CAPÍTULO 01 (PARTE 1) - O ASSASSINATO
EMMA:
Seattle, dias atuais.
Aqui estamos nós, em mais um feriado de quatro de julho. Até o dia de hoje, esse feriado era comemorado com toda a família reunida, mas agora, tudo mudou. Esse dia se tornou um dos piores da minha vida, e honestamente, não sei dizer como irei superar a perda dos meus pais. Quem poderia imaginar que eu perderia os dois em um terrível acidente de carro? Agora estou desolada, chegando em casa após ter passado por esse terrível momento. O funeral deles ficará marcado para sempre na minha memória. A polícia acredita que esse acidente foi criminoso. Agora eles vão iniciar uma linha de investigação para constatar se a teoria deles tem algum fundamento. Acredito que a polícia deva ter razão. Com certeza esse acidente pode ter sido criminoso sim.
O meu pai era um ótimo motorista, não perderia tão facilmente o controle do carro. Talvez, a posição poderosa que ele tinha, possa ter contribuído para esse trágico acidente acontecer. Pois ser um dos principais chefes do departamento do FBI, sem sombra de dúvidas acaba gerando muitos inimigos. Isso com certeza pode ter levado eles à morte. A minha mãe infelizmente estava no carro. De forma inocente acabou morrendo também. Daqui por diante, seremos apenas eu e meu irmão Mark. Ele tem vinte e oito anos e sempre foi um bom irmão. Nunca fomos muito próximos, contudo, é o único familiar que tenho por perto agora. O seu pior defeito é querer ser protetor além do limite. Não julgo sua atitude, já que ele é um pouco mais velho que eu. É bem provável que seja por este motivo que ele tenha esse instinto tão defensor sobre mim.
Há pouco tempo descobri que ele está seguindo os passos do nosso pai, prestando alguns serviços para o FBI , ele pensa que não sei. Nunca fui a favor do seu envolvimento com eles, pois quando nosso pai era vivo, nossa família sofria constantes ameaças. Mas não posso me envolver, ele já é adulto, e sabe o que deve fazer da sua vida. A partir de hoje, Donna, noiva dele, virá morar conosco. Estou perdida, me sinto parada no tempo, sem saber o que me aguarda daqui por diante. Tenho passado dias e noites chorando, sofrendo em um profundo silêncio. Somente eu sei o tamanho da dor que estou sentindo. Não está sendo fácil, nunca fiquei longe deles por muito tempo. Já me acostumei a ficar sem o Mark, pois ele nunca parou em casa. Sempre ficava na casa da noiva, praticamente morava lá. Chega a ser estranha a presença dele por aqui.
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Duas semanas depois...
Já se passaram duas semanas desde que perdi meus pais. Ainda sinto uma dor profunda e uma imensa tristeza dentro de mim. Foram duas semanas que, praticamente, não consegui sair da minha cama. Mas hoje decidi que isso vai mudar. Não posso mais ficar deitada o dia todo. Preciso dar um jeito de me distrair, caso contrário, vou acabar caindo em depressão. Levantei-me da cama, fiz toda higiene matinal, e desci as escadas para tomar o café da manhã. Me servi com um copo de leite gelado, e observei que o jornal do dia estava na bancada da cozinha. Peguei ele para dar uma olhada. Sentei-me à mesa, cortei um pedaço de bolo de maçã, e comecei a folhear as páginas.
Após me distrair com algumas fofocas das celebridades locais, acabei parando na sessão de vagas de emprego. Percorri meus olhos pelas disponíveis, e me deparei com uma que me interessou bastante. O anúncio dizia “contrata-se acompanhante”. Não tenho experiência alguma. Nunca trabalhei em toda minha vida, mas acredito que não será muito difícil cuidar de um idoso. É provável que seja só dar banho, alimentar e fazer companhia até algum dos seus familiares chegar. Me preparando para sair, já estava prestes a chegar até a porta, quando Mark me interrompeu.
— Aonde está indo, Emma? — Indagou com curiosidade.
— Vou ver um emprego! — Fui o mais breve possível.
— Irei te levar, depois do que aconteceu com os nossos pais não quero que você fique andando sozinha por aí! — Determinou. Ligeiramente ele ativou seu “modo super irmão”. Após a morte dos nossos pais, ele ficou protetor além do necessário, e isso tem me irritado bastante.
— Certo, então vamos logo! Não quero me atrasar! — Revirei meus olhos.
— O correto seria você ficar em casa! Sabe muito bem que nossos pais foram assassinados! Não tem necessidade de pensar em trabalhar agora! O que nosso pai deixou é suficiente para nós! — Tentou me fazer mudar de ideia, eu sabia que ele não iria gostar.
— É mesmo, querido irmão? E Porque você continua tentando entrar para o departamento? O que nosso pai deixou não é suficiente? — Me apressei em perguntar, e imediatamente, ele fez uma expressão de irritação, ao perceber minha ironia.
— Não misture as coisas, Emma! A minha situação é complicada e delicada! — Suas palavras continham rispidez.
— Isso é sério Mark? Não vou discutir com você agora! Preciso me distrair e quero essa vaga! Vamos logo ou irei sozinha! — Abri a porta de casa para sair. Visto que poderíamos ficar o dia todo na desnecessária discussão, ele liberou um longo suspiro de desaponto, contudo, não argumentou mais. Apenas pegou as chaves do carro, e dirigiu calado por todo o trajeto, me levando ao destino que queria.
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Ao chegar no local indicado no anúncio, fiquei um tanto desconfiada. Pensei que seria o endereço de uma casa comum, porém, era um galpão. O Mark estacionou o veículo, e me observou completamente arisco, mas antes que ele pudesse me convencer a desistir de tudo, de forma ágil, abri a porta do carro para sair.
— Mark, você espera aqui! Não preciso que me acompanhe! — Apoiei-me na janela para trocarmos algumas palavras.
— Certo, vai lá! Se demorar vou atrás de você! — Comentou com um tom de ameaça presente na voz. Revirei meus olhos e comecei a caminhar na direção da porta de entrada. Ao passar pela mesma, vi uma mulher. Ela deveria ter os seus 55 anos. Quando me aproximei, ela abriu um breve sorriso, e gentilmente, começou a conversar comigo.
— Em que posso lhe ser útil, querida? — Perguntou com gentileza.
— Oi, meu nome é Emma Campbell, vim pela vaga de acompanhante! — Expliquei, e nesse momento, a mulher me observou de cima a baixo.
— Tem certeza disso? Você é tão jovem e tão bonita! — Logo percebi seu olhar espantoso sobre mim. Fiquei um tanto confusa quando ela disse isso, pois não vi nada de mais em cuidar de um idoso, independente da minha idade ou beleza.
— Vou anunciar ao senhor Montanari da sua presença! — Avisou e se retirou, me deixando sozinha na recepção.
Apesar de não ter sido convidada a me sentar, acabei me sentando em uma poltrona bastante confortável, e peguei uma revista para folhear. Tentei me concentrar nas bobagens de beleza que continham nas páginas, mas a verdade é que estou curiosa demais e não conseguiria ler qualquer coisa agora. Resolvi me levantar para dar uma volta na área de entrada. Sei que não deveria mexer em nada, mas minha curiosidade sempre fala mais alto. Isso chega a ser um defeito que tenho. Observei uma prateleira, nela havia alguns porta-retratos, mas não possuíam fotos neles e sim diplomas. Me aproximei e peguei um deles na mão, mas antes que pudesse ver o que havia escrito, fui obrigada a colocá-lo às pressas de volta no seu devido lugar, pois escutei novamente a voz da senhora que havia me atendido antes.
— Querida? Por favor, me acompanhe! O senhor Montanari irá lhe atender! — Sua voz soou suave. De imediato comecei segui-la pelo trajeto. Ela abriu uma porta, me pediu para entrar, e se retirou logo em seguida. Entrei em uma sala com pouca iluminação, tomada por um grande silêncio. Até que de repente, escutei uma voz masculina.
— Por favor, sente-se! Qual seu nome e idade, querida? — Perguntou a voz sem rosto. Fiquei por um instante procurando de onde vinha a voz, e logo vi, no fundo da sala, que havia uma sombra. O meu instinto afiado conseguiu sentir que a sombra me observava.
— O meu nome é Emma Campbell e tenho 22 anos! — Sussurrei com a voz falha.
— Hum, Campbell? Você tem algum parentesco com o Vincent Campbell? — Logo percebi a sombra se movimentando, caminhando na minha direção.
— Sim, ele era meu pai — fiquei atenta na silhueta que se movia.
— Oh, sinto muito pela sua perda! O seu pai foi um grande homem! — Pigarreou. E então, surgiu à minha frente, um senhor de terno preto. Com os cabelos brancos feito bolinhas de algodão, e um sotaque diferente de todos que já escutei.
— Meu nome é Sergio Montanari! Você é uma jovem muito bonita. Vou adorar ficar com você, querida — observou-me de cima a baixo.
— Como assim ficar comigo? — Perguntei extremamente confusa.
— Você será minha acompanhante! Pagarei por horas trabalhadas e se me deixar fazer tudo que quero, pagarei em dobro — percebi uma grande empolgação em suas palavras e logo, um longo sorriso se formou nos seus lábios. Deixar ele fazer tudo que quer? Me pagar em dobro? Será que ele está pensando que sou uma garota de programa?
— Acredito que houve um grande equívoco, senhor. Não pretendo trabalhar assim. Pensei que a vaga fosse para cuidar de um idoso! Me desculpe pela confusão que fiz — levantei-me e comecei a caminhar até a porta. O homem caminhou rápido na minha direção, impedindo-me de sair. Ele segurou firme nos meus braços. Tentei me soltar, mas apesar da idade, ele era bem forte. De imediato, me desesperei. Percebi ele descer uma de suas mãos para tentar levantar meu vestido, e ao mesmo tempo, tentou me beijar.
— Me solta! Me solta, pelo amor de Deus! — Gritei inúmeras vezes, mas minha voz parecia não sair. Puta merda, esse cara não pode fazer isso comigo. Não posso permitir que isso aconteça. Em um certo momento, a minha voz soou um pouco mais alta, e consegui gritar por socorro. Gritei o mais alto possível, espero que alguém tenha escutado e possa me ajudar.
A situação foi desesperadora, e por uma fração de segundos, lembrei do meu irmão me aguardando ao lado de fora do galpão. Será que ele me ouviu? Será que está estranhando minha demora? De repente, escutei um imenso ruído vindo da porta. O barulho foi ensurdecedor. Enquanto fui jogada para um canto, consegui ver a silhueta do meu irmão entrando na sala. A partir desse momento, parece que tudo ficou em câmera lenta. O senhor Montanari tentou pegar em uma arma, porém, o Mark foi muito mais ágil e atirou contra ele. Neste instante, observei o corpo do senhor que tentava me agarrar, deslizando-se lentamente até o chão. Logo uma imensa poça de sangue se formou ao lado do homem. Fiquei estática, em estado de choque. Comecei a surtar quando percebi o que realmente havia acontecido. Puta que pariu, era só uma entrevista de emprego. Como isso virou um assassinato de repente? Ainda paralisada, escutei de longe a voz do meu irmão.
— Emma? Emma? Você está bem? Está machucada? — Deu leves tapas no meu rosto. Olhei na direção de onde vinha a voz, e encarei os olhos do Mark. Por mais que eu tentasse, minha voz não saia. Observei de novo o corpo do senhor Montanari estendido no chão, virei-me novamente para o Mark, e enfim, consegui dizer alguma coisa.
— Meu Deus, Mark! O que você fez? ele está morto? — Gritei em estado de choque.
— Sim, Emma! Ele está morto! — Agiu naturalmente, como se estivesse falando sobre um assunto super comum.
— Mark, você enlouqueceu? Você matou ele — acabei me enrolando nas palavras. Fiquei muito descontrolada. Não conseguia controlar as emoções que sentia.
— Merda, Emma! Ele estava tentando fazer algo com você! Escutei seus gritos e entrei na sala para ver o que acontecia! Quando vi ele pegando uma arma, tive que atirar! Era eu ou ele, não tive escolhas! — Gritou alto e sei que ele tinha razão. Ele apenas me defendeu.
A sua mão pegou na minha, e logo começou a me puxar para fora do galpão. Ainda me sentia estranha, completamente anestesiada. Nunca presenciei uma pessoa ser morta. Isso só pode ser um pesadelo. Assim que entramos no carro, percebi sua inquietação. Mark virou-se na minha direção e conversou comigo, segurando firme no meu rosto.
— Emma, olhe para mim! Vai ficar tudo bem! Você vai ficar bem! — se mostrou atencioso, mas não consegui responder nada a ele. — Puta que pariu, aquele imbecil possui alguns familiares na máfia italiana! Eu vi o sobrenome Montanari em um diploma que estava na prateleira da recepção, e esse sobrenome ficou martelando na minha mente! Agora me lembrei que eles são conhecidos no mundo da máfia! Já ouvi falar bastante sobre eles no departamento — notei uma preocupação perceptível na sua expressão.
— Meu Deus! A mulher! A mulher sabe meu nome, Mark! Eu disse a ela quando cheguei! Vão saber que fomos nós — comentei com um imenso desespero me dominando.
— Não se apavore, você não fez nada, eu fiz! Se vierem atrás de alguém, estarão atrás de mim — permaneceu estático. Extremamente calmo, como se nada tivesse acontecido. Totalmente o oposto de mim, que sequer consegui raciocinar direito.
— Não posso te perder! Você é tudo que tenho agora! — Sussurrei com a voz embargada e ele me deu um forte abraço, o que pareceu até ser um abraço de despedida. Apesar de não sermos os melhores irmãos do mundo. Não quero que algo ruim possa acontecer a ele.
— Mantenha a calma, meu bem! Vamos dar um jeito em tudo isso! Irei me esconder por um curto período, até a poeira baixar! Vou pedir para um amigo de minha confiança tomar conta de você e da Donna! Ele possui uma pequena empresa de segurança, e tenho certeza que não me negaria esse favor! Não fale sobre isso com ninguém, pois estou a um passo de conseguir uma vaga no departamento, e um assassinato na minha ficha a essa altura do campeonato, não cairia muito bem — sussurrou acariciando suavemente os meu rosto.
Ele ligou o veículo e dirigiu de volta para casa. O silêncio entre nós foi assustador. Assim que chegamos, ele pegou algumas coisas e enfiou na bolsa, entrou de novo em seu carro de novo, e o vi sumir estrada afora. Ainda em choque, corri até o banheiro e tomei um banho. Precisava me livrar de todas evidências de sangue presentes em mim. Em seguida, liguei a churrasqueira e incinerei nas peças de roupas que estava usando na hora do ocorrido. Se a polícia aparecer, não terão qualquer prova para me acusar. Sou cúmplice de um crime, isso me torna uma criminosa? O que o meu pai pensaria sobre isso? Meu inconsciente começou a me questionar. Durante a noite, foi extremamente difícil conseguir pegar no sono, e quando finalmente consegui, acordei com pesadelos terríveis. Puta merda, não consigo parar de pensar naquele senhor que o Mark matou. Fechando meus olhos, só conseguia ver ele caindo na minha frente, e a imensa poça de sangue que se formou em volta do seu corpo, tem passado como um filme na minha memória. A cena se repetiu por diversas vezes, me fazendo acreditar por uma fração de segundos, que estava enlouquecendo. Eu só queria poder esquecer tudo isso. Ah, como queria voltar no tempo, com certeza faria tudo diferente.
