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Jogo de Intrigas

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Rebecca Santiago
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Resumo

Quando Vitória foi expulsa de casa pelo marido, o temido mafioso Theodoro Tremesso, cappo da máfia siciliana, ela sabia que não tinha outra alternativa, a não ser abrir mão do próprio filho e recomeçar a vida no Brasil.  Longe de Theo, ela criou o seu bebê, Joaquim, escondendo do cappo o seu precioso segredo. Mas uma cartada do destino fará Theo e Vitória se reencontrarem e o desejo entre os dois irá explodir como um vulcão adormecido. Dom Tremesso irá perceber o terrível engano que cometeu e as consequências das suas decisões no passado pode ser irreversíveis.

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Capítulo 1

— Eu não esperava isso de você, Vitória. De qualquer outra pessoa, mas não de você.

— Do que você está falando, Theo?

Meu marido dirige a mim um olhar de repulsa como eu nunca tinha visto antes.

— Não tenha o atrevimento de dirigir a palavra a mim outra vez.

— Eu não estou entendendo... por favor, você pode...?

Ele avança alguns passos e eu recuo, assustada.  

Tenho a impressão de que vou desmaiar.

Os olhos disparam agressividade. Olhos que costumavam se dirigir a mim com carinho, ternura e paixão. Mas que, agora, estão desprovidos de vida. 

Vazios.

São os olhos de um estranho, não os do homem com quem me casei há três anos.

Flashes da cerimônia do nosso casamento disparam na minha cabeça, enquanto ele ergue o dedo bem na frente do meu rosto, espumando de ódio.

— Você vai embora dessa casa, hoje mesmo. E não pense que vai levar o nosso filho – Theo torce a boca para baixo. —  Heitor fica.

O ar desaparece dos meus pulmões como se eu tivesse levado um soco.

De surpresa e confusa passei para atônita e desesperada em questão de segundos.

— Você não pode fazer isso comigo, Theo... Não, pelo amor de Deus. Heitor é tudo o que tenho! Você não pode me impedir de ficar com o meu filho, Theo!

— Ah, eu posso sim. A partir de hoje, você não é mais bem vinda nessa casa, Vitória. Leve todas as suas coisas. Leve o que quiser, eu já não me importo – o seu sorriso é diabólico, mas a expressão torturada em seu rosto desmente que está se divertindo. — Menos o meu filho, claro. Heitor fica.

Minha cabeça lateja. Já não posso respirar.

Do que é que ele está falando?

Há menos de uma hora, estávamos em uma festa na casa de amigos. Então ele veio calado durante toda a viagem de volta no carro. E agora... agora...

— Você me deve uma explicação, Theo. Volta aqui — eu berro a plenos pulmões, mas ele já deu meia volta e despareceu da sala em direção ao escritório. 

Alarmada, eu olho ao meu redor.

Nunca me senti tão atordoada assim antes. Tão... sem chão. A casa enorme que compartilhamos naqueles três anos parece prestes a me engolir. A me devorar.

Respiro fundo em busca de ar, mas ele não chega.

Meus olhos vagam pelos retratos na parede que contam uma história feliz. A nossa história feliz. Eu amo fotografias. Por isso, faço questão de registrar cada momento significativo nas nossas vidas. E, por mais que alguns pareçam fragmentos simples e banais, para mim todos eles têm uma enorme importância.

Contemplo as cortinas e a tapeçaria que Theo e eu escolhemos juntos em nossa lua de mel em Barcelona. As esculturas que trouxemos de Paris nas férias passadas. E, por fim, miro o meu reflexo no espelho da parede. Cabelos longos e castanhos caindo em mechas pesadas até a cintura. Uma boca volumosa, um nariz pequeno, mas imperioso.

Olhos verdes grandes, agora, repletos de lágrimas.

Mal percebo os criados se aproximarem carregando três malas pesadas. Eles passam por mim com seus olhares de pena, abrem a porta da frente e saem sem dizer uma única palavra.

Há quanto tempo estou ali daquele jeito? Apenas olhando o meu reflexo?

Nem sei dizer.

Meu filho...

Eu preciso ir ver Heitor.

Corro na direção das escadas e braços fortes me impedem. Eu me viro na direção do seu dono, mas não se trata de Theo, como eu imaginava.

É apenas um dos criados.

O chefe da segurança.

Theo disse que não queria me ver. Nunca mais. E está cumprindo a promessa.

Eu me debato, histérica, gritando o nome de Heitor. Suplico pelo meu filho, enquanto saio da casa, arrastada pelo homem de olhos frios.

 

***

 

UM ANO DEPOIS

 

Hoje é aniversário de Heitor.

Meu filho Heitor.

Mas a data, que era para ser o motivo de grande alegria, só me enche de dor e revolta.

Hoje também faz um ano que Theo me expulsou da sua vida sem nenhuma explicação. E me impediu, terminantemente, de estar com o meu filho.

Depois disso, eu nunca mais vi Heitor de novo. Um sofrimento que nunca aplacava, fincando cada vez mais suas raízes malignas dentro do meu coração.

Tentei muitas vezes entrar em contato com ele, sempre sem êxito. Todos os empregados, da casa e do escritório, tinham ordens absolutas para não me deixar chegar perto da família Tremesso. Eu estava vivendo em um hotel, a poucos quilômetros, mas não tinha permissão para chegar mais perto.

 

Nem para ver Heitor.

Eu só tinha duas alternativas: aceitar o fato de ter me tornado uma estranha para o meu próprio marido ou me tornar a sua pior inimiga.

E assumir as consequências disso.

Ainda que um dia eu tivesse sido “uma deles”, aquilo parecia que já não tinha a menor importância. Fazia parte do passado. Eles não hesitariam em me matar se precisassem. Ou melhor, se recebessem a ordem correta. Eu não carregava mais o sobrenome de Theo e, consequentemente, não era mais a mãe do seu filho.

Então eu, Vitória Prado, antiga Senhora Tremesso, antiga dona daquela casa, tinha escolhido me tornar uma estranha.

Mas, secretamente, no meu íntimo... queria obrigar Theo a olhar dentro dos meus olhos e revelar o motivo pelo qual estava agindo comigo daquele jeito tão frio.

Não, frio não... cruel, impiedoso e monstruoso.

 

Na noite em que me colocou para fora de casa, não era ele quem estava de posse do seu corpo. Não era com meu marido que eu falava. O homem terno e passional que me amava irrevogavelmente e que havia jurado me proteger e respeitar até o fim das nossas vidas.

Aquela noite, era outro homem que estava diante de mim.

O próprio diabo em pessoa.

Don Tremesso.

Ou Capo.

Eu havia conhecido aquela besta uma única vez quando o testemunhei matar a sangue frio um homem. Alguém da família que o havia traído.

Os olhos de Theo tinham o mesmo ódio pungente naquele dia.

Em prantos, eu me curvo na cama. As fotos do que costumava ser minha pequena família feliz espalhadas sobre o colchão. Ele mandou que colocasse todas dentro das malas, provavelmente para me torturar com tudo aquilo que eu nunca mais teria.

Férias de inverno, piqueniques em dias ensolarados no parque, passeio na casa dos avós, jantares e festas de gala. O doce sorriso de Heitor faz meu coração ficar apertado. A angústia cresce dentro de mim, ganha contornos que eu nunca imaginei.

Explodo em um grito de dor e frustração e o barulho acorda Joaquim no berço. Ele resmunga, balançando primeiro os braços, depois as perninhas, e só então começa a chorar, pedindo para ser consolado.

Eu me levanto e vou até o outro lado do quarto, ganhando um olhar sonolento do meu filho. Sorrio entre as lágrimas. O mundo ameaça voltar a se encaixar, quando tiro ele do berço e carrego nos braços até a cama.

Eu me sento, acalentando Joaquim junto ao peito. Abaixo a cabeça e sinto o cheiro suave e a maciez da sua pele contra o meu nariz. Canto baixinho no seu ouvido... a minha canção preferida.

 

“Moon River, whider than a mile

I’m Crossing you in style some day.

Oh, dream maker, you heart breaker...”

 

Curvo os lábios, sentindo o gosto salgado das lágrimas.

Theo me privou de Heitor, mas ele não conseguiria fazer o mesmo com Joaquim.

Nunca.

Nem que para isso, eu tivesse que matar o cappo.

Eu me levanto e caminho silenciosamente. Devolvo o bebê adormecido para o berço e retorno para a cama. Com um movimento brusco, atiro todas as fotos no chão.

Mordo os lábios, segurando o choro, até sangrarem.

O rosto de Theo me espreita do chão com seus olhos castanhos de tirar o fôlego. Há um nó entalado na minha garganta. Aquele rosto costumava me fazer suspirar de paixão. Agora tudo o que eu sinto é ódio e rancor.

 Eu me abaixo e recolho a fotografia. Seguro com força, amassando até os nós dos dedos ficarem brancos.

Maldito!

Um dia você vai me pagar, Theodoro Tremesso.