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Capítulo 3 A provocação de Vivienne

Eram cinco da manhã quando voltei pro meu apartamento.

Eu já estava completamente exausta. Evelyn, minha colega de quarto, provavelmente ainda mergulhada em sono profundo. Terminei de me arrumar e caí na cama, me rendendo ao cansaço.

No labirinto dos meus sonhos nebulosos, me deparei com um lobo. Seus olhos dourados cintilavam, me fixando intensamente. Quando abriu as mandíbulas, uma voz familiar ecoou:

— Seraphina.

Maldição! Era a voz de Kael!

Despertei em sobressalto.

Na manhã seguinte, uma dor latejante na cabeça anunciou as consequências do exagero alcoólico. Embora frequentemente bebesse com clientes no bar, nunca havia cruzado aqueles limites antes.

Apoiei a cabeça entre as mãos, inundada por uma maré de arrependimento.

Toques rápidos na porta. Era Evelyn.

— Seraph! Você voltou? Fiquei desesperada ontem! — A voz carregava uma urgência maternal. — Meus pressentimentos alertaram que algo ruim aconteceu. Se machucou?

Saltando da cama, abri a porta.

— Desculpe, Evelyn. Devia ter te avisado.

— Mas onde esteve?

— Terminei com meu namorado. Fui beber para afogar as mágoas. — Evitei mencionar Kael intencionalmente. Sabia que só traria preocupações extras.

Evelyn era minha maior aliada naquele lugar. Me ajudava igualmente nos estudos e na vida prática. Sentia uma gratidão profunda por ela.

— O quê?! Meu Deus, desde quando você namorava?! — O rosto de Evelyn trazia uma expressão de completo choque.

Previa o interrogatório, mas não havia escapatória.

— Era o Lucian — confessei.

Como membro do Clube Eagles, cada um de seus membros era bem conhecido entre as meninas da nossa escola.

A simples menção desse nome fez Evelyn engasgar. Seus dedos se cravaram em meus ombros.

— Está maluca?! Você diz que namorava o Lucian do Clube Eagles?!

— Ex-namorado. — Acenei afirmativamente.

A lembrança da cena que havia testemunhado naquele dia ainda queimava como ferida aberta.

— Por que me escondeu isso?!

— Ele insistiu no sigilo. Dizia que a exposição atrapalharia meus estudos. Queria esperar até "estar preparado". Prometeu anunciar nosso relacionamento no seu aniversário. — Repeti as palavras dele mecânica-mente. Assim eu mantive aquilo encoberto por seis meses.

Agora, porém, ele estivera com Vivienne. Tudo isso me reduzia a cinzas.

O coração se contraiu novamente em dor surda.

Eu não ia negar que não era de pedra. Seis meses de sentimentos não evaporam num estalar de dedos. Mesmo que naquela hora eu tivesse agi por vingança, foi só um impulso passageiro. Estava começando a me arrepender, para falar a verdade.

Apertei as unhas na palma da mão antes de completar:

— Mas nunca... nunca imaginei que ele fosse cair na cama com a Vivienne. Evelyn, eu vi eles! Com aquela... aquela parte dele enfiada nela! Desculpe a vulgaridade. Não sou exatamente uma mocinha direita da igreja.

— Pobre Seraph. Nem imaginava que você tava segurando essa barra sozinha. — Para minha surpresa, em vez de rancor, os olhos de Evelyn transbordavam compaixão. Ela fechou a distância entre nós num abraço apertado. — Relaxa, amiga. Primeiro relacionamento é assim mesmo. Homens daquele clube de playboys? Aqueles caras são uns cachorros tão safados que até numa tora de madeira eles dariam um jeito!

O comentário absurdo me arrancou uma risada entre lágrimas. Ela me passou um lenço de papel com gesto delicado.

Enquanto assoava o nariz, percebi o verdadeiro milagre: minha melhor amiga não estava cobrando explicações, mas me dando colo exatamente quando mais precisei.

— Você está certa, Evelyn. Homem nenhum presta — concordei, enterrando o rosto no ombro macio dela.

Quando nossos olhos se encontraram de novo, notei que suas pupilas ainda tremiam como folhas no vendaval. Meu coração apertou. Devia ter sido um choque tão grande pra ela...

— Não fique nesse clima, Seraph. A Vivienne é tipo aquelas gatinhas do porto, metade do clube de boxe já deu uma passada na cama dela. — ela disparou, fazendo voz de comédia.

— Isso não importa. — Um sorriso maroto me escapou. — O Lucian nem era essas coisas na cama. Quando peguei ele com a Vivienne, o coitado não aguentou dois minutos antes de murchar. Nem cheguei a provar o que ele tinha pra oferecer.

O comentário despretensioso iluminou o ambiente como um raio de sol.

TTalvez a noite com Kael tivesse me mostrado o que realmente era um homem de verdade. Perder Lucian já não parecia o fim do mundo.

— Pra que guardar homem estragado? Você precisa conhecer mais opções.— Evelyn deu um tapinha professoral no meu ombro. — Só pra constar: você é gata igual a Vivienne. Só falta uns ajustes no visual. Aposto que se soltar um pouco.

— Lucian perder você é a perda dele. O arrependido vai ser ele — concluiu Evelyn.

Depois do café no refeitório, seguimos pra aula de Ciências Animais - minha paixão desde criança. Sempre acreditei que, além do nosso conhecimento limitado, existem espécies inteligentes vivendo entre nós há eras.

Lembrei daquela vez, sete anos atrás, quando me deparei com um lobo na floresta. Em vez de me atacar, o bicho trouxe um coelho sangrento e empurrou pra mim com o focinho. Seus olhos âmbar pareciam humanos naquela tristeza profunda. Quando fugiu deixando a "oferenda", ninguém acreditou, nem meus pais. Até hoje guardo a imagem nítida daquela criatura enigmática.

Num mundo onde os humanos reinam absolutos na cadeia alimentar, sempre me garantiram que animais não possuem emoções complexas como as nossas.

Mas aquele lobo me fez experimentar sentimentos tão profundos quanto qualquer paixão humana.

Foi justamente para desvendar o que se passava na cabeça daquele animal que escolhi minha graduação.

Vestia meu uniforme de sempre: camiseta básica preta, jeans surrado, óculos de aro escuro e rabo de cavalo mal penteado.

O visual gritava "nerd de laboratório", mas para mim, isso significava segurança.

Evelyn não resistiu ao comentário:

— Seraph, você precisa urgentemente de um guarda-roupa que não pareça sacola de supermercado. Um pouco de maquiagem, roupas que valorizem... Faz esse corninho do Lucian morder a língua de arrependimento!

Dei uma risada amarela. Até faria, se pudesse. Mas entre ficar horas no espelho e terminar a faculdade pra arrumar um trampo decente, minha prioridade estava clara.

Sonhava mesmo era com pesquisas de campo na savana africana ou nas florestas úmidas, mas a realidade do meu extrato bancário ditava outras regras. Meus pais não tinham grana sobrando - além da mensalidade, todas as despesas corriam por minha conta.

Caso contrário, não teria precisado trabalhar meio período no bar.

No caminho para a aula, um burburinho chamou atenção: um círculo de meninas formava torno de uma figura masculina adiante.

O sujeito era daqueles que impõem silêncio só pela postura: quase dois metros de altura, braços esculturais à mostra na regata preta. Uma aura de força bruta que nem o mais cego ignoraria.

As garotas riam em coro para suas piadas, se espremendo por um centímetro a mais de proximidade. Ele distribuía sorrisos igualmente, sem fazer distinção.

Evelyn Evelyn quase esmagou meu braço de excitação.

— É o Kael! O líder do Clube Eagles. O cara tá invicto nos ringues. Dizem que nocauteia adversários em menos de dez segundos. Claro que não é isso que importa. — continuou, baixando o tom. — Mas esquece as lutas. O verdadeiro troféu é o corpo dele. Diz a fofoca que toda mulher que passa uma noite no apartamento dele amanhece com as pernas bambas.

A descrição me transportou de volta àquela madrugada. Kael me mostrava níveis de prazer que nem nos meus devaneios mais ousados.

Mesmo tendo iniciado tudo só para cutucar a Vivienne, não conseguia apagar da memória cada curva daquela anatomia...

Agora, vendo-o rodeado de pretendentes, uma imagem invasiva me dominou: Kael repetindo nosso ritual com diferentes garotas a cada pôr do sol.

Será que usava o mesmo método? Voz suave fazendo perguntas íntimas, beijos que começavam comedidos e... Será que ele também as fazia sentir um prazer sem fim?

Um ácido corrosivo subiu do estômago. Meus punhos cerraram sem eu perceber.

Me senti ridícula, igual àquelas toalhas de papel usadas que se esfarelam no fundo da lixeira.

Respirei fundo, forçando o olhar para qualquer direção que não a dele.

"Foi só uma noite", repeti mentalmente. "Nada além de um acidente químico entre duas pessoas solteiras."

Foi quando ele ergueu o queixo.

Por um triz, seus olhos âmbar cruzaram com os meus - estáveis como águas paradas, sem uma ruga de emoção.

O zumbido voltou a ecoar nos ouvidos. O coração disparou feito cavalo de corrida no último stretch.

Porra, mas por que dessa vez?! Igualzinho àquela maldita noite... Ele... será que me reconheceu?

Antes que meu cérebro conseguisse assimilar a informação, ele desviou o olhar com frieza.

Uma agulhada de desilusão perfurou meu peito.

"Viu só?" pensei amargamente. "Nem se lembra de um caso de uma noite."

Como lixo descartado, ninguém guardava memória do que já foi jogado fora.

Me preparei para deixar aquele ambiente hostil, mas Evelyn segurou meu braço com força.

— Kael está vindo para cá! Será que vem atrás da gente?

O coração travou nos batimentos quando me virei.

A cena que encontrei: Vivienne surgira diante dele como por encanto, pendurada em seu braço com sorriso radiante - a imagem perfeita da adorável acompanhante.

Cada risada compartilhada entre os dois era como uma faca cravada no peito.

Por mais que tivesse usado o homem dela na noite anterior, nenhum triunfo preenchia meu ser.

Só restava o desejo visceral de desaparecer.

— Seraph, olhe!— Evelyn apontou com voz carregada de irritação. — As garotas estão recuando. Até elas temem a Vivienne.

— Vivienne é rainha absoluta deste lugar — continuou. — popularíssima no clube de boxe. Nem o próprio Kael escapa de suas garras.

Como por efeito mágico, o círculo de admiradoras ao redor de Kael havia se desvanecido no ar.

Era evidente: dentre todos os homens que Vivienne transava, Kael mantinha status privilegiado.

Contudo, todo seu poder se revelava impotente num aspecto crucial - reter a atenção de seu objeto predileto.

Um riso ácido brotou involuntariamente de meus lábios, ecoando a ironia cruel da situação.

Não havia vencedores nesta disputa silenciosa.

Foi então que percebi, através do canto do olho, o olhar de Kael deslizando sorrateiro em minha direção.

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