Confidências
Depois de aceitar que não conseguiria comer nada, fui me arrastando na direção do banheiro. Estava destruída por dentro, de coração partido, incapaz de compreender o que havia acontecido.
Depois de encher a banheira de espuma, abri uma garrafa de vinho. Tentei ligar para Emma, mas seu número chamou várias vezes até entrar em caixa postal, então eu desisti.
Entrei na banheira e uma sensação horrível fez a minha barriga gelar. A temperatura da água não conseguiu amenizar em nada a angústia que me dilacerava. Nem a lembrança de que logo estaria nos braços de Jace de novo. Nada servia para aplacar minha dor.
Quando a água ficou fria, saí do banho e me enrolei em uma toalha, indo para o quarto. Enquanto me vestia, a campainha me fez sair daquele estado de inércia. Eu fui até a sala, descalça, ainda secando o cabelo, e abri a porta da frente.
Logan me observava, mãos cruzadas na frente do corpo. Seu olhar era meigo e gentil, mas quando ele viu o meu estado, o sorriso em seu rosto murchou.
- O que aconteceu, Olivia?
Dei um passo para o lado e, um minuto depois, Logan estava sentado ao meu lado no sofá. Eu me abri com ele, contei tudo o que havia se passado com a minha mãe. Foi um gesto automático, mas também inesperado, e aquilo me surpreendeu.
- Tenho certeza de que vocês duas vão ficar bem – ele olhou dentro dos meus olhos, quando disse: - O que você faz pela sua mãe é incrível. Tenho certeza de que você a ama muito. E Natalie também sabe disso, ela só está com medo. Ela passou por um momento horrível e pessoas tendem a reagir de forma diferente aos seus traumas.
- Mas não é justo – escondi o rosto entre as mãos. Eu sentia uma dor aguda no peito, exatamente como um mau presságio. – Eu tinha certeza que ela estava melhorando, Logan. Os remédios, a terapia, estava tudo fluindo. Os pesadelos estavam sumindo, tudo estava voltando ao normal. De repente, ela está... regredindo. Ou não sei, talvez, seja o que ela realmente pensa a meu respeito. O que ela realmente... sente.
- Tenha calma, Olivia. Não se torture – sua mão segurou a minha de repente. – O melhor que você tem a fazer é ir para a cama e descansar. Você pode conversar com sua mãe amanhã, quando as duas estiverem mais calmas.
Ele tinha razão. Mesmo assim, eu via um buraco negro no meu futuro com Natalie. E aquilo era profundamente doloroso. Justamente quando estávamos estreitando nossos laços? Não era nem um pouco justo.
- Então, o Jace acordou? – Logan perguntou, soltando a minha mão. – Que boa notícia. Você deve estar muito feliz.
Logan era um cara legal, um cara ótimo, e não merecia viver a sombra do que eu sentia pelo Jace. E nós dois sabíamos muito bem que era aquilo o que aconteceria. Pelo menos eu sabia. Se ele não conseguia enxergar aquilo... então não era tão esperto quanto imaginava.
Nosso recente encontro desastroso só veio comprovar minhas teorias.
- Estou sim, obrigada. Desculpe-me, Logan. Você tocou a campainha e eu saí derrubando meu muro de lamentações em cima de você. Veio me dizer alguma coisa? Aconteceu algum problema?
- Negativo, nenhum problema – ele coçou o queixo. – É que eu estou deixando a cidade, no mês que vem. Alguns amigos vão se juntar para fazer uma despedida e eu gostaria que você viesse.
- Então você conseguiu a promoção?
- Acabei de receber a notícia.
- Meus parabéns, inspetor.
- Obrigada, Olivia. Eu te aviso quando for acontecer, tudo bem? – ele sorriu, suspirando antes de se levantar. – Estou indo, agora. Vai ficar bem sozinha?
- Sim.
- Cuide-se.
- Pode deixar. Cuide-se também.
Eu o levei até a porta. Não havia um clima estranho entre nós e aquilo foi um alívio. Mesmo assim, eu podia sentir o olhar dele se voltando, uma vez ou outra, para mim. Eu conhecia aquele olhar. Logan estava calculando suas chances. Eu esperava que, algum dia, ele parasse de me olhar daquele jeito e nós pudéssemos realmente ter uma chance ser amigos.
Eu gostava muito dele, mas por hora, precisaria manter distância.
***
Acordei às quatro da manhã com o telefone tocando. Era uma ligação do Staten Island Hospital. Minha mãe tinha dado entrada por interação medicamentosa.
Meu coração ameaçou saltar pela garganta. Eu pulei para dentro de um jeans, vesti um casaco por cima do pijama e, quarenta minutos depois, corria, aflita, pelos corredores do setor de emergência. Mostrei meus documentos e a recepção confirmou que minha mãe estava em um dos quartos do hospital.
Um minuto depois, havia um médico ao meu lado com um olhar de curiosidade.
- Olivia Goode? Você é filha da paciente Natalie Goode? – o médico perguntou e eu balancei a cabeça, assentindo. Eu mal podia respirar, quanto mais falar. Ele segurou meu braço e me conduziu para a sala de espera. O ar condicionado nem estava gelado e, mesmo assim, eu tremia, apesar do meu casaco. – Eu sou o Dr Anthony Carlton e estou atendendo sua mãe, nesse momento. Você é o contato de emergência no telefone dela.
- Boa noite, doutor Carlton. O que está acontecendo? Como ela está? – eu falava depressa, atropelando as palavras.
Ele não se abalou, parecia acostumado.
- Nesse momento, ela está bem. Está dormindo. Você sabe o que é interação medicamentosa, Olivia?
- Não faço ideia. Minha mãe tomou excesso de remédios, foi isso? Ela tentou se matar?
- Estamos trabalhando com essa possibilidade também. Mas ainda não é uma certeza – ele fez uma pausa antes de perguntar: - Sua mãe está usando oito medicamentos diferentes nesse momento, você sabia disso?
As palavras dele me deixaram sem ar.
- Não, doutor. Minha mãe toma dois remédios: um controlador de humor e outro para dormir. Ela tem as receias, foram passados pelo psiquiatra dela, o Dr Hudson.
- Então eu aconselho você a conversar com o Dr Hudson, pessoalmente. Sua mãe teve uma ingestão de tantas substâncias diferentes nas últimas vinte e quatro horas, Srta Goode, que é um milagre ela estar viva nesse momento.
***
- Obrigada, vovó.
- Não tem que me agradecer – Bertha disse, me levando até a porta do pequeno apartamento que dividia com Natalie e que ficava em cima do restaurante, o qual também pertencia às duas. – Ela é minha filha. Como ela está agora?
Eu havia acabado de deixá-la dormindo em sua cama, depois de doze horas de observação na enfermaria do Staten Island Hospital. Enquanto esteve acordada, minha mãe permaneceu sonolenta e inexpressiva.
O Dr Carlton assegurou que aquele era só um efeito dos sedativos, já que as substâncias encontradas no seu sangue haviam sido liberadas após uma lavagem de rotina. Ela estava bem. Pelo menos por enquanto.
- Dormindo – a frustração se acumulava em meu peito e as palavras saíram em uma torrente antes que eu pudesse segurá-las: – Eu não sei mais o que fazer, nem sei o que esperar quando ela acordar, vovó.
- O mais importante você já sabe: o motivo de ela ter surtado com você, minha filha.
- Eu não tenho tanta certeza.
Uma sombra de preocupação surgiu no rosto de Bertha.
- Como assim, Olivia?
- Não sei se o excesso de medicação fez isso com ela – havia um buraco no meu estômago que não queria desaparecer. – Eu despejei tanta coisa em cima dela, vovó!
- Nada além da verdade, eu imagino.
- Não é sobre isso. Eu disse coisas realmente pesadas. Joguei em cima dela todas as feridas que... eu não sei como ela vai reagir agora.
- Feridas causadas por ela – Bertha soltou um suspiro. – Sua mãe foi a coisa mais adorável que já apareceu na minha vida, Olivia. Mas, desde pequena, ela sempre foi auto centrada e isso a tornou uma pessoa egoísta, às vezes. Eu a amo porque sou a mãe dela, mas não saberia como ser sua filha.
Depois que eu deixei Staten Island, fui direto para casa. Mandei uma mensagem para Ron, contando brevemente o que havia acontecido e pedindo que me perdoasse por não ir trabalhar naquele dia.
Eu estava completamente sem cabeça para nada. Pensei em passar no hospital e ver Jace, mas eu não me sentia em condições de fazer isso.
Eu não conseguia esquecer as palavras de Bertha.
“Eu a amo porque sou a mãe dela, mas não saberia como ser sua filha.”
Lembrei dos dias perfeitos com Natalie, da maravilhosa infância em Santa Mônica. Quando fazia sol, ela sempre me levava até o píer. Foi ela quem me ensinou a nadar, a comprar a melhor maquiagem, escolher as melhores roupas e a fingir indiferença com os garotos de quem eu gostava.
Ela sempre lia um livro para mim antes de dormir: O Pequeno Príncipe. “É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas”. Eu perdi as contas de quantas vezes ela disse isso com lágrimas nos olhos.
Minha mãe me apoiou muitas vezes quando precisei. E enxugou minhas lágrimas quando elas caíam, fosse por um joelho ralado ou um coração partido.
Ela pode ter sido egoísta muitas vezes, mas com certeza, se doou mais do que recebeu. Eu não tinha nenhuma dúvida. E eu precisava seguir tentando.
Precisava aprender a ser filha de Natalie e a permitir que ela fosse a melhor mãe possível para mim também.
