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Um

Ao seguir com esse livro você deixará suas

esperanças e alegrias para trás.

Tem certeza do que fará?

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As pessoas acreditam mesmo nas babaquices que inventam, não é? Eu me lembro de ouvir histórias de amor quando criança, onde os rapazes se aventuravam pelo mundo e conheciam belas donzelas. Eles eram perfeitos um para o outro e lutavam pelo amor que sempre vencia no fim. Os dois obviamente acabavam juntos, independente do que acontecesse e eram felizes para sempre. Enquanto isso, aquele que lhes fez mal; o vilão, pagava por todos os erros e a gente nem ao menos sabia qual era o verdadeiro erro dele. Por vezes seus argumentos sobre ser o vilão eram até plausíveis e isso me parecia injusto.

Até que uma vez me disseram que o herói só é herói por ter a história contada pelo seu ponto de vista.

Então, se eu te contar o meu, eu serei o herói?

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O primeiro saque da sua vida você jamais esquecerá. Pode ser uma bala de coco pega da sacola de pano dos seus pais que você não tinha permissão de pegar, ou uma joia de uma donzela distraída na rua. Do menor ao mais exagerado roubo, ele acabará corroendo seus pensamentos pelo resto de seus dias.

Eu me lembro perfeitamente do dia em que eu corria pelas ruas de Olom com uma adaga em uma mão e um punhado de ouro na outra. Ouro que eu peguei preso à bainha de um dos guardas durante sua patrulha pelas ruas da pequena cidade. Eu não era uma criança delinquente, mas estava com fome, meu pai havia sido morto em um ataque pirata e minha madrasta me expulsou de sua casa junto de Hugo, que naquela época tinha apenas dois anos. Então eu precisava me alimentar e proteger meu irmão do mundo para não precisar lutar contra os cães de rua por um pedaço de pão, e precisava alimentar meu irmão de alguma forma também.

Uma criança pequena como eu conseguia se esgueirar facilmente pelas ruas em meio à multidão e quando todos passaram a me maltratar devido à aparência moribunda, era hora de apelar ao desespero.

Não era difícil puxar um saco de ouro da cintura de alguém e não foi difícil roubá-lo daquele guarda, mas correr dele parecia que duraria uma eternidade. Por mais que eu soubesse e tivesse praticidade para me esquivar dos obstáculos, ele só precisava gritar algo para as pessoas saírem de sua frente e entrarem na minha. Não havia tantas opções que me ajudariam a despistar aquele homem enorme, então pensei em copiar os passos dos ratos ao roubarem algo. Era a única maneira de sumir com sucesso dos olhos de qualquer um e aquilo seria a coisa mais nojenta que eu faria em doze anos de vida.

Encolhi meus braços o máximo que consegui e escorreguei rumo ao buraco que levaria até os canos de dejetos embaixo das ruas. Soltei um grito agudo com a dor que me percorreu quando o chão de pedra rasgou uma parte da pele do meu ombro esquerdo. Meu corpo foi em direção ao acúmulo de dejetos embaixo da cidade e, antes que toda minha cabeça estivesse submersa naquela água imunda, respirei uma boa quantidade de ar. Deixei-me ser engolida pela podridão em seguida, então o rio sujo carregou meu corpo para longe.

“Aquela garota não fazia a menor ideia de que dali em diante aquele mesmo processo de roubo e fuga se repetiria muitas e muitas vezes para que ela se alimentasse e cuidasse de seu irmão. Ela não imaginava que seu pequeno roubo lhe iniciaria em sua vida de procurada pelas autoridades e não sabia principalmente que se tornaria bucaneira. Mas acredito que se ela soubesse, ainda teria feito de errado tudo que poderia. Porque depois de um tempo, enquanto os anos se passavam, ela começou a amar aquilo.”

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— Capitã! — bradou o marujo, batendo seus pés pelo convés até o leme onde eu estava estirada no chão com uma garrafa de rum em uma mão e a outra perdida em algum lugar do vestido rosado jogado em cima de meu corpo. Meus cabelos cobriam meus olhos e o cheiro de água do mar invadia minhas narinas, maltratando meus pulmões sem dó. — Capitã!

Outra vez ele gritou durante sua corrida ruidosa pelo chão de madeira. O barulho de suas botas chegava em minha cabeça como se ele estivesse dançando ali dentro com um tambor nas mãos para me tirar o controle.

— Ca pi…

— Smith! — vociferei, fazendo-o se calar e travar no último degrau. — Se continuar gritando em minha cabeça, eu juro que procuro o maior tubarão do mar para te oferecer de aperitivo!

— Capitã, acabamos de receber um comunicado.

O homem magro de um metro e meio se aproximou com cautela, notando que eu encontrara minha mão perdida que, agora, segurava meu punhal de estimação com firmeza. O cheiro de bacalhau chegou até mim com sua aproximação, nada de anormal, já que todos os trabalhadores daquele navio exalavam o mesmo odor todos os dias. Já não era mais tão desagradável assim.

— Digo — seguiu ele —, o imperador soltou um comunicado pelos reinos e é algo para os piratas.

Aquela criatura deveria estar completamente bêbada ainda, porque, se eu bem me lembrava, fazia poucos dias que o imperador havia sido envenenado. Sentei no chão, colocando meus cachos para trás, o que não resolveu tanto, pois os ventos do mar os deixavam ainda mais armados e secos do que já eram e logo alguns fios voltaram a invadir minha visão. Algo que fora até bom, pois o brilho forte do sol quase me cegou.

— Quantas garrafas de rum tu tomou? — perguntei ao conseguir olhar fixamente para o homem. Notei, então, que ele estava dividido em dois. Não me recordava de ter dois Smiths naquele navio. — Gêmeos…?

— Como assim, capitã?

— Se bem me lembro, faz dias que o senhor e mestre do império virou comida de minhoca — disse com certa ironia.

— Capitã, o imperador faleceu há quase seis meses e seu filho assumiu no dia seguinte.

Pensei um pouco naquela revelação. Eu não poderia ter dormido tanto tempo assim para não ter vivenciado aquilo. Olhei em direção à garrafa vazia de vidro em minha mão e tratei de trabalhar a mente para me lembrar dos eventos ocorridos durante aqueles dias. Depois de um longo tempo encaixando as histórias nos seus devidos lugares, tornei a olhar meu marujo, apertando os olhos para diminuir o estrago do sol em meus orbes.

— Quantas garrafas eu tomei, então? — perguntei no fim das contas, pois deveria ter sido uma quantidade exorbitante para apagar minha mente daquela forma.

Smith apontou para minhas costas, onde um amontoado de vidros iguais àquele que estava em meus dedos se encontravam, e a quantidade era maior do que eu poderia contar.

— A festa foi boa — concluí, bocejando em seguida. Ainda sentia meu corpo dormente, a dor de cabeça parecia ter o tamanho de um monstro marinho e o amargo do álcool já começava a incomodar minha garganta. Eu precisava beber mais para tirar aquela sensação horrível de mim.

Senti um peso pressionar minhas pernas, impedindo-me de sair do chão. Olhei então o vestido em meu colo e apalpei o tecido caro. Em algum lugar daquela peça, senti o calor de um corpo. Pisquei algumas vezes para entender o que era aquilo e tornei a apalpar. Foi quando uma jovem saltou assustada do amontoado de panos. Um pequeno grito escapou de seus lábios ao se deparar com Smith parado próximo de nós. Isso a fez levantar-se correndo para pegar suas peças pelo caminho e fugir dali antes que fosse vista por mais pessoas. Era costume das damas correrem por certas questões que pudessem constrangê-las e, obviamente, dormir com uma pirata fazia parte dessas situações.

Abri meus braços, perdida, e apontei na direção da fugitiva, questionando com os olhos o homem à minha frente, ele apenas deu de ombros.

— Sabe o nome dela pelo menos? — Ele perguntou e foi minha vez de dar de ombros. Mas novamente coloquei minha mente para trabalhar durante o coçar de minha cabeça.

— Anastácia… talvez.

— Pelo tecido caro é a filha de algum banqueiro.

Continuei tentando lembrar o nome da jovem enquanto me erguia do chão para abotoar a camisa e dar início àquele dia.

— Sophie…? — falei olhando na direção em que ela havia ido. Smith me passou meu espartilho, encontrado próximo das escadas, e pude completar minha veste.

— Sobre o comunicado, capitã — ele puxou o papel que deveria ter pego no porto enquanto eu buscava com os olhos uma garrafa de rum cheia. — O novo imperador…

— Acho que era Stella! — bradei, contente por finalmente lembrar do nome da garota e o marujo bateu a mão na testa de maneira impaciente. — Tudo bem, tudo bem. Leia o comunicado daquela criança.

Meus olhos foram de garrafa em garrafa atrás de um mísero gole de rum. Smith aquecia a garganta, apertando seus olhos para poder ler. Encontrei uma das garrafas com o que pareciam ser três goles da bebida forte e comemorei, sorvendo pequenas quantidades para aproveitar ao máximo.

— ‘‘A Corte dos Lordes vem comunicar que, a partir de hoje, todo e qualquer ato de pirataria perpetrado ao longo do continente Ping será severamente punido pelas autoridades competentes. Aqueles que estiverem dispostos a se render em troca de perdão devem se apresentar ao novo senhor e mestre do império, Tadaki Kiu Amino, antes que esse decreto complete 12 meses. Os que não concordarem e seguirem com os atos de pirataria serão caçados e entregues às autoridades do império, guerreiros Buxius, para que paguem por seus crimes e pecados como devem. Com suas vidas. Que os Deuses tenham piedade de suas almas’’.

— Aquele pirralho! — gritei lançando a garrafa de vidro na direção do homem que havia acabado de ler aquelas palavras. — Tínhamos um acordo com Tzuki!

O antigo imperador nunca se importou com a pirataria e nunca deu ouvidos aos homens da Corte dos Lordes. Para ele era até vantajoso ter alguns gatunos lhe ajudando a manter o poder. Então, sempre que um reino recusava uma aliança, ele nos enviava para atacar e saquear o lugar. Seus guerreiros iam em seguida nos impedir e assim o imperador tinha seus aliados por puro medo. Em troca nós poderíamos perambular pelos mares e, caso fôssemos pegos por qualquer autoridade, logo o imperador dava seu jeito de fazer o pirata sumir da prisão sem que ninguém soubesse. Tínhamos a Ilha das Sereias para esconder nossa bebida, outra cortesia do mestre do império. E o mais importante, ninguém interferia no serviço de ninguém.

— Disseram que Ygor tentou chegar até Okuro para explicar ao novo imperador essa questão, mas antes que pudesse pensar duas vezes já estava preso com a data do enforcamento marcada.

Ygor estava velho. Um dos homens mais antigos da frota de Jones, ele fazia o que bem entendia quando estava longe do capitão, nunca conseguiu ter seu próprio navio e deveria me odiar profundamente depois de perder um lugar importante ao lado de nosso líder por minha causa. Mas eu nunca tive muitas opções, tinha que seguir os passos de Jones como ele havia arquitetado para mim. O capitão me passou todo seu conhecimento, toda sua vida e cada detalhe da pirataria, enquanto Ygor era colocado de lado. A oportunidade de ter um pouco de reconhecimento surgiu em seu caminho com aquele comunicado, porém foi tirada rapidamente pelo novo mestre do império.

— Um imperadorzinho não pode estar tentando dominar meus mares! — disse enfurecida com a audácia do jovem rapaz e o deslize de Ygor. — E um pirata sem inteligência não deveria interceder por nós em terra!

— Capitã… e se Jones descobrir?

Estremeci com a hipótese de meu pai descobrir sobre uma quebra de acordo do imperador. Jones era o maior e mais temido pirata daquelas águas. Havia me adotado após quase ter cortado minhas mãos por eu ter tentado roubar seu navio. Naquela época eu não sabia o real significado da pirataria e muito menos que eles tinham meios de esconder suas enormes embarcações na ilha de Olom. Eu estava faminta, com um bebê chorando tão sedento de fome quanto eu e isso me fez entrar no estranho navio atracado na praia, longe do porto.

Fui pega no mesmo instante pelos gatunos e Jones viu o medo em mim quando pensei na hipótese de morrer sem que ninguém soubesse onde estava Hugo. Meu irmão. Éramos duas crianças indefesas, famintas e prontas para aprenderem qualquer coisa para sobreviver, tudo o que Jones precisava como herdeiros e com isso veio a adoção. Anos depois, Jones já me deixava cuidar das águas de um lado específico do continente Ping e, caso ele descobrisse que esse cuidado estava saindo do controle, poderia intervir no meu negócio e isso não seria bom.

Agitei os pés pela madeira para conter o nervosismo, podendo espantar qualquer sentimento que não se parecesse com o ódio.

— Vamos resolver antes que chegue até ele — conclui após engolir em seco.

— O que a Capitã pretende fazer?

Pensei por um momento. Não estávamos tão longe das grandes ilhas orientais e se aquilo tivesse que ser resolvido rapidamente, eu teria que ver o imperador o quanto antes. Ele querendo ou não.

— Teremos uma audiência com nosso novo mestre do império. Ele entenderá a gravidade da situação que acabou de impor. — Sorri para o pirata em minha frente, que me devolveu um sorriso medonho com seus dentes sujos. — Sabe como convocar nossa reunião, certo? Não falhe igual a Ygor. Vocês são melhores. Precisam ser!

Finalizei minhas ordens, pegando meu chapéu de três pontas do chão para fazer sombra em meu rosto e estalei o pescoço.

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