Capítulo 14 De alma lavada e rosto novo
Enquanto Helena estava na cozinha preparando o jantar, Rafael ficou na sala conversando com Carolina.
— Cadê a Cami? — perguntou ele.
Cami, na verdade Camila Lima, era a filha de Carolina — e também a menina mais mimada por Rafael, sem concorrência. Não importava quão decadente tivesse sido no passado, se Camila estivesse em perigo, ele não hesitaria em se atirar no fogo por ela. Mesmo nos piores dias, quando a via, o semblante endurecido derretia num sorriso carinhoso.
Carolina revirou os olhos, mostrando um cansaço evidente. Massageando as têmporas, respondeu:
— Eu estava em viagem de trabalho no exterior. Quando soube que você tinha se metido em encrenca, larguei tudo e voltei correndo. Nem passei em casa ainda!
— Ah, então é por isso... — Rafael fez um gesto de quem entendeu. — Não reconheci o carro lá fora, deve ser alugado no aeroporto, né?
Carolina estendeu o dedo comprido e deu um leve toque na testa dele.
— Olha, você... viver na farra eu já acho péssimo, mas o que você fez com a Isabela? Isso passou de todos os limites! Aposto que agora aprendeu a lição, não é?
Enquanto o repreendia, também se culpava. Pensou que, se não tivesse viajado, talvez Rafael nunca tivesse feito algo assim com Isabela.
— Carolina, não toca nesse assunto... — Rafael esfregou a cabeça, incomodado. Por dentro, xingava o antigo "dono" desse corpo: um sujeito que fez as piores besteiras e, depois de morto, deixou para ele o fardo e a má fama.
Carolina quase levantou a mão para dar um tapa, mas, lembrando que ele tinha acabado de sair do hospital, recuou e apenas lançou um olhar severo.
— Se quer mesmo provar que é homem, vá conquistar a Isabela de forma honesta, faça ela se apaixonar por você! Você tem rosto bonito, dinheiro, boa educação... não precisa de truques baixos. Se você realmente mudar, vai deixar muita mulher suspirando por aí!
A verdade é que Rafael herdara os bons genes de Helena e Marcos. Com seu metro e oitenta, não era "o homem mais bonito do mundo", mas se destacava. Se não fosse pela má fama em Maravia, provavelmente não faltariam mulheres interessantes puxando conversa na rua.
Muitos o chamavam de vagabundo, mas Carolina sabia que não era bem assim. Criado com todos os recursos da família Martins, dominava oito idiomas, formou-se com honra na Universidade de Maravia e ainda tocava piano como poucos.
Tinha tudo para ser um verdadeiro "matador de corações", mas acabou virando o playboy que todos detestavam.
— Fica tranquila. Não vou mais viver como antes — disse Rafael, sério. Ele realmente queria limpar o nome que herdara. Não faria sentido continuar levando a vida do antigo Rafael, e "lavar a alma" seria um bom pretexto para justificar a mudança.
— É sério? — Carolina abriu um sorriso surpreso, mas com um toque de desconfiança. — Não pense que vai me enganar.
— É sério! — ele reafirmou. — Depois do que aconteceu, decidi começar do zero. O Rafael de antes morreu. Você vai conhecer um Rafael totalmente diferente!
E era verdade: o antigo Rafael estava morto. Quem ficaria diante do mundo a partir de agora seria alguém renascido.
Ao ver a expressão convicta dele, Carolina ficou emocionada. Deu um soquinho no peito dele e, com os olhos marejados, murmurou:
— Eu acredito em você! Se realmente se dedicar, não há nada que não possa fazer!
Foram anos esperando que ele amadurecesse. Isabela... obrigada. Talvez, sem você, ele nunca tivesse despertado.
— Aliás, Carolina, por que você não vai trabalhar no Grupo Vértice? Pode ficar com meu cargo de vice-presidente. — Como não pretendia mais correr atrás de Isabela nem frequentar a empresa, achava que manter o cargo soaria incoerente.
— Como é que é? — Carolina arregalou os olhos. — Não acabou de dizer que ia mudar?
— Vou mudar, sim! Mas mudar não significa que eu tenha que ir trabalhar lá. Você sabe que negócios não são a minha praia — respondeu, rindo sem jeito.
— E vai fazer o quê, então? — Ela fechou a cara.
— Não me subestime. Tenho muitas opções, você vai ver. — Ele então emendou: — Mas pensa no que eu disse. Você vive viajando, o Jorge quase nunca para em casa por causa da delegacia... e a Cami fica sem ninguém. Você não quer que ela cresça como eu cresci, quer?
Para convencê-la, usou a si mesmo como exemplo negativo.
De fato, Carolina nunca quis trabalhar na empresa da família para evitar fofocas de que teria entrado por influência. Mas agora, com as viagens constantes para o exterior, passava pouquíssimo tempo com a filha — e as palavras de Rafael mexeram com ela.
— Vou pensar... — respondeu, sem dar certeza.
Enquanto conversavam, Helena já havia terminado dois pratos. Ela e Carolina já tinham jantado; aquilo era especialmente para o filho. Poderia ter mandado os empregados fazerem, mas preferia cozinhar com as próprias mãos — amor de mãe.
— Aí, tia, para um pouco! Quero te contar uma boa notícia! — disse Carolina, puxando-a para perto.
— Boa notícia? O que é? — Helena sorriu, mas logo pareceu ter um estalo, agarrou a sobrinha pelo braço e perguntou, animada: — Não me diga que está grávida de novo!
Rafael quase soltou uma gargalhada. Carolina, corando, lançou-lhe um olhar fulminante e cutucou o peito dele com o cotovelo. Só então se virou para Helena:
— Tia, que imaginação! A notícia é que o seu filho decidiu mudar de vida!
— Sério? — Helena estremeceu de emoção, agarrando a mão dele. — Rafael, você vai mesmo recomeçar?
Ela sempre sonhara com esse momento, mas parecia bom demais para ser verdade.
Vendo o brilho nos olhos da mãe, Rafael pensou no quanto o antigo dono desse corpo era sortudo: mesmo tão problemático, ainda tinha quem o amasse incondicionalmente. Ia responder, mas, de repente, uma sirene soou do lado de fora. Uma viatura entrou no pátio da família Martins.
Helena e Carolina ficaram pálidas.
— A família Costa não tinha liberado você? Será que mudaram de ideia? — Helena agarrou o filho, quase chorando.
— Calma, mãe, não é nada. Vamos lá ver — ele disse, dando um tapinha nas costas dela.
— Filho, você não pode ter mais problemas... — Helena segurou firme a mão dele enquanto saíam.
No pátio, um jovem policial parecia visivelmente desconfortável.
— Sr. Rafael... preciso que o senhor venha até a delegacia — disse ele, com a voz hesitante.
— O que houve, policial? — Helena perguntou, apreensiva.
— Fique tranquila, Sra. Martins. É só para o Sr. Rafael prestar um depoimento formal — apressou-se em esclarecer.
— Depoimento? — Rafael franziu o cenho, intrigado. — Mas eu não fiz nada...
