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3

NICHOLAS

Meu dia não foi nada fácil hoje. Mil e uma reuniões. Meu pai enchendo o saco. Minha mãe enchendo o saco. O pai da Ada enchendo o saco... Deus, esse povo só pode estar querendo me enlouquecer. E ainda por cima tive que recusar o centésimo pedido de entrevista depois que anunciei o meu casamento com a Ada e sinceramente estou me preparando para explodir a qualquer momento. O que tem de tão interessante em um homem se casar com uma mulher? Quase penso em cancelar tudo só pra ter um pouco de paz. Mas desconfio que terminar um relacionamento recebe muito mais assédio do que começar um.

— Deus.

Debruço-me sobre a mesa com a cabeça entre as mãos. Essa será a minha vida? Passar o dia inteiro num escritório fazendo algo que odeio e ir pra casa dormir com uma mulher que eu não amo? Só o pensamento me faz querer fugir. Talvez eu devesse pedir uma medida cautelar, uma liminar, ou qualquer porra jurídica que simplesmente impeça a Ada de ir embora com o meu filho e pronto, eu não precisaria me casar com ela.

Mas suspeito que eu não tenha chance de ganhar uma única ação contra ela. O sigilo dos nossos antigos envolvimentos jurídicos seriam quebrados e, francamente, que juiz cederia qualquer coisa a um cara que agrediu a noiva e a fez sofrer um aborto? Mesmo que não tenha sido intencional, isso é suficiente para ela ganhar qualquer porra contra mim. Então ela simplesmente iria para Londres com o meu filho e eu o veria no máximo duas vezes por ano.

E sem contar que, além de tudo, eu passei o dia inteiro de ontem e hoje pensando no vulto de vermelho que eu vi no dia da inauguração. Eu posso estar enganado, ou estava muito chapado com o êxtase, mas tenho quase certeza de que era a Ellen. Na hora em que eu tirei os lábios dos da Ada, vi uma mulher deixar o salão e por Deus, era muito parecida com a minha Ellen. Inferno, ela não é mais minha. Eu tenho que me lembrar disso.

Mas não poderia ser ela, poderia? O que ela estaria fazendo lá? É verdade que logo em seguida, uma garota da Universidade de Miami se apresentou como sendo da equipe de hipismo, mas a Ellen de jeito nenhum iria a um evento meu. Não depois do que houve conosco. Então provavelmente deve ter sido uma garota bastante parecida com ela. O que não chega a ser nenhuma novidade. Meu cérebro ultimamente tem me pregado peças. Pra mim, todo mundo se parece com ela. Talvez esteja querendo me fazer ver que todas são iguais, ou que para todos ora quem eu olho é ela quem eu vejo.

Porém, a dúvida de ter sido ela ou não, tirou de mim duas noites quase inteiras de sono. Eu me lembro de ter conversado com Steven McKinley há alguns meses quando tive a ideia da fundação. Disse a ele que quando nós inaugurássemos a Fundação Hoffman, a equipe dele seria uma das primeiras beneficiadas. Claro que na época eu fiz isso porque queria que a minha garota tivesse todo o incentivo necessário pra ser uma vitoriosa. Mas não consigo imaginar a Ellen vindo até aqui pra firmar o acordo depois do que aconteceu entre nós. Ela não receberia minha ajuda, ou receberia? E sinceramente, eu não sei se deveria ajudar. Ela me traiu, porra. Por que eu a ajudaria a vencer na vida? Ela deve ter uma vida tão frustrada quanto a que eu estou tendo agora, vendo seus sonhos de felicidade se esvaírem de uma só vez. Ou não?

— Droga de vida.

— Senhor Hoffman?

Uma vozinha calma e doce me chama de volta. Levanto a cabeça, mas não vejo ninguém. Juro que ouvi meu nome sendo chamado. Agora fodeu, estou ficando louco?

— Senhor Hoffman, o senhor tem uma visita.

Oh. O interfone. É a minha nova assistente, a senhorita Hitchcock. Sua voz é tão melodiosa que por um momento pensei que ela estivesse aqui dentro. Aperto o botão no aparelho e limpo a garganta antes de falar duro.

— Se for a imprensa de novo, ou alguém da minha família, ou mesmo a minha noiva, diga que já saí.

Ela não responde por um tempo, pois deve estar provavelmente se perguntando que bicho mordeu o seu chefe. Acho que respondi um pouco brusco demais em contraste com a sua doçura. Ao decorrer do silêncio, acrescento um pouco mais dócil.

— Eu estou muito cansado por hoje, senhorita Hitchcock. Pode fazer o favor de dizer que já terminei?

Ouço sua respiração mais lenta e algo que parece ser o som de um sorriso. Percebo meus próprios lábios se formarem em um sorriso e me levanto para pegar uma bebida pra mim no bar. A senhorita Hitchcock então limpa a garganta e fala toda profissional.

— Não é a imprensa ou sua família, senhor. É uma tal de Molly McAllister.

McAllister? Da família do Mike? Tiro a tampa do conhaque e ponho uma dose dupla. Lembro-me vagamente da irmã dele ter esse nome, mas não me lembro da pessoa em si.

— Posso mandá-la entrar?

Dou um gole na bebida, sentindo a familiar queimação no meu estômago e permito que a mulher entre. Pouco tempo depois a porta se abre e revela uma ruiva de longas pernas, nuas em boa parte a partir da saia, e seios enormes, à mostra no seu obsceno decote.

Imediatamente lembro-me dela. É mesmo a irmã do Mike. Era aquele tipo de garota gostosa que todos os amigos dele queriam pegar. Era muito mais velha do que nós quando estávamos na escola e eu só não parti pra cima porque a lealdade aos amigos era algo superestimada por mim. O tempo fez muito bem a ela e depois de quase dez anos sem vê-la, posso dizer que está ainda mais gostosa do que a última vez que eu a vi.

— Nicholas Hoffman. — ela me dá um grande sorriso — Que prazer vê-lo novamente.

— Terá que me desculpar, senhorita McAllister, mas não lembro de já nos conhecermos.

— Oh, por favor, me chame de Molly.

Ela fica à minha frente e meus olhos imediatamente se abaixam até o seu decote. Caralho.

— Aceita uma bebida, Molly?

Sua língua sai para molhar os seus lábios antes de ela responder.

— Sim, por favor.

Sirvo a ela uma dose e faço um gesto para que ela sente-se na cadeira à frente da minha mesa. Eu sento-me na minha cadeira e observo com prazer o seu cruzar e descruzar de pernas. E que pernas.

— Como eu disse, não me lembro de nos conhecermos pessoalmente.

— Você era calouro quando eu estava indo para Stanford. Frequentávamos círculos diferentes de amizade. Não quer dizer que eu nunca tenha notado você... — ela se inclina um pouco e sussurra — ou o contrário.

Depois sorri de forma maliciosa e eu a acompanho, notando aquela familiar tensão sexual. Com certeza eu a notei antes. Só era leal demais para dar em cima da irmã do meu então melhor amigo. Para a minha felicidade, meu pau agora não depende do meu cérebro. Ele é egoísta e totalmente independente.

— Bom, a que devo o prazer da sua visita?

— Tenho uma proposta a fazer. Se você se interessar, garanto que será bastante lucrativo para nós dois.

Ergo as sobrancelhas em sinal de curiosidade. O que será que ela tem em mente?

— Bom... com certeza eu quero ouvir.

— Você deve saber que eu voltei à Nova Iorque há pouco tempo.

Na verdade eu não sabia. Sequer fazia ideia disso. Ela não é exatamente uma pessoa que me faria pensar em que lugar do mundo ela está. Mas não a corrijo, apenas lhe dou um aceno de encorajamento a continuar.

— Eu acabei de voltar pra casa para assumir o meu lugar de direito na presidência da empresa da minha família.

Franzo minimamente a testa. Até onde eu sei, o Mike é o CEO da Mcorp. Novamente não falo nada. Diante do meu silêncio, ela continua.

— Mas o meu pai não fez aquilo que eu esperava. Ele simplesmente disse que o meu irmão continuará como CEO. Eu serei responsável por uma das diretorias.

— Sinto muito pela sua frustração, Molly. — digo na falta de melhores palavras. Francamente eu não dou a mínima para nada disso.

— Mas se tem uma coisa que o meu pai e o meu irmão não sabem sobre mim é que eu não sou de desistir das coisas que eu quero.

— Imagino que não irá aceitar fácil essa decisão. — jogo, com um sorriso de lado.

Ela beberica a sua dose e sorri muito maliciosa para mim. Uma parte de mim gosta do rumo que isso está tomando.

— Não mesmo. E é exatamente aí que eu espero que você entre.

— Mesmo?

— Você sabe, melhor do que ninguém, aliás, que o Mike não frequentou a universidade.

Balanço a cabeça em concordância. É um dos motivos pelos quais ele me odeia, eu suponho. Segundo ele, a culpa é minha já que sua paralisia facial parcial e sua recente aparência se deram por causa da minha agressão. E admito ser mesmo parcialmente responsável, mas não cem por cento. Ele poderia ter feito faculdade depois de melhorar. Ele não fez e me culpa integralmente por isso.

— Eu, por outro lado, fiz graduação, MBA, doutorado e pós-doutorado em quatro das melhores universidades do país. Mas meu querido papai resolveu deixar o Mike na presidência pelo simples fato de ele ter um pau entre as pernas.

Solto uma longa gargalhada. Que boquinha suja, senhorita Molly.

— Entendo o seu ponto, mas ainda não entendi o que você quer de mim.

— Com todo seu poder, dinheiro e influência, eu imagino que possa me ajudar a ganhar o controle da minha empresa.

Sua ênfase no pronome "minha" não me escapa. Ela sente-se proprietária daquela joça. Recosto-me na minha cadeira, bebendo devagar a minha bebida antes de perguntar.

— Como?

— Você pode atrapalhar negócios em andamento ou investir nos mesmos negócios em que a Mcorp investe, sabe. Algo assim. Tenho certeza que um homem na sua posição pode muito facilmente destruir uma empresa menor que a sua se quiser.

Termino a bebida e coloco o copo em cima da mesa, franzindo a testa. Eu não posso estar entendendo direito.

— Deixe-me ver se eu entendi. Você está pedindo para eu, sem motivo aparente, destruir a empresa da sua família? Conseguindo provavelmente com isso, uma grande hostilidade entre nossas empresas e ter mais um motivo para briga entre as nossas famílias?

— Não é sem motivo aparente. — ela responde apenas. Ignora, no entanto, todo resto da minha sentença. — Eu irei presidir aquele lugar mais cedo ou mais tarde, só quero agilizar as coisas.

— É muita autoconfiança.

— Eu sei do que sou capaz assim como sei do que o meu irmão é capaz.

— Eu diria que a empresa está indo bem nas mãos dele. — digo quase me chutando por indiretamente fazer um elogio àquele imbecil.

— Por enquanto.

— Se você está tão segura assim da incapacidade dele em progredir com a empresa e a sua posse iminente, por que então precisa de mim pra fazer esse tipo de jogo sujo?

— Com a sua ajuda, eu não preciso esperar anos para isso. O Mike tem muitas outras prioridades na vida e vai levar a empresa à falência mais cedo ou mais tarde por causa dessas prioridades. E talvez até mesmo de uma forma não reparável. Entende onde eu estou querendo chegar?

— Me ilumine.

— Assumir a presidência após o meu irmão foder com tudo, não é algo bom para mim. Eu tenho que saber que os danos são reversíveis. Para quê eu quero chefiar uma empresa fodida? Mas com a sua ajuda, eu posso controlar o nível de danos. Quando o meu pai vir que o Mike não passa de um idiota, ele me nomeia, você e sua empresa nos deixam em paz e eu recupero tudo porque vou saber exatamente onde e como foram feitos os estragos.

Enquanto ela tagarela sem parar, eu fico imaginando o tipo de artimanha que esta mulher está disposta a fazer por um cargo de importância na empresa de sua família enquanto eu facilmente deixaria a presidência da minha empresa para qualquer pessoa se eu tivesse escolha.

Ah, seria um sonho se eu pudesse deixar tudo isso aqui e voltasse a fazer aquilo que eu nasci pra fazer. Eu daria tudo para ter um pouco de felicidade na vida. Pelo menos no âmbito profissional, já que no âmbito pessoal, as coisas estão indo de mal à pior.

—... afinal de contas ele é homem, não é? — ela conclui com um grande sorriso e eu pisco de volta para o que é real — Vai fazer cagada mais cedo ou mais tarde.

— Vou tentar não me ofender com a sua afirmação. — digo em um meio sorriso.

— Não quis mesmo ofendê-lo. Você é autoconfiante demais pra se ofender tão facilmente.

— Parece que você tem tudo muito bem esquematizado, mas não posso deixar de te perguntar: o que eu ganharia com isso?

— Além do prazer de ver o seu rival na sarjeta? Você terá outros benefícios, é claro.

— Que tipo de benefícios?

— Eu estive observando o meu irmão recentemente e posso dizer que o interesse que ele tem em você é muito grande. Uma das prioridades dele das quais eu falei, é ver você na pior. Ele é obcecado em tirar tudo de você.

Disso eu não duvido. Mas... boa sorte pra ele.

— Ele tem alguns negócios... que envolvem bastante você e a sua empresa. Imagino que você iria gostar de saber de qualquer artimanha dele que possa vir a te prejudicar.

Sorrio com deboche. Interessante saber o que o idiota do irmão quer me foder, mas achei que ela teria algum argumento melhor do que espionagem e traição.

— Eu não tenho medo do seu irmão. Você mesma disse, minha empresa é muito maior que a da sua família. Que tipo de perigo eu corro?

Ela parece se irritar um pouco, se empertigando e me encarando com certo fogo nos olhos. Para o meu completo horror sinto o meu pau endurecer um pouco por causa da sua postura de indignação.

— Sempre o considerei muito esperto, Nicholas. Sei que não cometeria o erro de subestimar alguém. Ainda mais alguém como o meu irmão. Eu pensei que com o histórico de vocês, seria o seu sonho vê-lo cair de uma vez por todas.

Sua insinuação tão direta e concisa, assim como sua mudança de postura de sedutora para ameaçadora, me fazem pensar um pouco. O Mike me odeia de verdade e eu mesmo já pensei em mil e uma maneiras diferentes de como ele pode querer me prejudicar. Não é que eu o tenha subestimado, mas preferi acreditar que ele não poderia jamais me atingir. Ele não podia antes, por que poderia agora?

Porém, em uma coisa ela tem alguma razão. Eu realmente gostaria de ver o Mike na pior. Já recebi alfinetadas suficientes por parte dele depois que assumi o controle da HHE. Ele está mesmo tentando me tirar do sério desde que voltei à Nova Iorque. Levanto-me devagar e dou a volta na mesa. Sento na beirada apenas com uma das pernas e a encaro com um olhar penetrante.

— Digamos que eu aceite, que tipo de informações você poderia ter para mim?

— Todas que você quisesse. Eu tenho acesso a tudo o que o Mike faz. Ele confia em mim. Eu posso saber de tudo o que ele trama contra você e te manter informado, pra você tomar suas providências.

A avalio com desconfiança. O que o Mike poderia estar fazendo contra mim? Devo aceitar tal acordo? Talvez eu deva, pensando bem. Pode ser produtivo. E com todos os negócios em andamento que eu tenho na empresa, não posso mesmo me dar ao luxo de ter um inimigo tão íntimo. Um erro, um deslize, poderia ser fatal. Depois a morte do meu avô, nossas ações caíram muito e é claro que o meu desaparecimento por mais de três meses também ajudou. Não posso vacilar mais. É mais do que óbvio que a única coisa com o que o meu pai se importa é a sua candidatura a prefeito de Nova Iorque.

— Talvez isso possa fazer você se inclinar a aceitar o acordo.

Ela tira um papel dobrado da sua bolsa, se levanta e o estende para mim. Olho com a sobrancelha erguida pra ela e pego o papel. Desdobro e começo a ler. Claramente se trata de um diálogo grampeado de celular.

212-555-3825; abril 23, 2015; 14h:32m:54s

"Tenho certeza que você pode fazer alguma coisa, Roger. Por que ele ainda não saiu?"

212-555-3145; abril 23, 2015; 14h:33m:06s

"Não sei, chefia. Ele não apareceu por aqui ainda. Estou esperando com a câmera na mão."

212-555-3825; abril 23, 2015; 14h:33m:12s

"Eu quero as fotos. O Hoyt vai querer ver com que tipo de sócio ele está se envolvendo."

212-555-3145; abril 23, 2015; 14h:33m:28s

"Certo, chefia. Vou ficar na encolha, se ele aparecer eu dou o flagrante."

Esmago o papel antes de terminar de ler, sentindo uma raiva crescer dentro de mim. Em abril eu estava em Amsterdã com o Jeff, em um clube inferninho que ele conhece. Porém, eu tenho tido muito cuidado quanto aos lugares que eu andei visitando. Sempre lugares discretos, secretos e exclusivos. Em três meses, houve apenas uma menção sobre uma possível bebedeira em Ibiza.

Mas o fato é que ele mandou alguém me espionar pra ter com o que barganhar ou me envergonhar diante do Hoyt. Com sua criação conservadora, a moral e a decência é algo que ele preza muito. Basta uma foto minha em algum lugar comprometedor e o nosso negócio da torre solar de Manhattan pode ir pra o espaço. O que seria uma coisa tremendamente terrível para a HHE.

Jogo o papel em cima da minha mesa e sorrio para Molly, me recuperando momentaneamente do meu acesso de raiva. Tê-la do meu lado pode ser proveitoso para mim. Saber o que o Mike está tramando pode me ajudar a não me meter em encrencas com os meus sócios e todo o pessoal da diretoria. Além do mais, posso tentar algo a mais com ela. Seria ótimo ver a cara dele quando eu dissesse que comi a sua irmã. Afinal, que tipo de cara gosta de saber que sua irmã está senso fodida pelo seu maior rival? Talvez isso lhe ensine uma lição de que não deve se meter comigo.

— Conte comigo para o que precisar, Molly. — estendo a mão pra ela.

— Então isso é um sim para o nosso acordo? — ela apenas olha para a minha mão, não a apertando.

— Acho que pode ser um bom acordo.

— Com certeza. E acho que a nossa... uhm... parceria pode ser ainda muito mais prazerosa do que você pode imaginar. — ela sugere. Bingo!

— Do que estamos falando? — dou uma de bobo.

Ela se aproxima, lambe os lábios de forma provocante e beija o canto da minha boca. Ela tem sabor de álcool e menta. Meus pelos se eriçam na mesma hora e eu envolvo os braços na sua cintura. Sinto seus dentes no meu queixo na hora em que sua mão desce pelo meu peito e pára acima da minha braguilha.

— Hmm. — fecho os olhos — Eu acho que vou gostar dessa parceria.

— Eu tenho certeza que sim. — ela abre o meu cinto.

De noite, me largo na cama com um grande pacote de comida tailandesa e várias pastas com formulários da Fundação Hoffman sobre as pernas para analisar. Leio quase tudo, faço anotações e guardo logo em seguida, deixando o resto para analisar amanhã. Tive um dia cheio e agora tudo o que eu quero é dormir.

Até agora eu já vi os históricos de atletas, artistas e músicos de vários lugares do país. Todos esperando por uma vaga no folhetim de incentivo da Fundação. Estamos sendo bastante procurados sobre o nosso apoio às artes, à musica e ao esporte e toda essa atenção da mídia está fazendo milagres às nossas ações. O técnico de TI da HHE disse que o percentual de acessos do site da empresa duplicou nos últimos dois dias desde que foi aberto o blog exclusivo da Fundação no nosso domínio.

Mesmo ainda tendo que fazer várias ligações hoje, – inclusive para Steven McKinley da Universidade de Miami, cuja equipe de hipismo tem um formulário preenchido com os nomes de todos os membros e suas várias conquistas – eu deixo tudo em cima da mesinha de cabeceira e me preparo pra dar um cochilo. Não posso estar tão exausto quando for falar com pessoas importantes com quem eu tratarei de negócios. Tenho que descansar um pouco.

Acordo assustado com um grande estrondo vindo de algum lugar do meu apartamento. Eu não consigo discernir de onde, mas me levanto às pressas para verificar. Visto uma calça de pijama e saio à procura da fonte de barulho. Logo a encontro na cozinha. Uma fonte de barulho loira e vestida de forma sexy. Me encosto no batente da porta da cozinha e a observo enquanto ela toma posse da minha cozinha como se fosse a dona da porra toda.

— O que está fazendo aqui, Ada?

Minha voz sai estranhamente calma. Ela se assusta e dá um pulo com uma panela na mão. Uma garrafa de vinho está quebrada no chão perto dos seus pés descalços e um sorriso sobe ao seu rosto quando ela me vê.

— Oi Nick. Me desculpe por isso. Eu estava tentando cozinhar alguma coisa para quando você acordasse.

Fico em silêncio e de repente, uma imagem de seis anos atrás volta com tudo. Depois de um longo tempo, entro na cozinha com a cara fechada. Esse momento é tão familiar que me causa certa náusea.

— Como entrou? Não me lembro de ter dado ordem. — em contradição à agora a pouco, minha voz sai mais fria dessa vez. Seu sorriso murcha.

— Eu... bem, felizmente o seu porteiro lê os jornais.

Claro. Nós fomos capa do caderno C do New York Times nos últimos dois dias seguidos. Todo mundo no país já sabe sobre eu e ela, sem dúvida. O que me faz pensar, o quanto a Ellen sabe. Se era mesmo ela no dia da inauguração da Fundação Hoffman, então ela soube em primeira mão, mas se não era, talvez haja uma chance de ela ainda não ter ficado sabendo.

De repente, me vejo fechando os olhos e apertando os punhos tão forte que meus dedos doem. Por que diabos eu me importo se ela sabe ou não? Eu não devo nenhuma porra de explicação a ela. Abro os olhos a tempo de ver os olhos da Ada subirem do meu corpo para o meu rosto em apreciação. Eu chamo sua atenção com um pigarro e ela volta a olhar apenas o meu rosto.

— Você ser minha noiva não te dá o direito de invadir a minha casa. — eu paro bem na sua frente e acrescento baixinho e sem emoção — Nem te dá o direito de agir como se morasse aqui. Ainda não casamos.

— Eu pensei que...

— Não pense, Ada. — a corto — Eu entrei no seu jogo. Me comprometi a casar com você, mas foi só por causa desse filho. Não é você quem eu quero, é ele. Então nem por um momento ache que poderá agir como se fôssemos algo mais. Farei a encenação de noivo perfeito e marido perfeito na frente de todos, mas no nosso íntimo, você não terá nada de mim. Você não é nada pra mim.

Ela engole visivelmente e balança a cabeça de leve, concordando. Não fala nada, apenas se afasta e por um momento, sinto uma pontada no peito. Um pensamento se passa na minha mente e deixa um gosto amargo na minha boca. Nosso casamento será exatamente igual ao dos meus pais. Eles estão juntos apenas pelos interesses em comum e para manter as aparências. Eu uma vez prometi a mim mesmo que nunca me transformaria nele e olhe para mim agora. Carma é mesmo um saco.

Engulo em seco enquanto ela limpa sua bagunça e saio da cozinha. Volto ao meu quarto, pego o formulário da equipe de hipismo da Universidade de Miami e ligo para o Steven. Em poucos toques, ele atende e, após um pouco de conversa informal, eu lhe pergunto sobre sua equipe. Preciso saber se a Ellen veio aqui e se era ela no evento de inauguração. De repente com a Ada ali, com aquele semblante de mágoa, me deu uma vontade esmagadora de saber sobre a Ellen e seus sentimentos. Pensando bem, apesar de tudo que aconteceu entre nós, ela merece saber por mim que eu irei me casar e não por jornais e tabloides. Talvez não seja tarde.

Steven diz que enviou ao evento suas duas melhores competidoras e que ficou feliz com tudo o que elas lhe contaram. Não posso perguntar a ele o nome das garotas, pois seria falta de ética, além do mais, ele pode interpretar mal os motivos pelos quais eu estou interessado. Mas me permito acreditar que era mesmo a Ellen, já que sem dúvida ela é a melhor competidora que ele tem.

E se eu estiver certo, como acho que estou, ela merece ao menos saber que não estou exatamente satisfeito com essa situação e por que eu estou indo ao altar. O que ela deve estar pensando? Que sou um cretino tão grande que apenas três meses após o nosso término eu já estou indo me casar com outra. E logo com a Ada. Minha mente diz que eu não deveria me importar, que eu deveria manter distância dela, mas meu maldito coração não deixa esquecê-la ou mesmo parar de me importar.

Digo ao Steven que eu levarei os papéis do contrato pessoalmente ainda essa semana para que ele e os principais membros da equipe dele assinem. Porém, quando ele me pergunta sobre os critérios que eu usei para escolher sua equipe à frente das outras como eu lhe disse ano passado, ainda mais considerando que recebi pedidos de patrocínio de outras equipes de hipismo com mais chances de títulos por causa de seus cavaleiros experientes, eu minto e digo que não estou atrás apenas de títulos e sim de ver resultados sendo alcançados com garra e coragem.

Não que isso não seja verdade, mas se eu realmente tivesse que escolher de forma imparcial quem ajudar, a equipe de hipismo da Universidade de Miami não estaria entre os meus primeiros da lista. Mas como eu não escolheria a equipe que ela faz parte, se ano passado foi exatamente por isso que eu quis criar essa Fundação? Como poderia dar as costas à equipe só porque as coisas entre ela e eu não saiu do jeito que eu esperava? É verdade que nos últimos tempos eu me tornei um grande cretino filho da puta, mas não poderia ser tão filho da puta com ela. Mesmo ela tendo feito o que fez comigo.

Quando desligo a ligação dele, ligo ainda para outras equipes de outros esportes. Amanhã cuidarei dos outros pedidos de músicos e artistas. Volto à cozinha para falar com a Ada e esclarecer alguns pontos com ela sobre suas "visitas" ao meu apartamento e me assusto ao vê-la encostada à geladeira com a cabeça entre os braços estendidos e os joelhos curvados.

— Ada? Ada, você está bem?

— Estou. Foi apenas um pequeno enjoo. — ela responde com a voz firme, mas sem convencer muito.

— Não parece ter sido só um pequeno enjoo. — me aproximo dela e coloco uma mão nas suas costas — Por que você não se senta um pouco?

Conduzo Ada até uma das cadeiras na mesa de jantar e pego rapidamente um copo de água. Ela bebe devagar e com a respiração rápida, me fazendo temer um pouco a sua condição. Ela está pálida. E nos últimos goles, ela inclina a cabeça pra frente e vomita a água que bebeu. Não tem nada mais na aparência do vômito além da água e uma ira me sobe de repente. Ela não está se alimentando direito. Ela está grávida, porra.

— Quando você comeu, Ada?

— Eu... eu almocei com a sua mãe ao meio dia.

— E o que mais você comeu de lá pra cá?

— Nada. Eu não estava com fome.

— Porra, Ada. — eu esbravejo — Você está grávida, porra. Já faz mais de seis horas que você comeu.

— Eu sei... é que...

Ela não termina de falar. Seu corpo todo se encolhe e quase posso sentir o arrepio que a percorre em meu próprio corpo.

— Eu vou levar você ao médico.

— Não é necessário.

— O cacete que não. Venha.

Visto apenas uma camiseta e desço os vinte andares do prédio com ela nos braços, já que suas pernas estão fracas o bastante para se manter de pé no elevador. Chegamos ao hospital em poucos minutos e após o seu médico avaliá-la e mandá-la para a sala de ultrassonografia, ele me diz que foi apenas sua pressão que subiu bastante.

— Não parece ter sido apenas um pico de pressão, Dr. Grant. Ela ficou pálida, vomitou...

— Talvez devamos nos preocupar um pouco com um episódio de pré-eclâmpsia.

Porra. Eu não mereço isso. Deus, essa merda de carma ruim nunca vai acabar? Eclampsia? Droga!

— Precisarei fazer alguns exames para ter certeza absoluta, mas o que eu posso dizer de forma preliminar é que ela não deve passar por nenhum estresse. As condições da sua mulher não são as mais favoráveis devido à fraqueza dos órgãos reprodutores dela, como eu já lhe disse quando foi confirmada a gravidez.

— É, eu lembro.

— Ela precisa de repouso e sossego, mas principalmente de cuidado. Ela tem que ficar sob observação o tempo todo. Já era uma gravidez de risco antes da suspeita de eclampsia, se isso for mesmo confirmado, será ainda mais.

Concordo de cabeça baixa.

— Eu vou cuidar dela. Obrigado, Dr. Grant.

— Eu quero vê-la regularmente. Traga a sua mulher daqui a duas semanas.

Ao voltar pra casa, com as malas da Ada e ela própria a tiracolo, o peso do dia cai sobre meus ombros de forma drástica. Em meus pensamentos, ela viria morar comigo daqui a pelo menos dois meses quando nós já estivéssemos casados. Não queria que fosse agora. Queria ter ainda um pouco de paz antes de me amarrar a ela. Mas não será possível. Eu tenho que cuidar dela. Se algo lhe acontecer ou ao bebê por negligência minha, dessa vez eu não poderei me perdoar.

Deitados lado a lado na cama, olho o teto por tempo suficiente para saber mesmo até quantos quilos de gesso foram usados para a sua construção. Ao meu lado, Ada está quieta, mas por experiência, eu sei que não está dormindo. O ritmo da sua respiração ao dormir é diferente da que ela mantém agora.

— Ada...?

Solto uma longa respiração. Ela se move e se vira pra mim. Eu continuo na mesma posição, de costas no colchão encarando o teto do quarto.

— Sim?

— Eu... eu vou cuidar de você, mas eu quero que entenda uma coisa.

— Hunrum.

— Eu não te amo. Por favor, não espere que eu... volte a amar.

— Você já me disse isso hoje, Nick. Não precisa ficar passando na cara.

— Eu sei, eu... mas eu fui grosso. Eu não precisava ter falado daquele jeito, desculpe. É só que... por favor, não tente usar essa criança para tentar me fazer amá-la novamente. Não vai acontecer e só vai te causar dor e estresse. E a mim, culpa.

— No meu íntimo, eu sempre vou esperar que você volte a me amar um dia. Mas não se preocupe. Não vou pressionar você ou te constranger ou tentar te manipular. Se um dia você voltar a me amar, será por escolha própria e porque você realmente quer ou não pôde evitar.

— Eu amarei essa criança. Deus, eu já a amo. Espero que isso seja suficiente pra você.

— É sim.

Ela puxa o lençol até o queixo e se vira de costas para mim. Eu fecho os olhos com força, rezando para isso ser verdade. Não quero que nós dois tenhamos um casamento marcado por brigas, com ela cobrando-me afeto. Também não quero que meu filho, no futuro, me acuse de ser rude com a sua mãe como eu fiz tantas vezes com o meu pai. Talvez, se eu der sorte, nós possamos ser pelo menos amigos enquanto estivermos casados.

— A propósito, — vejo quando ela estica a mão para pegar a sua carteira que está na mesinha ao seu lado e tira um papel — uma das enfermeiras fez um ultrassom enquanto você falava com o Dr. Grant.

Fico todo ouvidos. Será se algo de ruim foi detectado em meu filho?

— É uma menina. — ela me entrega o papel e se vira novamente, ajeitando-se na cama.

Uma imagem em 3D de alta resolução aparece quando desdobro o papel. A imagem de um pequenino preenche os meus olhos. Ou melhor, de uma pequenina. Sinto minhas bochechas doendo e percebo que é porque o sorriso que estou segurando, está indo de uma ponta à outra do meu rosto. Minha pequena filhinha. De repente, há um novo amor em minha vida e esse eu sei que nunca irá me fazer sofrer.

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