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Capítulo 6

Estou vestida para matar. Dos pés à cabeça.

 

Apesar disso, há uma sensação de insegurança dentro de mim que eu não consigo acalmar.

É como um mal estar na boca do estômago que não passa.

E a todo momento, o maldito pesadelo que tive no Brasil vem assombrar o meu coração.

 

Joaquim e eu chegamos na Itália há poucos dias. Estou decidida a pegar um trem para o interior com ele na semana que vem, embora Alessandra esteja usando todo o seu charme para tentar me convencer a ficar.

 

Quim, aliás, está apaixonado por ela.

 

Ele a chama de “tia Alê” agora, embora não passe pela sua cabeça, nem mesmo remotamente, que Alessandra seja, de fato, a irmã do seu pai. Para ele, ela é apenas "a amiga destrambelhada da mamãe" como ele mesmo gosta de dizer.

 

Nós três visitamos diversos lugares na Sicília e tudo o que Joaquim vê parece receber um elogio de "irado", "legal" ou "sinistro". De sorveterias a museus e monumentos famosos. Tudo para ele é incrível na mesma intensidade, na mesma proporção.

 

Meu Deus, como eu amo o meu filho! Eu preferiria morrer a ter que abrir mão dele.

 

Pensar nisso me envolve em uma nuvem de tristeza porque sei que eu também nunca teria aceitado perder o meu Heitor, até que o perdi. Perdi não, fui obrigada a entregá-lo. E essa dor ainda me dilacera.

 

Alessandra sai do banheiro da suíte master enrolada em uma toalha.

 

Ela para no meio do caminho e me encara.

 

— Onde está aquele vestido magnífico que eu dei a você?

 

Sentada na cama, eu abaixo a cabeça para contemplar o pijama que coloquei depois de tirar o tal vestido. Eu me sinto muito mais confortável agora, mas nem um pouco mais confiante porque sei muito bem o escândalo que minha amiga vai fazer quando eu contar a ela que...

 

— Não consigo, Alessandra. Não me sinto segura saindo e deixando o Quim.

 

— Negativo, cunhadinha. Eu disse que você pode ficar sossegada e você pode. Meus empregados são de absoluta confiança, Vitória. Além disso, eles não conhecem você, nem o meu sobrinho. Não teriam motivo para fazer fofoca — ela abre as portas do closet e um universo de grifes italianas maravilhosas se desnuda diante dos meus olhos. — Não se esqueça que também sou uma Tremesso. Eles me temem quase tanto quanto ao meu irmão.

 

— E se ele aparecer aqui?

 

— Ele quem? — ela se vira sobre o ombro, por um momento, pasma. — Theo? De jeito nenhum. Ele não vem aqui desde que você foi embora.

 

— Da Itália?

 

— Da casa dele. Mesmo enquanto você esteve no hotel, ele não passou por aqui nem uma única vez.

 

Sua afirmação me deixa chocada.

 

Não é absolutamente possível.

 

Theo e Alessandra sempre foram muito ligados. Não faz nenhum sentido os dois terem se distanciado daquela maneira.

 

Eu me levanto da cama com um suspiro e ando até o closet que ela ainda encara, reflexiva.

 

— O que foi que aconteceu entre vocês, Alessandra? Brigaram?

Ela inclina a cabeça para o lado e me olha, surpresa. Em seguida, se vira de frente para mim, ainda segurando a toalha.

 

— Eu deixei claro que ele é persona non grata, agora, mia cara. Os únicos lugares em que vejo Theo são nos compromissos de negócio ou nos eventos familiares. Aqui em casa, ele não pisa. Depois do que aprontou com você? De jeito nenhum.

 

Seu senso de lealdade me deixa sem palavras.

 

Mas sinto que não posso deixar isso acontecer. Não é nenhum pouco justo. E eu não dormiria em paz comigo mesma se apoiasse uma coisa dessa.

 

— Vocês são a única família um do outro, Alessandra. A briga foi entre Theodoro e eu. Você não deve rejeitar o seu irmão, não pode tomar as minhas dores assim.

 

— Agora é tarde — ela dá de ombros, como se não fosse grande coisa, enquanto se vira para pegar um Jimmy Choo no fundo do armário. — Eu já rejeitei.

— Não diga isso, amiga. Por favor.

— Theodoro Tremesso é um babaca e, por isso, não quero ter nada a ver com ele — ela me olha seriamente. — Posso te perguntar uma coisa?

— É claro, o que quiser.

— Planeja fugir daqui com Heitor e Joaquim?

Eu mordo os lábios.

— Se eu soubesse que teria a mínima chance de fazer dar certo, eu já teria feito isso, seis anos atrás. Meu plano não é esse. Quero me estabelecer antes de pedir à justiça a guarda de Heitor.

Ela me encara, surpresa.

— Está mesmo falando sério?

— Com certeza.

— Você sabe que não será fácil, não é? — ela pergunta. - Theo é o dono dessa cidade. Ele manda na Sicília e em outros lugares fora dela. Tem contatos em toda parte, até mesmo entre gente da lei.

— Eu sei, mas não posso desistir do meu filho sem nem mesmo tentar. Você acha isso certo, Alessandra?

— Mi amore, nada do que aconteceu com você foi certo — ela suspira, coçando a cabeleira loura, exasperada. — E você ainda discorda que eu tenha banido Theo da minha vida. Francamente, Alessandra. Ele tem sorte por não ter sido capado.

Suas bobagens amenizam o clima no quarto e me fazem rir.

De repente, eu me viro para o closet gigantesco, me sentindo mais fortalecida e revigorada depois daquela conversa.

— Esqueça o que eu disse sobre essa noite —

digo. — Vamos sair e ficar bêbadas como dois gambás.

 — Sim! — ela berra, com os olhos iluminados, batendo palmas. — Só que gambás cheirosos, por favor.

- Tudo bem. Gambás cheirosos, se você preferir.

— E estilosos também — ela me entrega o par de Jimmy Choos.

— Para mim?

— Faça as honras, querida. A noite é uma criança levada quando se tem um par de sapatos como esses.

 

***

 

No dia seguinte, eu não acordo de ressaca, felizmente. O que é um milagre, considerando que eu bebi como se estivesse tentando compensar os últimos seis anos.

 

Bebi, dancei e me diverti, aliás. Assisti Alessandra flertar com estranhos, aceitar drinques coloridos e rir das piadas deles. Recusei alguns convites para fazer o mesmo porque... a quem eu quero enganar? Já aceitei que não sou capaz de me sentir sexualmente atraída por outros homens, depois daquele idiota. Nem mesmo para uma maldita noite de sexo sem compromisso.

 

Mesmo assim, a noite foi tudo o que eu precisava. Alessandra tinha toda razão, sair e me divertir foi a chave para eu me sentir um pouco mais próxima do meu "eu" dos velhos tempos. 

 

São dez da manhã quando eu me sento na mesa para o café. Os criados cuidaram de tudo. Pães, ovos, sucos, geleia e torradas. O bom e velho expresso italiano. Minha nossa, que saudade! Sirvo um pouco na xícara e contemplo o belíssimo jardim de Alessandra, visível através das portas duplas de vidro da sala.

 

Joaquim está acordado, lá em cima, jogando no videogame que a tia comprou para ele. Um Playstation. Uma versão superior à que o coleguinha tinha no Brasil.

 

Ele está deslumbrado. Não tira os olhos da tela, nem para de imitar com a boca o som das explosões. Apesar disso, sente falta do seu amigo Iuri, o filho de Zola, que morava no apartamento ao lado. Os dois sempre foram muito apegados. Imagino que Iuri também esteja chateado com a partida do meu filho e isso me faz pensar na capacidade de amor que as crianças têm na infância.

 

“Amor real, sincero, sem interesses”, penso, mastigando uma torrada com geleia de morango. Está divina.

 

Por que será que nos transformamos tanto até chegar à vida adulta? E de forma tão negativa. Não quero que isso aconteça com meu filho, jamais. Enquanto conseguir proteger sua infância, eu o farei como uma leoa feroz.

 

Além disso, eu fico feliz por Quim ter acesso a todo o luxo que, um dia, eu também conheci. Mas, ao mesmo tempo, tenho um pouco de receio porque, ainda que por alguns dias, ele está vivendo uma vida que, de forma nenhuma, vou conseguir proporcionar a ele no nosso futuro. 

 

Tenho medo de que fique mal-acostumado. E depois, decepcionado comigo.

 

Pensando nisso, resolvo que vou comprar passagens só de ida ainda hoje, para a Soprana, um vilarejo idílico que visitei tempos antes.

 

O lugar perfeito para recomeçar.

Limpo os lábios com o guardanapo. Estou prestes a me levantar da mesa e ir encontrar com o meu filho, quando o protagonista de todos os meus pesadelos se materializa bem na minha frente.

 

Theo Tremesso.

 

Ele tira os óculos escuros e me encara, parecendo furioso.

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