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Asa narrando:
2 anos depois...
Acordei com um arrepio. Era como se um vulcão adormecido tivesse se mexido dentro de mim. A escuridão que me envolvia se dissipou lentamente, como a neblina da manhã que se atreve a dar lugar ao sol. Mas, ao contrário de um despertar tranquilo, minha mente era um labirinto de confusão e solidão. Onde estou? O que aconteceu comigo?
Tentei abrir os olhos, mas eles pareciam pesados, como se alguém tivesse colocado um manto de areia sobre minhas pálpebras. Finalmente, após um esforço titânico, consegui forçar uma fenda. A luz era ofuscante, um brilho branco e frio que feriu minha visão. Fechei os olhos novamente, sentindo a fraqueza se arrastar por meu corpo. Era estranho, como se eu estivesse presa entre dois mundos, o real e o desconhecido.
Quando finalmente consegui abrir os olhos completamente, a cena diante de mim era quase surreal. As paredes eram brancas, imaculadas, e o teto parecia elevado como se estivesse flutuando no ar. Tudo cheirava a desinfetante, um odor que eu mal conseguia identificar. Tentei me mover, mas meu corpo não obedecia. Uma onda de pânico começou a tomar conta de mim.
— Calma, Asa... — sussurrei para mim mesma, mas a voz que saiu de meus lábios estava tão distante que me perguntei se realmente havia falado. O som soou como um eco de um sonho, uma lembrança de algo que não era mais real. O que "Asa" significava? O que eu era? O que eu tinha sido?
Tentei pesquisar em minha mente por fragmentos de memória, mas tudo o que consegui encontrar foi um vazio profundo. Imagens começaram a vir e se dissipar como fumaça. Eu via rostos, sorrisos, até mesmo lágrimas, mas eram tão etéreos que não consegui reconhecer ninguém. Um nó se formou em minha garganta; a sensação de não pertencer a lugar algum era avassaladora.
Os batimentos do meu coração começaram a acelerar, fazendo meu peito retumbar como um tambor guerreiro. Olhei ao redor, em busca de qualquer indício de quem eu fosse ou do que poderia ter acontecido. Foi quando percebi algo: havia aparelhos ao meu redor, uma teia de fios e luzes piscantes. O som constante de um monitor preenchia a sala, marcando o tempo como um contador silencioso de meu estado de vida. Aquilo era um hospital. Eu estava em um hospital.
As lembranças começavam a voltar, mas não como uma onda suave e familiar, e sim como relâmpagos rasgando a escuridão. Balanços, risos, uma luz ofuscante... e então, um acidente. Um momento. Uma saída de estrada. A dor. Eu podia sentir, quase como se ainda estivesse presa àquela experiência. Meu coração afundou na solidão de saber que tinha perdido tanto.
Meu olhar se fixou em um canto da sala, onde havia um pequeno quadro com flores que lembravam a primavera. Eram tão vibrantes em contraste com a brancura estéril ao meu redor. Desejei poder alcançar as flores, tocá-las, sentir sua textura suave entre meus dedos. Mas tudo o que eu conseguia fazer era me deixar perder na confusão dos sentimentos: medo, solidão, e uma esperança primordial que me puxava para a vida.
A porta se abriu com um rangido suave, e vi a silhueta de alguém se aproximando.
Uma figura feminina entrou no meu campo de visão. Seu cabelo, uma cascata de fios castanhos, parecia brilhar sob a luz suave, e seu rosto carregava uma expressão de incredulidade. A mulher vinha em minha direção, mas não conseguia lembrar quem era. Um misto de confusão e alívio percorria meu corpo.
— Quem... quem é você? — Eu murmurei, a voz saindo baixa e arrastada, como se a própria pronúncia das palavras exigisse um esforço colossal.
Ela parou, congelada. Um momento que parecia se estender por uma eternidade. E então, enquanto eu a estudava, uma centelha de reconhecimento acendeu dentro de mim. A lembrança veio lenta e titubeante, mas finalmente se consolidou. Era ela. Minha mãe.
— Mãe? — A palavra saiu quase como um sussurro, uma pergunta e uma afirmação ao mesmo tempo.
Seus olhos se encheram de lágrimas, e, num movimento súbito, ela se aproximou e me abraçou. O calor e a fragilidade de seu corpo contra o meu fizeram o tempo parecer desvanecer. Naquele abraço, havia uma mistura potente de amor, alívio e dor. Eu podia sentir o tremor de sua respiração, a fragilidade que deixava evidente que algo muito maior do que um simples afastamento nos separara.
— Ah, minha Asa! — ela exclamou, sua voz embargada. — Você está acordada! Eu pensei que nunca mais...
O afeto de sua presença dissolveu parte da confusão que me envolvia, empurrando algumas perguntas para a superfície.
— O que aconteceu? Por que eu estou aqui? O que aconteceu comigo?
A expressão dela mudou, e as lágrimas começaram a escorregar por sua bochecha.
— Você... você estava em um coma, — ela informou, cada palavra carregando um enorme peso. — Depois do acidente de carro. Dois anos, minha querida...
Dois anos. O tempo havia passado como um vaso quebrado, cada fragmento um dia perdido em um abismo que me separava do mundo. Eu amaldiçoei a ausência de lembranças, as lacunas que tornavam tudo ainda mais doloroso.
— Eu não sei... Eu não lembro de nada. — A angústia imediatamente tomou conta, e minha voz saiu mais alta do que pretendia. — Eu só me lembro de... nada. Como se tudo tivesse sido apagado.
Ela segurou minha mão, as dela quentes e reconfortantes, como uma âncora em meio à tempestade que se formava em meu coração.
— Está tudo bem, querida. Estamos juntas agora. E isso é o que importa.
A presença reconfortante da minha mãe foi como um porto seguro em meio à tempestade. Mas à medida que a confusão dissipava, outras perguntas surgiam como ondas implacáveis em minha mente.
— Onde está meu namorado, Max? — Perguntei, minha voz um pouco mais firme agora, mas ainda carregada de apreensão.
A menção de seu nome trouxe um turbilhão de emoções, lembranças de sorrisos e toques suaves. Um amor que agora parecia tão distante quanto uma estrela em uma noite nublada.
A reação da minha mãe foi imediata. Ela parou, uma sombra de incerteza cruzou seu rosto, como se uma lâmina de gelo tivesse cortado o ar entre nós. Seu olhar desviou, caindo diretamente na janela, como se as respostas estivessem ali.
— Mãe? — A palavra saiu arrastada, uma súplica amarga. — Onde ele está? Aconteceu algo?
Foi então que a porta se abriu silenciosamente, e Alma entrou. O ambiente que até então respirava a cura, o renascimento, passou a vibrar com uma tensão palpável. Minha irmã estava diferente — uma nova luz a cercava, mas havia algo inegavelmente diferente. Ela carregava uma barriga saliente, um símbolo de vida que crescia.
