Capítulo 5
Ele também ficou rindo, só falou por falar brincando. Ela foi para a festa toda contente dele estar parecendo interessado, conversou com o pai, dizendo que estava com muita dor de cabeça, logo quis ir embora.
Voltou para casa o procurando, ele estava sentado em cima de uma escada que ia para a área de lazer. Ela parou um pouco longe, só mostrou as sacolas que carregava, com aquele mesmo olhar debochado. Ele foi descendo desacreditado, se aproximou.
— Oi, cê veio memo. Que isso, hein, patroa!
Ela foi subindo na frente dele.
— Eu não gosto de dever nada pra ninguém. Vem sentar aqui, pra comer.
Foi para a área de lazer, ele parou no final da escada.
— Era só zoeira, não precisava. Aí, eu tô trampando. É melhor voltar pro meu lugar. Valeu mesmo.
Ela se aproximou séria.
— Pode vir, depois eu falo com o meu pai. Você só vai almoçar. Vai me fazer de otária?
Ele olhou para trás com receio de se colocar em problemas.
— Não, é que... cê sabe, tá ligada que não é qualquer uma. Seu pai pode achar que eu tô mal intencionado, tá ligada? A minha vida é isso, tudo o que tenho tá aqui, se der algum BO, tô fudido. Não posso ficar nem trocando ideia com você. Não sou como o Lagarto, que tá na caminhada faz tempo e conhece todo mundo. Ele tá no topo, por isso tá com a sua irmã.
Ela se afastou voltando para a mesa, frustrada.
— É só um almoço, não tô pedindo pra ficar comigo. Como eu sou trouxa.
Começou a guardar tudo envergonhada, emotiva. Ele também entrou lá, todo sem jeito.
— Não, pô, cê foi mó daora comigo. Vai, deixa eu comer aí. Pra ficar te devendo uma.
Ela foi abrindo os potes cheios de comida.
— É, vou cobrar mesmo. Não sei que medo é esse de chegar perto de mim. Não sou feita de ouro, tá.
Levou feijoada, torresmo, vinagrete, couve cozida, foi fazendo o prato dele, pegou refrigerante na geladeira. Ele sentou à mesa, tirou o boné para comer.
— Não é medo, é respeito. Cê sabe que pode ter tudo o que quiser, nasceu, cresceu assim, só que nessa de ficar de papo, não tem consequências pra você.
Ela estava se servindo, respondeu séria.
— Caramba, que exagero, meu, não posso ter amizade com ninguém agora? Você vai me fazer perder a fome.
Ele pediu desculpas. Almoçaram juntos sem conversar. Ela foi juntando tudo se preparando pra lavar a louça, o mandou descer. Ele interrompeu pegando a bucha de lavar louça.
— Deixa que eu lavo. Bora trocar uma ideia lá embaixo? Na moral?
Ela encostou na pia, ao lado dele, séria.
— Como "na moral", se você não me dá uma condição, Chacal?
Ele sorriu desconfiado, sem entender onde ela queria chegar.
— Ahhhh, tá me tirando? Iiiih, sai pra lá, doida. Não tenho nada pra te dar não, cê é grandona demais pra mim.
Ela começou a rir muito.
— Estou gorda pra você?
Ele a olhou de cima a baixo, sorriu com maldade.
— Não, pô. Nem conheço uma palavra adequada pra te elogiar, definir, com o respeito que merece.
Ela mexeu no cabelo fazendo charme, meio envergonhada.
— E sem respeito, tem as palavras?
Ele falou baixinho rindo.
— Car.alho, cê quer me deixar fud.ido mesmo? Gostosa pra por.ra, toda perfeitinha sem um nada fora do lugar. É o que eu imagino, né. Mas é feita só pra olhar. Igual coisa cara em vitrine pra pobre!
Ela começou a rir muito, envergonhada.
— Já me imaginou sem roupa? É isso?
Ele sorriu debochado.
— Claro que não, tá doida? Bora sair daqui, seu pai vai dar cabo de mim, hein. Vou de arrasta pra cima sendo inocente.
Foi saindo de lá, indo para a escada.
— Bora trocar uma ideia lá fora, onde todo mundo vê que eu tô de boassa.
Ela sorriu revirando os olhos.
— Meu pai não é assim, relaxa. Tenho amizade com o pessoal, ninguém nunca foi punido por isso.
Ele olhou tipo desdenhando, como quem duvidava. Ela encostou no final da escada.
— Quer conversar sobre o quê? Trá.fico? Baseado? Nem sei o seu nome.
Ele sorriu debochado sentando ao lado dela no degrau.
— Não, né, pô, acha que eu não sei trocar ideia? Só que a sua vida é bem mais legal com certeza. Me fala de você. Do que gosta de fazer, o que curte beber.
Ela sentou ao lado não tão perto, pois apesar de interessada, tinha certeza que o pai iria contra. Ficou meio sem jeito, apreensiva, rodando um anel no dedo.
— Não sei, tipo assim, às vezes meu pai não me deixa solta pra curtir. Sair sozinha, ir ao shopping, eu não gosto de bater de frente, passar por cima da palavra dele pra ir em rolê. Sabe, eu gosto de sair daqui à noite, queria muito ir à praia, tipo acampar, por causa das estrelas, acordar com o sol nascendo. Qualquer dia, você pode ir comigo, né não? Ele não me deixa ficar longe sem segurança.
Ela ficou séria pensando no jeito dela, mais calma, educada, simpática, estava bem arrumada, cheirosa, parecia acessível e isso o incomodou, ficar imaginando o que ela queria com aquela conversa mole. Ela continuou falando sobre os seus lugares preferidos na cidade.
Comentou que queria muito ir à praia. Ele disse que nunca foi, mas que não ia gostar. Ela já tinha ido a várias, começou a contar com detalhes, explicando as diferenças da água, areia. Ele falou sobre onde morava antes, no interior, comentou que a vida lá era bem simples, confessou nunca na vida ter imaginado que ia virar bandido, falou sobre a infância.
Conversaram por horas, apenas se conhecendo mesmo. Ela deu bastante risada, ele ficou mais à vontade, percebeu que ela era bem mais educada que Dabrielly. Quando Lobo chegou, os viu lá, apenas acenou e entrou para dentro de casa, depois foi até espiar, achando estranho o comportamento dela, já que Marcela era toda certinha.
Ela ficou rindo percebendo que ele ficou nervoso.
— Chacal, relaxa, a gente não tá fazendo nada de errado.
Pegou sutilmente na mão dele, ele recuou e levantou.
— Não faz isso não, pô. Na moral. Sem caô, cê vai me colocar em problemas. Vou lá no meu posto. Valeu pelo rango, tava bom demais.
Se afastou achando que, de qualquer forma, ia se dar mal com ela, foi para perto do portão. Ela ficou irritada, achando que ele estava desinteressado inventando desculpas, porque ela sempre conversava com os outros e nenhum tinha tanto medo.
Ela ainda não tinha percebido que ele era diferente da maioria deles, entrou frustrada. Lobo estava sentado na sala, perguntou o que ela estava fazendo lá fora. Marcela o abraçou em pé por trás do sofá.
— Nada, conversando. O coitado nunca foi à praia, acredita? Você não vai mesmo na minha formatura?
Lobo a olhou de canto de olho, indiferente ao abraço.
— Coitado é? Sei, você abre o olho, que se eu pegar qualquer coisa, vai todo mundo pras ideias.
Ela se afastou irritada, foi sentar longe.
— Qualquer coisa o quê? A Dabrielly tá lá quase morando com o seu gerente, não vem em casa pra nada além de me roubar. Peguei ela cheirando na festa e você não faz nada. Quero você na formatura, não ela. Pra me envergonhar na frente de todos!
Ele começou a mexer no celular.
— Não posso descer daqui, os caras tão marcando em cima, já conversamos sobre isso, Marcela. A sua irmã vai, sua mãe também. Escolhe um presente, qualquer coisa! Outro carro, uma moto, pode escolher. Quer outro celular? Eu compro agora.
Ela se levantou brava, foi para o quarto. No dia seguinte, viu Chacal já cedo no portão, foi se arrumar pra sair, querendo chamar atenção. Colocou um biquíni neon e preto, shorts jeans curto desfiado, chinelo, passou maquiagem leve, deixou o cabelo solto. A parte de cima do biquíni era curtininha. Saiu procurando o pai, seminua daquele jeito, ele estava na biqueira.
Quando ela saiu no portão, Chacal e o outro soldado estavam rindo conversando. Quando ele a viu, até ficou sério. Ela foi em direção à moto, séria, de óculos escuros, foi ligando, olhou para eles.
— Vou sair, ninguém vai comigo?
