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(Alguns meses atrás)

Lorena ainda se lembrava de tudo vividamente...

Após a tragédia que tirou a vida de seus pais, Lorena Mafra foi consumida pelo vazio deixado por sua perda. O funeral foi rápido e silencioso, como se as lágrimas que ela não conseguia mais derramar fossem suficientes para preencher aquele momento. Ao redor do caixão de seus pais, poucos parentes se aproximaram. A maioria manteve distância, trocando olhares desconfortáveis entre si, como se a menina que estava ferida e sozinha no hospital fosse a culpada por aquilo, como também um fardo silencioso que ninguém queria carregar.

Seu coração batia rápido, e o pânico começava a invadi-la ainda no hospital quando recebia visitas. Cada rosto desconhecido que ela olhava parecia lhe dizer a mesma coisa: "Você está sozinha." As pessoas conversavam em murmúrios, como se temessem ser ouvidas por ela, discutindo, sem entusiasmo, o futuro da menina. Quem a levaria? Quem poderia se sacrificar para cuidar de uma órfã?

Quando as palavras chegaram até os ouvidos de Lorena, a sensação de abandono pesou em seu peito. Seus tios, primos e até mesmo amigos distantes dos pais pareciam hesitar quando o assunto era sua guarda. Cada um tinha uma desculpa diferente: "Nossa casa já está cheia"; "Temos filhos demais"; "Não podemos sustentar outra criança". Era como se todos tivessem se convencido de que cuidar de Lorena seria um fardo impossível de suportar.

Há tempos atrás, sua casa era cheia de risos e conversas, mas agora parecia apenas sombria e fria, sem ninguém lá. O som das vozes dos pais de Lorena havia desaparecido, e tudo que restava eram os ecos vazios de uma infância interrompida. Ainda havia sua avó materna, uma mulher idosa e frágil, mas que parecia exausta demais para suportar o peso da responsabilidade. Lorena sentia o olhar da avó, uma mistura de pena e desespero, enquanto ela tentava encontrar uma solução quando a visitava.

Os dias que se seguiram foram amargos. Lorena ouviu muitas conversas que, embora murmuradas, carregavam o som alto e claro do abandono. "Eu já estou muito velha," disse a avó ao telefone com uma tia distante. "Não sei se consigo cuidar de uma criança por muito tempo. Ela precisa de alguém mais jovem, alguém que possa cuidar dela da maneira certa."

Essas palavras caíram como uma lâmina no coração de Lorena. Embora a avó tentasse ser cuidadosa, a verdade era clara: ninguém estava disposto a tomar conta dela. Ninguém queria acolhê-la, e isso começou a gerar em Lorena uma sensação esmagadora de desamparo. A cada ligação que ouvia à distância, a cada suspiro frustrado da avó, a certeza de que ela estava sozinha se intensificava.

Sem perspectivas, Lorena passava os dias observando as janelas do hospital, vendo a vida lá fora continuar normalmente. Crianças brincavam na rua, mães buscavam os filhos na escola, enquanto ela permanecia presa no silêncio e nos bipes das máquinas, pensando que deveria ter sido enterrada junto com seus pais. O medo, que antes era apenas uma sombra, agora a envolvia completamente. O que aconteceria com ela? Para onde iria? Será que algum dia voltaria a sentir-se parte de uma família?

O semblante da avó, cada vez mais abatido, começava a se tornar um reflexo da própria Lorena. Ela notava como a idosa estava ficando mais doente e cansada. Não havia energia nas conversas entre elas, apenas um sentimento de impotência mútua. Certo dia, a avó veio ao hospital para conversar com ela, e sentando-se na beira da maca com uma expressão grave, começou a se desculpar.

— Lorena, querida... — A voz dela tremia, e as mãos frágeis se entrelaçavam. — Eu tentei de tudo. Mas... não posso cuidar de você do jeito que merece.

As palavras ecoaram pela sala, e Lorena sentiu o chão desmoronar sob seus pés. Mesmo antes que a avó terminasse de falar, ela sabia o que viria a seguir.

— Vou ter que te mandar para um abrigo, meu amor. — Os olhos da avó estavam marejados, mas o rosto mostrava que ela também se sentia encurralada, sem saída. — Não tem outro jeito...

O medo cresceu dentro de Lorena, sufocando qualquer esperança que pudesse ter restado. Um abrigo? A palavra soava estranha, distante. Ela sabia o que significava, sabia que outras crianças sem pais iam para lá, mas nunca imaginou que esse seria o seu destino. A perspectiva de viver em um lugar cheio de estranhos, longe de qualquer segurança ou amor, era aterrorizante.

Nas semanas seguintes, a avó raramente aparecia, e quando acontecia era apenas para agilizar o processo burocrático e doloroso de mandá-la para o abrigo, ao mesmo tempo, em que ocorriam as visitas de assistentes sociais que falavam em tons condescendentes, explicando como Lorena seria cuidada, como o sistema tentaria encontrar uma nova família para ela. Mas, na mente da menina, tudo o que ela ouvia era mais um passo rumo à solidão.

No dia da partida, Lorena mal conseguia se lembrar do último olhar da avó em suas memórias. A menina sentia seu coração acelerar enquanto cada minuto passava. As despedidas haviam sido breves e carregadas de culpa, quando a avó, visivelmente doente e incapaz, há vários dias atrás, beijou-lhe a testa e sussurrou:

— Eu sinto muito, Lorena... Eu sinto muito por não poder fazer mais.

A menina apenas assentiu, com os olhos arregalados pelo medo naquele último encontro. Não havia mais palavras que pudessem mudar aquela realidade. Ela estava sendo levada para um mundo que não entendia, sem ninguém que quisesse assumir a responsabilidade por sua vida.

No carro da assistente social, enquanto as paisagens passavam rapidamente pelas janelas, Lorena se encolheu no banco de trás. O medo, que antes era uma sombra, agora se tornava uma presença constante ao seu lado. Ela se perguntava como seria a vida naquele abrigo. Será que as outras crianças seriam como ela, órfãs, sozinhas e sem esperanças? Ou será que, mesmo ali, ela continuaria a sentir-se abandonada?

O prédio cinza e alto que se ergueu à frente dela quando o carro estacionou não era nada acolhedor. O abrigo parecia mais uma prisão do que um lar. As portas de metal rangiam, e o cheiro de desinfetante pairava no ar, como se tentasse mascarar a tristeza que habitava aquele lugar.

Ao entrar, Lorena sentiu as pernas tremerem. Crianças passavam pelos corredores, algumas rindo, outras olhando-a com curiosidade. A assistente social tentou explicar que aquele seria seu novo lar, mas as palavras entravam e saíam de sua mente sem deixar marcas. O que restava dentro dela era apenas o medo crescente, a incerteza, e a dura realidade de que, a partir daquele momento, estava realmente sozinha no mundo. Ela tinha perdido não só os pais, mas também qualquer perspectiva de ser cuidada, de ser amada novamente.

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