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Escombros

O dia amanheceu, Mira e Northi já estavam prontos. Precisam percorrer uma boa distância a pé, até chegar ao veículo que os levariam para o novo mundo.

Sairam do quarto e foram lavar as crianças no tanque. Aquela era a única torneira de água para todos, mas pelo menos, havia água. A maioria das tubulações de água foram destruídas e só por isso, conseguiram andar pelos esgotos.

As crianças foram bem escovadas e vestidas com roupas decentes, só uma era menina e recebeu um chapeuzinho de tecido florido para esconder a cabeça e o vestidinho, combinava. Eles não tinham mais que cinco anos. Era nesta idade que levavam as crianças para distribuírem.

Foi uma sorte encontrar aqueles três.

Mira estava tranquila, porque os dominadores daquela área, dormem de dia e dificilmente se via algum dos guardiões, sobrevoando por ali. O sol queima eles, pois são seres noturnos.

Cada uma das crianças recebeu um pacotinho de biscoito e uma garrafinha de suplemento vitamínico, para terem forças para caminharem. Saíram do prédio, sempre olhando a volta e as crianças estavam se divertindo com tudo. Até falaram:

– Ó, ti indo! (Olha que lindo!)

Mira olhou o que o pequeno apontava e era um monte de escombros de um shoping center caído. Realmente, aos olhos de quem não faz ideia de como era, o colorido e os cartazes retorcidos, forma algo diferente e chamativo. Mas para quem entendia o que fora todos aqueles escombros por todos os lados, era o triste retrato da guerra. Destruição e mais destruição.

Continuaram andando, passaram por um engavetamento de carros retorcidos e velhos e seguiram pela rua esburacada, com vários tufos de mato por todo canto. A natureza se refazendo e mudando a aparência sinistra do local.

Quando chegaram ao veículo, um carro quadrado, das forças armadas, blindado e camuflado, já passava da metade do dia. Passaram pela lateral de prédios destruídos e conseguiram pegar a estrada, seguindo em meio ao nada.

A distância entre as duas áreas era um deserto, com montes de terra barrenta e vegetação escassa. Cactos raros, se viam à distância e sarças secas enfeitavam aqui e ali. O céu estava azul claro, mostrando que o ar havia se renovado, depois dos anos que esteve poluído pela poeira dos mísseis e da poeira que as destruições causaram.

Finalmente cruzaram a fronteira e já avistavam o brilho dos altos prédios da nova cidade. As crianças dormiram durante toda a viagem, pois o carro era todo fechado e não tinham com que se distrair.

Quando chegaram ao portão de entrada da cidade, foram parados e precisaram se identificar através de um aparelho leitor de retina.

– Seja bem vinda comandante Atanis - falou a voz eletrônica da máquina que a identificou.

– Bem vindo, sargento Tirél - falou a máquina do outro lado, identificando Northi.

– Comandante Atanis, algo a relatar? – Perguntou a máquina.

– Sim. Resgate positivo, três peças. - Respondeu Mara para registrar as crianças.

– Parabéns comandante, pela missão bem sucedida. Podem passar.

Mira deu mais uma olhada, naquela imensa fortaleza construída pelo seu povo. Uma muralha gigantesca, cercando toda a área reservada aos mixtos, como eram chamados, e era essa muralha que os protegia dos impuros, os moradores da área de onde ela viera.

Seguindo a estrada, entraram na cidade. Prédios, lojas, shopings, jardins, veículos terrestres e aéreos, seria uma festa aos olhos dos pequenos, quando acordassem.

Entraram por um portão, que se abriu para eles automaticamente e chegaram em uma garagem subterrânea. O prédio acima era imenso e, além de moradia, alojava a sede dos militares das forças de resgate e proteção aos seres mixtos.

Assim que Mira estacionou e desligou o motor do carro, as crianças acordaram.

– Bem na hora, heim pequenos? Chegamos. – Falou Mira.

Desceram todos. As crianças sempre olhando em volta. Entraram em um elevador, que os levou ao escritório central. Ela percebeu que as crianças estavam se contorcendo e percebeu que precisavam ir ao banheiro. Assim que saíram do elevador, Northi levou os meninos e Mira levou a menina ao banheiro.

Quando saíram, as crianças estavam rindo atoa, pois tinham visto água sair da torneira e também descer pelo sanitário. Queriam ficar apertando a descarga sem parar. 

Seguiram pelo corredor, passando por portas e chegando à sala de recepção de recuperados. Quando entraram, uma salva de palmas foi ouvida. A equipe de Mira, reunida a parabenizou pela operação bem sucedida.

Outras pessoas, ouvindo o som das palmas em outras salas, também vieram cumprimentá-la. Depois de todos os cumprimentos, eles puderam sentar a frente de uma mesa reservada e começar o registro no computador. O teclado digital aparecia sobre o tampo de vidro da mesa e a tela também era uma projeção virtual.

Com ligeireza, os dedos de Mira tocavam sobre a mesa e os registros apareciam à sua frente. Northi passou um scanner  de dados, sobre nanochips contidos sob a pele das crianças, entre as vértebras dois e três, atrás do pescoço e passou para o computador de Mira.

– BINGO! São eles – gritou Mira, feliz e se virando, abraçou as crianças, com lágrimas nos olhos.

Um homem muito alto, forte, moreno, de cabelos lisos  castanhos e olhos cinzentos, entrou rápido na sala e foi até a mesa de Mira. Vendo-o, ela fechou a cara e puxou mais as crianças para si.

– Você é terrível, comandante! Desobedeceu às minhas ordens e foi buscar esses fedelhos, arriscando toda nossa operação.

– Se o senhor não se importa com eles, eu me importo. São a única família que me restou e jamais os abandonaria se existisse uma chance. – Mira falou enraivecida.

– Pois então, você vai cuidar deles. Fui muito claro com sua irmã sobre não termos filhos e deu no que deu. Agora cuide você, não quero saber deles.

Saiu enraivecido sem nem olhar para os pequenos. Toda a sala estava muda, pois o general era temido por todos, graças a sua falta de empatia com as emoções dos outros. Tudo ele regia com mãos de ferro e isto incluía a família.

Mira olhou para as crianças e disse baixinho, bem perto dos rostinhos deles. 

– Não tenham medo dele, crianças, ele é um bobo. Vocês vão ficar comigo - levantou-se - venham, vamos para casa.

– Pode deixar que fecho tudo aqui - avisou Northi, dando um tchau para as crianças.

Ele foi o único em quem confiou para fazer aquele resgate e ele sentiu-se orgulhoso de ter podido ajudar. Aquelas crianças eram tudo para sua comandante, que passara os últimos anos, rastreando o paradeiro delas.

***

Rubião não conseguia mais ficar na cama. Apesar de ter adotado os costumes de seus pais impuros, não gostava de dormir de dia, ainda mais recordando daquele aroma em suas narinas. Levantou-se e pondo uma roupa simples, saiu pela janela. Foi de volta ao mesmo ponto onde havia encontrado o jovem.

Desceu e puxou o ar. Estava fraco, mas estava ali o aroma. Seguiu andando pela rua, percebendo o rastro que o jovem deixou. Chegou ao local onde o cheiro parava e notou marcas de pneus, na terra que cobria a rua estreita entre as ruínas. Olhou para a direção que ia e não gostou.

Sua desconfiança era grande e ele fez o caminho de volta, chegando ao pátio do prédio e encontrando as roupas das crianças que fugiram. Continuou seguindo o cheiro e encontrou o quarto onde dormiram e cheirando os colchões, viu que tanto o ladrãozinho, como as crianças fugitivas, estiveram ali e ainda tinha outro aroma muito suave, de outra pessoa, no ambiente.

A conclusão foi óbvia: Mixtos invadiram o território dos impuros e resgataram três crianças. Como será que descobriram onde elas estavam e como as tiraram de lá? Voltou ao pátio e olhando tudo ao redor, avistou o bueiro, tirou a tampa e viu que dava para descer e subir por ali. Talvez fosse apertado para ele passar, mas não para um jovem franzino e três crianças pequenas.

Chegara a uma encruzilhada de sua vida. Teria que tomar uma decisão muito importante e dependendo do que decidisse, não poderia deixar rastros. Então ele pegou tudo que foi usado pelos mixtos e pelas crianças e levou para longe e enterrou nos entulhos, o mais fundo que conseguiu cavar com as próprias garras.

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