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Capítulo 1

Seis anos depois

Juliana dos Santos

Saio do banho e escuto Eleonor me chamar.

-Ju, estou indo…

Vou até a porta do banheiro e ponho a cabeça para fora. 

-Vai dar aula?

-Sim... Já estou atrasada para pegar o ônibus.

-Ok! Boa tarde amiga!

-Boa tarde!

Ela já grita saindo de casa, eu sorrio balançando a cabeça.

Saio do banheiro embrulhada na toalha e vou para meu quarto me vestir.

Pego minha calça jeans de sempre. Meu All Star e uma blusa de malha. Faço um rabo de cavalo rápido no cabelo. Hoje meus patrões disseram que querem conversar comigo. Acho que consegui a tão sonhada vaga de babá.Eles estão se mudando para os Estados Unidos, e vão levar uma das babás com eles.

É uma grande oportunidade de recomeçar, bem longe do Brasil. Apesar de não ter motivos para me desesperar em todos esses anos que moro em São Paulo, quanto maior for a distância do Rio de Janeiro, será melhor para mim.Tenho me mantido distante de holofotes, tendo uma vida tranquila e bem escondida. Não tenho redes sociais e me mantive como babá. 

Não que eu precise trabalhar como uma.

Me formei a pouco tempo em Direito. Poderia fazer estágio na minha área. Mas vivo uma vida simples, porque tenho medo de ser descoberta.

Me mudar para os Estados Unidos com um visto permanente seria um sonho que tenho há bastante tempo. Lá sim, eu conseguiria viver tranquila, sem me sobressaltar, toda vez que vejo alguém parecido com ele na rua.

Me estremeço toda só em pensar nele. Eu já perdi tanta coisa na minha vida por causa deste homem, que eu não gosto nem de pensar nele.

Foco Juliana!

Eu sei que eu só preciso de um pouco de foco para seguir em frente.

Pego minha bolsa, boto ela transversal ao meu corpo e me preparo para seguir até o meu emprego. 

Se Deus quiser essa vaga é minha! Eu creio!

***************

-Desculpe Juliana, mas achamos que Andreia tem mais condições de se adaptar à vida nos Estados Unidos do que você.

-Posso saber porque a senhora acha isso?

-Ela fala Inglês melhor, e é mais despachada. Queremos algo definitivo. E acredito que você não vá se adaptar lá.

-Não se preocupe, você não ficará desempregada. Temos um casal de amigos que está precisando de uma babá no turno da noite. Eu já marquei até a entrevista para você.- o marido dela,  me entrega um papel com um endereço, um telefone com data da entrevista e o horário. -Lamentamos Juliana.

-Tudo bem Senhor! Obrigada pela oportunidade por todos esses anos. Posso me despedir das crianças?

-Claro que sim querida! Vai gostar dos seus novos patrões. Eles são muito amigos nossos. Eu não me sentiria bem em viajar e te deixar aqui desamparada.

Se ela soubesse... 

Se ela soubesse que está tirando de mim uma grande oportunidade de ser feliz pela primeira vez em cinco anos, ela não faria isso. 

Eu concordo com a cabeça e me encaminho até as crianças.

Enfim, a vaga não era pra mim. Mas eu vou continuar tentando. Eu nunca desisto!

**************************

Boto mais uma garfada de macarrão com carne moída na boca e escuto a chave na porta, olho em direção a entrada e vejo Eleonor chegando.

-Boa noite amiga!

-Boa noite…

-Chegou cedo?

-Sim, sou a mais nova desempregada do pedaço…

-Ahhh não... Você não conseguiu a vaga?

-Não. Parece que Andreia fala melhor inglês que eu e é mais despachada.

Faço uma careta. Eu não engoli essa, mas tudo bem, faz parte. Talvez seja porque Andréia é branca de cabelo liso e eu preta de cabelo ruim. Mas não vou pensar muito nisso, porque não vai fazer diferença. Eu vou continuar aqui, lutando pela minha sobrevivência.

 

-Sinto muito amiga! Se existia uma pessoa que merecia essa vaga, era você.

-Amanhã eu tenho uma entrevista. 

Parece que o casal é legal.

-Você poderia aproveitar esta oportunidade e procurar algo na sua área. Dependendo do lugar dá pra você manter a descrição, sem nenhum problema.

-Não... Eu gosto de ser babá. Estudei apenas porque precisei ocupar minha cabeça. Você sabe... E como foi a prova?

-Foi boa…

Ela fala retirando o sapato e se sentando no sofá.

Eleonor faz pós graduação em Literatura. É formada em pedagogia, e dá aula em uma escola particular na parte da tarde.

Ela também tem uma história sofrida como eu. Eu a conheci assim que comprei este apartamento. Ela era uma das inquilinas antigas e estava fazendo a sua mudança quando me mudei. Gostei dela na hora. Nos tornamos muito amigas e a convidei para dividir as despesas comigo.

É um apartamento simples, na periferia, mas é meu. E coincide bem com a minha vida tranquila e simples, que procuro manter.

-O que você está jantando?

-Macarrão com carne moída.

-Carboidrato à noite, amiga?

-Eu precisava, para aplacar um pouco a minha decepção.

-Esse casal que vai fazer a entrevista, já é certo?

-Eles disseram que sim. Vamos ver se o santo vai bater. Sabe como é né? Trabalhar como babá não é algo que dê para empregar alguém sem confiança. Se eles não forem com a minha cara, aí com certeza, eu estarei desempregada.

-Vai dar tudo certo... Não tem como não ir com sua cara... Você é uma fofa!

Ela beija a minha bochecha e vai se servir do meu macarrão com carne moída que tanto reclamou. Se sentou ao meu lado da mesa com um copo de suco na mão. Eu aponto para o macarrão e digo.

-Carboidrato a noite, Léo?

Ela revira os olhos…

-O que posso fazer? O buraco no estômago é menor do que a preguiça que estou sentindo para fazer algo.

Eu solto uma gargalhada.

Conversamos mais um pouco e depois vou para meu quarto ler um pouco. Amanhã é um novo dia!

E se Deus quis assim, quem sou eu para não aceitar seus desígnios.

*******************

Chegando no endereço, o ônibus pára na esquina, e eu assobio. Que casarão! 

Ela pega quase um quarteirão inteiro da rua e está localizada num dos bairros mais chiques da cidade.

Eu estou acostumada a trabalhar com a classe alta, mas ainda me surpreendo com o tamanho das casas. E essa é enorme. Chego no portão e toco a campainha.

Vejo logo um cara de terno abrir o portão e se pôr a minha frente.

Eu levei um susto, porque o rapaz deve ter uns dois metros de altura. Senhor!

-Pois não?

-Eu tenho uma entrevista com o Senhor Pedro e a Senhora Amanda, hoje às nove horas.

-Qual seu nome?

-Ursula Juliana dos Santos. Mas pode me chamar de Juliana, não gosto muito de Úrsula.

Falo sem graça. Eu não consegui uma nova identidade quando me mudei para São Paulo, então comecei a usar meu nome do meio. Eu praticamente eliminei o Úrsula da minha vida. Só o usava quando me pediam o nome todo. Por ser um nome diferente, se Brian quisesse me achar, me acharia mais facilmente.

Pisco o olho para sair dos meus pensamentos.

-Identidade Senhorita.

Pego meu documento e entrego a ele.

-Um momento.

Ele entra pelo portão com a minha identidade e eu fico na porta.

Que merda é essa? Será que não é uma casa? Será que é uma empresa? Onde eu vim me meter?

Cinco minutos depois ele volta acompanhado por uma moça,  me devolvendo a identidade.

-Seja bem vinda Senhorita. Vou te acompanhar até os patrões. Eu me chamo Mariana.

-Prazer Mariana.

Sorrio para a moça com um vestido reto preto e sapatilha. Seus cabelos são escuros e muito bem presos num coque. Deve ser empregada da casa.

Eu entro num jardim imenso, com piscina. Dois golden retriever vêm em minha direção e começam a me cheirar toda.

-Romeu e Julieta parem com isso. Desculpe Senhorita, eles não mordem mas adoram receber visitas.

-Tudo bem. -falo afagando os dois. -eu adoro cachorros.

-Que bom! -Ela sorri pra mim.

A casa tem a parte da frente toda de blindex escuro. Cercada de portas imensas. O chão é de madeira maciça. Um ambiente muito moderno e charmoso.

Vejo algumas pessoas trabalhando e alguns com terno e gravata andando de lá pra cá com pontos no ouvido. Parecem seguranças. Pelo jeito essas pessoas são famosas.

Merda! Eu não posso trabalhar com gente famosa!

Entramos num ambiente aberto cheio de sofás espalhados e uma tv enorme numa parede de tijolinhos. Acho que é a única parede do cômodo.

Uma cozinha enorme separada apenas da sala por uma parede de vidros. Tudo muito moderno e de cores sóbrias.

Uma escada no canto da casa onde nos leva para o andar superior.

-Pode se sentar aqui. -ela me indica um sofá e eu me sento. -Os patrões já estão descendo. Deseja beber algo?

-Não Mariana, obrigada!

Me sento e observo tudo.

Vejo Mariana se encaminhando para a cozinha, e da onde estou sentada dá pra ver ela pondo o avental e lavando a louça. Gostei de tudo, pelo jeito este casal não se importa com os empregados. Pelo ambiente ser aberto, parece que todos convivem em harmonia. De repente vejo uma mulher elegante descer as escadas, com um terninho cinza e saltos altíssimos. Cabelos castanhos soltos. 

Ela é linda, parece uma miragem. Vem acompanhada de uma menina toda vestida de branco com um bebê de no máximo, um ano no colo.

Eu me levanto do sofá e espero ela chegar até mim. Ela vem carregando um notebook e sorri para mim quando me vê.

-Olá Juliana, seja bem vinda a minha casa. Me chamo Amanda.

Ela estende a mão para mim e eu aperto, sentindo um certo arrepio ao tocar sua pele. Que sensação estranha!

Além dela ser linda é uma mulher que exala elegância. Eu fico encantada olhando para seus olhos. Eles parecem enxergar coisas que eu quero esconder. Automaticamente olho para baixo. 

É melhor não encarar esta mulher.

-Prazer em conhecê-la Senhora.

-Só Amanda, Juliana. Não gosto de formalidades, já tenho que lidar com elas o dia todo no meu trabalho.Esta é Luísa, se tudo der certo é ela que tomará conta e está é Vitória, a pessoa que fica com ela até às 16 horas. Luiza tem um pouco mais de 1 aninho. Ainda não frequenta a escola, então precisa de vigilância o tempo todo. Como eu e meu marido trabalhamos com plantões, precisamos de duas pessoas de confiança.

Eu mexo com sua mãozinha, ela olha pra mim e abre um sorriso. Que bebê lindo, parece a branca de neve do conto da Disney. Cabelos cheios de cachinhos pretos, pele muito branca e óleos meio esverdeados ou azuis. Parece que eles mudam de cor de acordo com o ambiente em que estão. Ela é linda e simpática. A babá do horário do dia também parece ser simpática. Ela é baixinha, de pele bem morena e cabelos lisos pretos.

-Desculpem o atraso.

Vejo um Deus grego se aproximando, com um short de corrida e regata. Todo molhado de suor e bebendo água de uma garrafinha.

-Este é meu marido Juliana, o atleta da casa. Não dá pra competir com as corridas. Ele sempre chega atrasado.

Ele revira os olhos e eu sorrio.Que clima gostoso. Não que o marido dela não seja gostoso... Meu Deus, que homem é esse! Alto, musculoso, moreno, cabelo castanho e os olhos, são iguais aos olhos da filha. Não dá para decifrar a cor direito. Eu fico meio chocada, porque um casal como os dois, deve parar uma festa para serem observados quando chegam.

Eu estendo minha mão para ele. Ele tira a toalhinha do ombro, enxuga a palma da mão e aperta a minha. Eu sinto minha pele arrepiar da mesma forma que senti quando apertei a mão de sua esposa.

Que coisa estranha!

-Vocês me esperam tomar uma ducha. É dez minutos.

-Não Pedro... Eu preciso ir para o fórum daqui a pouco. A Juliana não se importa se ficar desse jeito na entrevista... Não é Juliana?

Eu fico envergonhada com o questionamento. Porque? Não sei…

-Não Se... Desculpe, Amanda... Está tudo bem…

-Ok, então vamos nos sentar.

Eles se sentam e a Vitória põe Duda no chão num tapetinho que tem perto da onde estamos, se retirando em seguida. O tapetinho está cheio de brinquedos e logo a menina se distrai ali.

-Então Juliana, o que achou do horário. Seria das 16h até meia noite. Sendo que você pernoitaria aqui. Infelizmente não teria como ir para casa, por largar tarde. Mais nós vamos pagar o adicional por ser obrigada a pernoitar e também pra quando precisarmos que você cuide dela na madrugada.

-Por mim tudo bem, meu horário na casa dos meus antigos chefes era parecido. A única diferença é que o motorista me levava em casa quando dava a hora de ir embora.

-Você prefere assim? Eu tenho como te mandar embora também.

-Não. Eu até prefiro pernoitar. Pegar estrada a esta hora da noite é sempre perigoso, principalmente onde moro. Eu posso ir embora de manhã.

-Podemos fazer assim, quando preferir voltar para casa, é só dizer... -ele diz me analisando.

-Ok!

-Sua adaptação com ela acho que não vai haver problemas, já que ela gostou de você num primeiro contato. Mas na primeira semana vamos tentar ficar por perto para se houver algum problema, contornamos.

-Sim Senhora.

-Alguma pergunta que queira fazer? Os horários dela, Vitória pode te passar. Eu gostaria que ficasse com ela aqui até o horário de almoço, para que ela passasse o serviço para você. E queria saber se já pode começar na segunda. A outra menina nos deixou na mão de repente... E estamos atolados de trabalho. Mariana que tem ajudado a Vitória nesses dias.

Eu fico atordoada olhando para ela. A entrevista não está sendo nada do que imaginei. Achei que fossem fazer um interrogatório sobre a minha vida, onde moro, se tenho família, como lido com pirraças, se eu gosto de animais. Qual o método de educação que eu acho adequado e qual eles usam. Mais nada disso. Até agora ela só me passou a rotina da casa, como se o emprego já fosse certo.

-Amor, acho que está assustando a menina.

Ela pisca duas vezes, olha para o marido e depois para mim…

-Eu estou te assustando? Desculpe Juliana, eu sou muito direta…

-É porque eu achei que fosse uma entrevista não que eu já estava contratada.

-Não temos tempo para isso. Precisamos de uma babá, e você foi muito bem recomendada, queremos fazer uma experiência ... então não vejo porque não te contratar.

- É que geralmente as pessoas fazem um interrogatório num primeiro contato e a Senhora não falou nada.

-Eu confio na energia da pessoa Juliana. E eu fui com a sua cara. Em relação às perguntas, você poderia mentir todas as respostas e eu não saberia. Prefiro conhecer as pessoas no seu dia a dia. E com você não vai ser diferente. Em relação a ser perigoso para minha filha eu contratar alguém que não conheço. Não vai ser, porque não estará sozinha e quando estará terá câmeras. Então, não se preocupe com o meu jeito direto. Eu até gostaria que nos tratasse da mesma forma.

-Claro, Senhora…

-Amanda…

-Desculpe... Amanda... Posso começar na segunda sim e posso ficar até o horário de almoço.

-O uniforme é roupa branca. Depois você passa para Mariana suas medidas que ela vai providenciar seu uniforme. E precisamos conversar algumas coisas, pode nos acompanhar até o andar superior, quero te mostrar o quarto da Luísa.

-Ok.

Ela se levanta e ele também. Fazem sinal para que eu vá na frente e os dois sobem atrás de mim.

Vejo várias portas e ela abre a primeira.

-Este é nosso quarto.

Ela continua andando e abre outra porta.

-Um escritório. -Ela vai para a outra porta. -E este é o quarto de Luísa. Aqui tem espaço para você dormir se tiver, de serviço. Mas quando não estiver de serviço, nós temos uma casa nos fundos em que os empregados pernoitam. Depois Mariana te mostrará seu quarto. As outras portas daqui de cima são quartos de hóspedes.

O quarto é lindo. Todo rosinha, com móveis planejados. Uma bicama no canto do quarto. Um closet enorme e um banheiro também enorme. Tudo aquilo apenas para uma criança de um ano, quando há crianças que não tem nem berço para dormir. Meu coração aperta mas logo empurro meus pensamentos para o fundo. Não vou entrar nessa vibe agora.

-É lindo! A cara dela…

Ela sorri e se senta numa poltrona que tem no canto do berço. Faz sinal para que eu me sente na cama e o esposo dela fica de pé com as  mãos no berço me olhando.

-Preciso conversar sobre o porque a outra babá pediu demissão e também sobre nossas profissões. Nós resolvemos tocar neste assunto antes de contratar outra babá para evitar mal entendidos. -Senhor! Será que eles são bandidos? Ou será que ela viu algo que não devia?-Eu e meu marido temos profissões visadas. Deu para perceber por causa dos seguranças, né?

-Achei que vocês fossem famosos! -Eu falo sendo sincera.

Pedro solta uma gargalhada.

-Infelizmente não. -Ele diz ainda rindo.

Ela ri também.

-Eu sou juíza, e ele é delegado da polícia federal. Por isso os guardas costas. Somos obrigados por causa de nossa segurança e da segurança de nosso bebê. Então se você tem algum problema com isso, é o momento de nos dizer... É importante dizer que tudo que for feito fora desta casa deve ser falado e analisado. Então quase nunca nossa filha passeia no parquinho do condomínio, por exemplo... A casa foi construída para que pudéssemos viver sem precisar sair muito daqui. Depois Mariana vai te mostrar os outros cômodos.

-Tudo bem para mim... Mas foi por isso que a outra babá saiu?

Os dois se olham, mas não falam nada. Passa um tempo e é ele que diz.

-Não, o motivo que a outra babá saiu foi que testemunhou um momento íntimo meu e da minha esposa, com nossa namorada.

Eu abro a boca, franzo a sobrancelha... O que ele quis dizer? 

Ele quis dizer o que estou pensando?

Ele, a esposa e a namorada?

Como assim?

Tipo um swing?

Senhor!!!!!

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