas não o faço. Eu só o observo do meu canto, quieta e satisfeita com o espetáculo.

— Você está sorrindo. — ele diz um minuto depois, respirando com dificuldade devido à energia que gastou esmurrando o volante e gritando maldições.

Dou de ombros.

— É bom saber que não sou a única com raiva por aqui.

Ele volta a fechar os olhos, mas existe um peso na sua expressão que não havia antes e quase volto atrás com minhas palavras, sentindo culpa.

— Estou furioso, baby. — confessa.

— Eu não entendo. — digo, permitindo meus ombros relaxarem pela primeira desde que saímos de casa. Ele me encara, as sobrancelhas unidas em uma expressão de confusão. — Mamãe. — acrescento.

— Ela está tentando, Vallie. — seu tom não é condescendente como das outras vezes, não, dessa vez é quase uma frase programada.

— Não tente florear o óbvio, querido padrasto. Sua mulher nunca realmente tentou. — minha voz é ríspida, cheia de amargura e anos de sofrimento.

Ele deve notar, porque não tenta argumentar e voltamos a ficar em silêncio.

— Vamos entrar. — diz, após uma pausa longa em que nenhum de nós dois fez nada além de respirar perto um do outro.

Dean é o primeiro a descer do carro e dá a volta para abrir minha porta antes que eu tenha a chance, então quando começamos a andar até a entrada principal do hospital, faço questão de ficar dois passos atrás dele para observá-lo melhor. Meus olhos descem e sobem lentamente pelo seu corpo em uma análise necessitada, ele optou por usar roupas na mesma escala de cores, calça jeans escura e blusa social em um azul mais claro que marca seus ombros largos e braços fortes. O meu eu criança nunca questionou a razão por um homem como ele casar com mamãe, não que eu seja do tipo que não acredita no amor, mas eles são o oposto. Enquanto meu padrasto sempre cuidou do físico, sua esposa se enchia de comida e parou de andar pouco tempo depois que se casaram.

— Você ama minha mãe? — só percebo que as palavras deixaram minha boca quando bato contra suas costas e ele me dá um olhar questionador.

— Sério?

— O quê!? — grito quando agarra meu braço e me obriga a andar ao seu lado.

— Pare de fazer joguinhos mentais e comece a se comportar. — rosna.

— Por quê você está irritado?

— Não estou.

Bufo.

— Seriamente? Você está agindo como um louco.

Dean trava no lugar, afastando os olhos das postas automáticas para me encontrar. É o pior olhar que já recebi dele e não sei como descrever, mas contém tanto sentimento reprimido que recuo dois passos. Não adianta muito, porque ele persegue o espaço e logo estamos nariz contra nariz. Parando para checar os arredores , meu padrasto desvia nosso percurso e me arrasta para a lateral do prédio.

— O que está fazendo? — resmungo assim que minhas costas batem contra a parede.

— Preciso de um minuto. — ele responde depois de me soltar e se afastar.

Meus olhos apertam em descrença.

Observo seu peito subir e descer enquanto ele anda de um lado para o outro.

— Dean.

— Agora não, Vallie.

Empurro a pequena bola de golfe que se formou na minha garganta e avanço até ele.

— Fale comigo. — murmuro, apoiando minha cabeça em seu braço esquerdo. Ele parece congelar por um segundo, então relaxa e me envolve num abraço reconfortante.

Por alguma razão, meus olhos se enchem de lágrimas. Bem, talvez seja porque ele é o único me abraçando ultimamente.

De qualquer maneira, não importa.

— O que tenho com sua mãe é complicado, mas devo muito à ela. — sussurra e guardo essa informação para depois. Dever não é bem a resposta que eu esperava. O que minha fez para ele ser tão grato e passar seus dias assim?

— Você não precisa ficar, sabe. Pode pedir o divórcio e seguir sua vida sem tanta complicação. Eu sou a única que deve cuidar dela.

Ele aumenta seu aperto ao meu redor.

— Nunca mais repita isso, pequena. Eu não vou a qualquer lugar sem vocês, focarei e cuidarei das duas.

Meu peito aperta com a promessa.

Parte de mim se sente egoísta por ficar feliz com sua declaração, mas a outra pula de alegria por saber que não ficará sozinha.

É quase deprimente manter esse pensamento quando se tem ambos os pais vivos e uma irmãzinha, mas não é como se meu pai fosse presente e minha mãe estivesse esbanjando saúde, na verdade, tudo é meio fodido.

— Podemos entrar agora? — indago, não querendo realmente sair do seu abraço. Dean tem sido o único adulto presente na minha vida por anos e eu meio que não consigo imaginar viver sem ele.

— Vamos lá, vamos visitar sua mãe.

A parte burocrática na recepção foi rápida, ganhei um crachá de visitante e uma explicação rápida dos horários de visita. Dean parecia familiarizado e peguei alguns olhares sonhadores da recepcionista, felizmente, meu padrasto não correspondeu seus sorrisos e piscadas, mas fechei a cara para ela. Samantha, decorei seu nome e rosto.

Odiei a mulher por vários motivos, porém compreendi seu olhar cobiçoso.

— Doutor. — meu padrasto cumprimentou o médico responsável pelo caso de mamãe, o homem era alguns centímetros mais alto que eu, seu rosto sério me transmitiu segurança.

— Sr. Dean. — ele respondeu, apertando a mão do meu padrasto e depois trazendo seu olhar até mim. Por um momento, o ar me faltou. A cor dos seus olhos possuíam o azul mais lindo que já vi, eram quase translúcidos, talvez meio cinzentos.

— Esta é Vallie, minha enteada e filha de Lily. — O médico me deu um sorriso que classifico como piedoso e limpou a garganta, ambos pediram licença e Dean me pediu para esperar por um minuto. Meu olhar foi até o nome gravado no

jaleco do tal médico e perdi a segurança que depositei nele. Simón. Cinco letras.

Que tipo de médico se chamava assim? Decidi que não um dos bons.

Esperei por quase vinte minutos, aproveitando o tempo para navegar pelas minhas redes sociais e enviar mensagens para as garotas. Posso dizer que não tenho muitas amigas, com certeza não alguma que confie cem por cento. De todo modo, faço parte de um pequeno grupo de cinco e é o suficiente.

Quando ergo o olhar, pego Dean me observando.

— O quê?

Ele dá de ombros.

— Venha, fomos liberados para uma visita rápida.

Faço uma careta.

— O que está havendo? Por quê precisa ser uma visita rápida?

— Sua mãe precisa descansar.

— Ela está em coma.

— Induzido, o médico vai acordá-la em breve.

Pulei da poltrona que acabei sentando enquanto esperava e agarrei a frente da camisa dele.

— Mesmo?

— Sim, baby. Logo sua mãe estará em casa.

Em casa.

Alegria me encheu, no entanto, medo também. Morávamos longe de tudo e por mais presente que ele estivesse, senti que era pouco perante a situação.

— Me ensina a dirigir? — questionei e seus olhos estreitaram.

— É uma pergunta estranha, mas podemos falar sobre isso depois. — colocando um punhado do meu cabelo atrás da minha orelha, ele arrastou a mão pelo meu braço e entrelaçou nossas mãos. — Vamos.

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