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A DOENÇA

MAJU

Alguns dias depois...

Meus pés parecem que estão em carne viva de tanto andar de um lado para outro. Quando minha mãe teve alta, saímos do hospital e gastamos o pouco que tínhamos com todos os remédios que o médico tinha receitado, aproveitei e comprei o jornal. Minha mãe não parava de chorar e se lamentar pelo fato de ter pedido a alguns meses atrás para darem baixar em sua carteira, e foi com esse dinheiro que ela deu entrada e financiou o restante da nossa casa no banco que já é cliente alguns anos. Fecho as portas dos meus pensamentos assim que chegamos em casa. Tratei de levar ela até o seu quarto e após vê que a mesma estava dormindo, voltei para sala e peguei o jornal . Ao olhar para o objeto meus olhos logo foram ao encontro de uma vaga para secretaria , meu coração começou a bater em um ritmo alucinante, minha respiração alterada, no impulso me levantei e peguei rapidamente o cartão telefônico e sair feito uma louca correndo em direção ao orelhão. Depois de fornecer alguns dados e assim que a mulher do outro lado da linha disse que eu deveria ir até o local indicado no anúncio para uma entrevista, minhas esperanças se renovaram depois do momento de pura angustia que passamos horas atrás, encerrei a ligação e com o coração dando pulos de alegria caminhei em direção a minha casa.

Resolvi não dizer nada ainda a minha mãe, pois farei uma surpresa a ela se caso consegui a vaga. Horas depois terminei de fazer o jantar e com minha mãe já alimentada dei boa noite e resolvi tomar um banho e dormir, pois queria chegar bem cedo a entrevista. Acordo em um sobressaltado assim que uma forte luz adentrou o meu quarto, instintivamente me levantei e fui em direção ao banheiro. Minutos depois de banho já tomando e arrumada , fiz o café rapidinho e quando deixei tudo já pronto segui em direção a parada de ônibus.

Depois de horas que mais pareciam uma eternidade enfim cheguei ao meu destino, ao adentrar o prédio tinha uma grande movimentação no ambiente , levantei o olhar e tinha várias mulheres em uma fila o que me deu a confirmação que todas vieram pelo mesmo motivo que eu , não demorou muito e uma mulher loira e muito bonita por sinal começou a distribuir algumas senhas e assim que chegou a minha vez ela me olhou de cima a baixo e logo sua voz de fez presente.

— Eu sinto muito em te informar que as senhas já acabaram , sem contar que você não corresponde aos critérios para vaga em aberto.

Ao ouvir as palavras da mulher a minha frente sentir minha garganta se fechar no mesmo instante que um nó se formou em minha garganta e antes que eu tivesse qualquer outra reação ela levantou a mão e dois brutamontes surgiram no meu campo de visão, novamente a voz enjoativa da desconhecida se fez presente.

— Mostre a mocinha aqui o caminho da saída. E não deixem mais ninguém entrar pois já temos um número suficiente de candidatas que correspondem ao perfil da vaga.

A minha vontade era avança em cima da infeliz, pois eu sei que tudo isso era por eu ser negra pois todas que olhei na fila eram brancas e ainda tinha algumas fichas em sua mão. Respirei fundo e antes que os dois indivíduos se manifestassem minha voz ecoou no ambiente.

— Você sabia que preconceito é crime? E ao contrário do que você disse eu jamais iria querer trabalhar em um local com pessoas tão preconceituosas que julgam as outras pela sua aparência. Não sou eu que não estou me enquadrando ao perfil desde lugar e sim ele que de fato nem deveria existir.

Com um giro nos calcanhares nem esperei que a mulher voltasse a se pronunciar, deixei o lugar sem olhar para trás. Desde esse dia eu venho andando por toda cidade procurando um emprego. Três dias se passaram e tudo que consegui foi uma vaga em uma lanchonete , além de pagar uma miséria eu teria que trabalhar dois turnos e cuidar de toda limpeza do ambiente. Não que eu esteja reclamando mais até o salário que a minha mãe recebia na casa dos Albuquerque era três vezes maior do que haviam me oferecido.

Ontem quando estava alguns metros da nossa e olhei um carro parado em nossa porta, senti um calafrio atravessar por todo o meu corpo aumentei o ritmo das passadas e ao adentrar o ambiente encontrei um senhor na sala conversando com a minha mãe, notando o estado de confusão em que eu me encontrava ela logo tratou de se manifestar.

— Filha esse é João o motorista da família Albuquerque. Ele acabou de me dizer que a vaga que eu ocupava ainda está disponível, pois dona Helena não gostou de nenhuma candidata que foram até a mansão para serem entrevistadas e como ela sabe que você tem mãos de fada na cozinha, mandou o João vim até aqui. Enquanto você não consegue um emprego melhor e eu possa voltar a trabalhar seria bom que ocupasse a vaga, pois todo o dinheiro que tínhamos gastamos com os medicamentos.

Mesmo depois de tantos anos eu jamais consegui esquecer do jeito que aquela mulher me olhou. Helena Albuquerque sempre foi uma mulher que tem um ar de soberba , que pensar ser melhor que todos a sua volta e jamais cogitei voltar a sua casa ou ter que trabalhar para sua família, mas vendo o jeito que minha mãe estava e sabendo que logo teríamos que comprar mais remédios e pagar a prestação no banco eu não poderia pensar só em mim e esquecer tudo que essa mulher que é meu maior orgulho, meu porto seguro já fez por mim, sem pensar duas vezes minha voz ecoou no cômodo.

— O senhor pode dizer a dona Helena que eu irei amanhã bem cedo. Que a vaga que era da minha mãe será ocupada pela sua filha.

Na manhã seguinte...

Olho para o grande portão a minha frente e uma sensação ruim apoderou-se de todo o meu ser, a minha vontade era de dar meia volta e retornar para minha casa . Assim que o portão foi aberto em passos largos caminhei até a entrada que minha mãe havia me dito. Quando adentrei a grande cozinha me deparei com Francisca que era responsável pelas roupas da casa, ela logo tratou de mim dizer que todos não estavam em casa , pois tinham passado a noite na casa de praia mais no final da tarde dona Helena já estaria de volta.

Aproveitei que não tinha ninguém em casa e comecei a limpa todo o ambiente. Depois de ter passado boa parte do dia entre passar pano nos dois andares da casa , lava os quatros banheiros e ainda deixar os vidros brilhando , tomei um banho rápido na área dos funcionários e voltei para cozinha para deixar a mesa da sala já pronta . Pelo menos não teria que fazer jantar pois eles sempre tomavam café ou comiam alguma coisa mais leve, então fiz um bolo e assim que deixei a mesa toda arrumada ao me mover para sair do cômodo a mulher que por anos sempre surgiu em meus sonhos apareceu em minha frente , meus lábios se mexeram e antes que algum som saísse entre eles sua voz grave ecoou no espaço.

— Eu espero que a sua mãe tenha te informado como funcionar as regras aqui. Se limite a fazer o teu serviço e não se esqueça que aqui você é somente uma empregada e não deve jamais se pronunciar se não for solicitada.

Ela nem deixou que eu falasse nada e começou a subir os degraus da escada. Agora eu sei o motivo pelo qual, mesmo tentando disfarçar sempre que minha mãe chegava em casa tinha uma tristeza no olhar. Um sentimento que eu nunca tinha sentido antes pairou sobre mim, nem que eu arrume um serviço de varrer as ruas dessa cidade mais não ficarei sendo tratada como escrava nesse lugar.

Olhei para o relógio na parede que marcava 17:30 da tarde, fui até o quartinho dos funcionários peguei a minha bolsa e deixei o lugar. Depois de alguns minutos na parada não demorou muito e o ônibus surgiu em minha frente, passei todo percurso de volta para casa pensando no que irei fazer no dia seguinte a única certeza que tinha era que não vou voltar para mansão dos Albuquerque. Passei tanto tempo perdida nos meus pensamentos que perdi a noção do tempo transcorrido só me dei contar quando já estava chegando próximo a parada que eu iria descer.

Com um turbilhão de pensamentos ecoando em minha cabeça fui caminhando até chegar em minha casa e ao entregar no cômodo ouvir algumas vozes vindo da direção do quarto da minha mãe, aumentei o ritmo das minhas passadas e ao chegar em seu quarto a vizinha estava próximo a sua cama . Olhei para minha mãe que estava com os olhos inchados e antes que eu perguntasse o que tinha acontecido a mulher do seu lado começou a falar.

— Sua mãe passou muito mal hoje , assim que recebeu a correspondência do banco com o boleto para o pagamento da prestação. Mas por sorte eu tinha vindo trazer um pouco do almoço que fiz e estava aqui para cuidar dela. Como eu disse a sua mãe agora que você está trabalhando na casa dos Albuquerque ela não deve se preocupar, pois terão como continua pagando as prestações.

Engoli em seco ao ouvir as palavras da mulher a minha frente. Vê o estado que ela ficou por medo de não conseguir pagar a prestação imagina como ficaria se soubesse que eu desistir do emprego. Eu não suportaria vê-la sofrendo por minha culpa, eu sei que vou precisar ser forte para suportar todos os obstáculos e não importa quanto isso me queime por dentro, Helena Albuquerque nada do que você possa fazer poderá me ferir mais do que vê a tristeza nos olhos da minha rainha . Eu Maria Júlia Silva farei até o impossível para vê novamente o brilho nos olhos da minha rainha.

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