Capítulo 8
Juliana dos Santos
Eu não sei o que eles vão resolver, mas posso dizer que eu me sinto em casa nos braços dela. Há bastante tempo que não me sinto tão confortada. Ultimamente, só Léo tem me feito sentir assim. Mas o abraço da Amanda é muito mais especial.
É uma mãe abraçando a outra. Sabendo o quanto de dor eu pude suportar para enfrentar a perda de meu filho.
Já é difícil quando ela é natural, apesar de que nunca vai ser natural os filhos morrerem primeiro que os pais.
Imagine quando você sabe que seu filho morreu, por sua culpa. Porque foi minha culpa. Não estou dramatizando nada... Já fiz muita terapia e já passei desta fase.
Mas o certo é que se eu não tivesse agido em desespero nada disso teria acontecido. Fora que não foi só a vida do Adriano. O pobre taxista, que me pegou aquela hora da noite só para me ajudar, também morreu no processo.
Lembro que ele disse que só parou porque raciocinou que uma menina com uma criança no colo no pé do morro com cara de assustada, não podia ser boa coisa.
Me afasto um pouco dela e limpo minhas lágrimas, tentando retirar todas as lembranças de dentro de mim.
Eu sempre consigo.
-Obrigada! Mas eu preciso ir, Léo está me esperando…
Mentira, Léo já deve ter ido para a faculdade a bastante tempo. Na verdade eu nem pretendo ir pra casa. Eu preciso distrair minha mente dessas merdas que tive que relembrar para contar a eles.
-Porque não fica hoje Juliana? Você está muito abalada para ir embora...
-Pedro fala me olhando da cadeira.
Amanda se levanta limpando as lágrimas e indo até a cadeira da mesa e se sentando.
-Eu preciso ir... Queria agradecer pela oportunidade... Mas eu não posso prometer que não estou pondo a vida de vocês em risco... Ele pode me encontrar... Então eu entendo se me demitirem. Eu fui egoísta quando vi neste emprego uma oportunidade de estar segura. E fui burra também, achando que vocês nunca desconfiariam da verdade.
-Nós queremos te ajudar, Juliana.
Olho em direção a ele e não entendo.
-O que?
-Nós queremos te ajudar. Quando chamamos você para conversar é porque queríamos saber os detalhes. Para saber se podíamos confiar em você ou não. Nunca foi com o intuito de te mandar embora. Claro, se você não contasse nada, isso automaticamente aconteceria.
Eu limpo meu rosto.
-É como vocês sabem que eu estou falando a verdade?
Amanda ri…
-Isso que você contou , nunca poderia ser mentira. Você teria que ser uma bela atriz para reencarnar esse personagem. E olha que eu era a mais cética de nós dois …
-Suas histórias batem com tudo que descobrimos. E como Amanda disse, não tem como você falar mentira. Eu sou especialista nisso. Interrogo pessoas todos os dias. Mas é importante dizer, que eu espero que não haja mais segredos. Eu preciso saber de tudo para poder te proteger, e em breve Fubá estará atrás das grades. Eu mesmo me encarregarei disso.
Eu rio…
-Se você conseguir por ele atrás das grades Pedro, merecerá uma medalha! Ele é mais escorregadio do que chão sujo de óleo. Já era a cinco anos atrás, imagine agora que é o dono do morro.
Falo rindo... Eu nunca mais o vi, mas acompanho as notícias que saem sobre ele e a comunidade pela internet. Brian, mais conhecido como Fubá, se tornou um bandido muito perigoso! Eu que o diga!
-Ele estará... Coincidência ou não, estamos em plena operação de investigação onde ele está envolvido. Imagine a minha surpresa quando me disseram que você era ex mulher dele…
Que vida doida! Eu vim parar na casa do cara que está investigando meu ex marido. Pqp!
-Nossa... Que coincidência.
-É de quebra você ainda vai me ajudar.
Abro a boca e fecho. Esperando ele elucidar.
-Não há fotos recentes dele. Não sabemos nada sobre ele. A única documentação que encontramos que atesta o nome dele é a certidão de nascimento e de óbito de seu filho.
-Não, ele tinha identidade…
-Provavelmente tem, mais fotos antigas, lembra? Ajudaria muito se você fizesse um retrato falado dele.
-Pedro... Dá um tempo... -Amanda diz pra ele.
-Quando se sentir preparada. Sem pressão.
-Eu não vejo ele a cinco anos Pedro. Ele deve estar diferente. Ele era fissurado em boxe... Na época era magro, mas agora deve está bem forte. Já o rosto, ele falava que ia fechar uma parte da cabeça com tatuagens. Então eu não sei como posso te ajudar…
-Não tem mais contato com ninguém de lá?
-Não…
-E sua tia?
- Minha tia se mudou antes de eu sair do hospital. Bem, eu não sei se eles se mudaram... Ou se... Se...
Caio no choro de novo...
Provavelmente ele deu um fim na família da minha tia. Eu já procurei eles por redes sociais. Mas não achei nada.
-Você acha que eles foram assassinados?
Eu mexo com o ombro demonstrando que talvez tenha sido.
-Ele pode ter matado eles por vingança. O Brian que conheci não existe mais, ele já estava mudando antes do acidente, depois que Adriano morreu, ele ficou muito mais cruel. Eu não sei como saí viva daquele morro... Acho que se não tivesse conseguido fugir, eu teria morrido alguns dias depois.
Ele segura minhas mãos e diz:
-Nós vamos pegar ele... Essa investigação é muito grande. Envolve agências de outros países, exército. Por enquanto ela está separada por setores, mas quando for a hora de trabalharmos juntos, ele não vai conseguir sair dessa ileso. Ou vai pra cadeia ou morre…
-Então se esforce para ele morrer, Pedro... Porque Brian não vai ficar na cadeia... Tenha certeza disso…
Ele me olha me observando. Eu conheço muito bem o homem com quem dividi a vida.
Ele é aquele tipo de passarinho que não vive em gaiolas. Por isso que ele toma tanto cuidado para não ser reconhecido. E ele é um estrategista. Sempre foi!!! Não é à toa que ele dominou o morro. Uma das tabelas mais populosas do estado do Rio de Janeiro.
-Vamos mudar de assunto??? -fala Amanda nos olhando. -A partir de hoje um dos seguranças te levará e te buscará em casa Juliana. Faz parte da estratégia de segurança da minha filha. Não quero ninguém te seguindo. Fora que quando precisarmos sair com Luísa, Vitória que irá... O anonimato é importante pra você, né?
-Sim Amanda. Foi assim que consegui me manter escondida.
Ela confirma com a cabeça.
-Se quiser ficar a semana direto aqui e ir embora apenas os finais de semana, também pode. Fica a seu critério. Respeitamos o seu horário de folga. Mariana já faz isso, e nossa casa é um mini clube, então…
-Não precisa... Eu preciso manter minha vida o mais normal possível. Faz parte da minha terapia.
Ela confirma.
-Quanto a ajudar Pedro na investigação é importante dizer que será tudo por debaixo dos panos. Você não vai a uma delegacia, prestar depoimento ou enfrentar um júri como uma testemunha. Você está segura Juliana.
-Ok! O que puder ajudar, ajudarei…
-Outra coisa que gostaria de comentar. Sua ficha diz que você é advogada recém formada.
-Sim... Quando cheguei em São Paulo eu tinha que ocupar minha mente, então eu fiz vestibular e acabei gostando do curso. Mas não é algo que eu pretenda fazer... Ter uma carreira…
-Porque?
-Por causa do anonimato. Ser babá é mais fácil.
-Meu pai é dono de um escritório de Advocacia, Juliana. Se quiser consigo um estágio para você. Geralmente estágios são meio período. Você trabalha de manhã e depois vem para o seu emprego. E o escritório é aqui perto. Nem há trânsito.
Eu abro a boca e fecho. O que?
Além de me darem segurança, ela quer me dar um estágio na minha área??
Senhor, aonde eu vim parar? Há cinco anos escondo meu passado para não ser tachada como mulher de traficante. E ela... Que tinha todos os motivos do mundo, para virar as costas para mim, além de não tirarem meu emprego, me oferece outro?
-Porque vocês estão fazendo isso?
Falo... Porque logo desconfio... Não acredito em migalhas de amor ... Primeiro que eles não me conhecem... Segundo que eu menti para eles... Terceiro porque a vida já me ensinou que atrás de oportunidades, sempre pedem algo em troca.
-Como assim? -fala Pedro.
-Porque estão me ajudando, me acolhendo... Eu sou perigosa! As pessoas que se aproximarem de mim, automaticamente correrão risco de vida... E vocês além de me garantirem segurança ainda querem me inserir mais ainda no núcleo familiar. Bem, deve ter algum motivo por trás. Se é porque vocês querem que eu ajude na sua investigação, posso ajudar sem nada em troca. Se Brian fosse preso, uma boa parte dos meus problemas estariam resolvidos.
-Ei... -Ele se aproxima mais e segura minha mãos com mais firmeza. -Não há motivos escusos. Você é nossa funcionária, e protegemos nossos funcionários. Não há ninguém em risco aqui. Eu sei bem o que estou fazendo. Nossa filha nunca esteve em risco porque eu sempre cuidei para que isso não acontecesse. Portanto, tira isso da sua cabeça.
-Eu sou juíza e Pedro é delegado apenas por um motivo: ajudar e proteger aqueles que precisam e são marginalizados. Nos tornamos o que somos hoje, porque queremos tornar esse país um pouco mais justo e seguro. Então o perigo que você corre, é o mesmo que corremos todos os dias. Para nós, é só mais uma questão para lidar. Você estudou cinco anos para jogar isso pelo ralo. Não precisa aparecer para ser uma boa advogada. Pode ser sem precisar dar as caras. Precisa estagiar, fazer o exame da OAB. Eu só estou te oferecendo uma oportunidade de acontecer isso... Deu sorte de minha família ter um escritório, deu mais sorte ainda porque meu pai está selecionando estagiários.
Eu suspiro. Ainda continuo achando que é bom demais pra ser verdade. Mas porque não?!?! Depois eu lido com as consequências, se tiver alguma.
Não vai haver nenhuma novidade pra mim. Eu vivo lidando com as consequências o tempo todo. A vida nunca foi fácil.
-Ok... Eu aceito, porque seria muito burra de não aceitar isso que estão oferecendo.
-Que bom! Celso vai te levar em casa, e espere ele 15:30, que ele irá te buscar. -Ela diz me olhando.- Já o estágio, vou resolver isso com meu pai e te falo... Agora é de verdade Juliana. Bem vinda a equipe!
Pedro sorri e ela também. E eu?
Fico pensando que eu devo ter feito algo muito certo nessa vida, para merecer isso…
Eu não mereço isso.
Dois inocentes morreram por minha causa, um deles foi meu filho... A vida tinha que ser cruel comigo, como Brian foi por alguns meses.
Limpo o restante das lágrimas que ainda teimam em cair e me levanto me preparando para ir.
-Obrigada!
Falo saindo da sala. É a única coisa que consigo dizer, para esses dois que me levaram para o inferno novamente, e poucos minutos depois, me resgataram de lá.
***
Chego em casa e dou de cara com Léo, com o nariz vermelho, deitada no sofá da sala assistindo tv…
-Que houve?
-Crise alérgica amiga... Tive que faltar aula hoje pra ver se consigo ir trabalhar de tarde.
-Já tomou o remédio?
-Sim, estou esperando fazer efeito. Você demorou... Perdeu o ônibus?
Sento no sofá e suspiro... Ela percebe que tem algo errado e se senta no sofá me dando mais espaço.
-Fala…
-Eles descobriram tudo…
-O quê?! -ela fala com os olhos arregalados... -quando você diz tudo, é tudo mesmo? - Confirmo com a cabeça.-Sinto muito amiga! Eles te mandaram embora?
-Não... Até me ofereceram um estágio no escritório de advocacia do pai da Amanda.
-O quê?! - ela fala com a voz estridente.
É amiga... Até eu não digeri essa história…
-Isso mesmo... Me deram a maior força .. agora eu ando com um segurança pra cima e pra baixo, Amanda disse que é pra ter certeza se eu não estou sendo seguida.
-Eu investiguei pela internet esses seus patrões. Amiga, essa Amanda nada mais é que filha do José Lima, um dos advogados mais conceituados de São Paulo. O escritório dele é famoso, por só ter cliente endinheirado. Se ela te ofereceu um estágio, parece que você ganhou um prêmio da Mega-Sena.
Eu começo a tossir. O que? José Lima? Aquele cara que foi fazer palestra na faculdade uma vez sobre Direito criminal? O que tem vários livros publicados sobre Direito?
-Você não pode está certa sobre isso Léo... Não pode ser o mesmo cara…
-É... -Ela cutuca o celular e me mostra uma foto dele com os filhos. São seis, e Amanda está entre eles.
Eu fico branca olhando para aquilo.
Aonde eu fui parar?!?!
