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O Outro Lado

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Ida Garcia
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452
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9.0
Notas

Resumo

Antes de ler essa história, aconselho que leia o Romance Policial Três lados. Esse livro irá contar a infância dificil de um dos protagonistas do Romance. Caso não tenha interesse em ler Três Lados, não lhe impedirá de entender essa ficção. Essa é uma história urbana da Morro. O outro lado irá contar sobre a Infância até chegar a vida adulta de Anttone, um menino com um QI acima da média, filho de um pai megalomaníaco, narcotraficante do Rio de Janeiro. O pai Tito quer criar o filho para receber herdar seu império escuso, contudo Anttone brigará com todas suas forçar para trilhar o caminho do bem.

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Prólogo - "Uma bala de um revólver nunca mente, mas nem sempre tem razão."

JUNHO DE 1994

Jogos do Brasil no mundial sempre fazem toda a rotina da cidade mudar, as empresas fecham mais cedo, e os trabalhadores vão correndo para casa se juntar a família e poder assistir a partida. Tem aqueles que moram tão longe que arrumam um jeito de assistir o jogo no próprio trabalho, para não correr o risco de perder nada. Esse era o caso da professora Clarice, moradora da baixada fluminense.

A dedicada professora pegava todos os dias duas conduções lotadas para dar aula no Brizolão, uma escola estadual de poucos recursos situada na favela Olho de Boi.

Logo que terminou a partida, a professora saiu da escola em meio a muitos fogos. O Brasil havia vencido a Suécia por 1x0 e estava na final da copa nos EUA.

Com Clarice tinham nove pessoas que assistiram o jogo na escola, quase todas eram moradores da própria favela e ficaram para assistir a partida no Brizolão. A imagem da Tv na escola era bem melhor do que a das casas de alguns moradores. Somente um professor morava longe como Clarice, porém dele, Clarice não queria despojar da companhia.

Alberto era um tanto abusado, mesmo sendo casado, o professor assediava com veemência sua colega de profissão. Por mais que estivesse deserto Clarice preferia ir sozinha do que com o Alberto, por várias vezes ele tentou avançar o sinal com ela, pensava então que era melhor andar só do que mal acompanhada.

Quando descia a favela a professora parecia não sentir medo, era respeitada pelos meninos do tráfico. Já que uma boa parte deles Clarice ensinou a ler. O grande problema foi quando chegou a estrada da Gávea e parou em um ponto de ônibus deserto.

Sozinha ficou à espera da condução para a central de trem do Rio de Janeiro. Passado alguns minutos a professora já não se encontrava tão sozinha, o professor Alberto seguia com seu veículo devagar em direção de Clarice.

[...]

Sua feição era de apreensão beirando ao desespero. Desceu o Dedo de Deus a parte mais alta do morro Olho de boi como uma bala. Correu pelos becos e vielas tão desesperadamente, que desequilibrando-se às vezes batia de um canto ao outro nas paredes desniveladas da favela. No caminho ouvia muitos estouros e desconfiado pensava:

" São fogos por causa do jogo com certeza. São só fogos"

Na verdade, enquanto ele corria ao destino que cada vez parecia mais longe, rogou a Deus que os estouros realmente fossem fogos. Tinha só dez anos de idade, era um garoto ainda. Sabia que estouros na favela nem sempre eram motivos de comemoração.

Cabelo e sua blusa azul do Brasil completamente encharcados. Suor escorria feito chuva no rosto rosado por conta da correria. Esbaforido chegou ao destino que tanto almejava. Quando logrou sua expressão piorou, já não tinha quase ninguém a escola, somente uma servente que estava terminando a limpeza para fechar o Brizolão.

Tirou os óculos embaçados por conta do suor, secando o rosto com a blusa. Expressou na face uma cara de choro. Sentou no meio fio enterrando a cabeça entre as pernas. Levantou exasperado quase ao mesmo tempo que sentou. Voltou a correr descontroladamente de maneira desgovernada. Dessa vez seu destino era saindo da favela em direção a Estrada da Gávea. Saiu tão desesperado que esqueceu seus óculos na calçada da escola. Não enxergava bem sem eles, aliás não enxergava nada.

Olhou para os lados e não viu ninguém. Concentrou seus pequenos olhos castanhos esverdeados no ponto de ônibus. Forçou a visão enrugando a sobrancelhas, até que e percebeu o pior. Percebeu que tinha alguém caído por trás do assento do ponto.

Seu coração disparou de tal forma que parecia que iria sair pela boca, suas pernas trêmulas já não lhe obedecia. Era um menino de choro fácil, antes de ao menos chegar perto e constatar o que de verdade aconteceu ali, já chorava esfregando o rosto com as mãos.

Chegou próximo ao corpo e o pranto o tomou por completo. O corpo já estava sem vida em cima de uma poça de sangue, com um pé descalço e no outro pé seu escarpam preto no qual sempre dava aula. O cabelo comprido tampava o rosto, o menino não teve coragem de descobrir, mas não precisava, ele tinha certeza, aquela era sua adorada professora.

Na blusa amarelo canário do Brasil, um furo da espessura de um dedo masculino, esse furo atravessava também a carne, mas preciso o coração da professora Clarice.

Ao ver sua professora morta e caída com um tiro no chão, o menino começou a sentir na pele, como uma bala pode destruir os nossos sonhos e daquele que amamos.