Capítulo 5
Daniela
CAPÍTULO 5: CAINDO
*Dezessete anos antes *
*As janelas estão encharcadas porque a tempestade continua firme do lado de fora. Mesmo que eu esteja bem aquecida, sinto frio em corpo inteirinho. Estou tremendo, como se os pingos de chuva estivessem sobre minha cabeça. *
*Minha atenção é desviada das gotas de chuva do vidro da janela quando ouço os barulhos de pedras sendo atirados contra ela. Levanto-me rapidamente da minha cama e olho para baixo. *
*Gregory está em frente à minha janela e ele atirava pedrinhas enquanto se encharcava na chuva. Estou sorrindo e quero chamá-lo de louco quando abro a janela e ele escala o poste até se pendurar em minha janela e de repente ele está em meu quarto. *
*Gregory está molhado e as gotas de chuva caem do seu cabelo e molham o meu tapete. Encaro o seu estado enquanto ele continua a me olhar. *
*- Você vai ficar doente. – Resmungo e me jogo na cama. *
*- Eu não ligo, Dani. – Ele comenta e se senta em minha frente. – Faz três dias que você não vai para a escola. *
*- Ao menos você notou minha ausência. – Dou de ombros e solto uma longa lufada de ar. *
*- Corte o drama. – Gregory puxa minhas mãos e me obriga a encará-lo. – Estamos lidando com o mesmo assunto, outra vez? *
*Encaro os olhos estrelados e tão azuis quanto o céu em um dia de verão. Outra vez aqueles olhos iluminando minha noite mais escura. *
*- Você sabe que eu cometo os mesmos erros todas as vezes e eu nunca aprendo. – Deixo minha cabeça tombar para frente e não percebo que estou tremendo. *
*Gregory se levanta subitamente e pegando o meu edredom na cabeceira de cama, ele me cobre e também entra abaixo dos lençóis. Estou rindo, porque todos os meus problemas se transformam em nada quando olho para ele. *
*- Não ligue para o que estão falando, Dani. – Ele está sussurrando. – Eu não ligo para nada que eles falam, porque eles não te conhecem como eu. *
*Assinto e entrelaço meus dedos nos de Gregory porque ele sempre esteve ali quando o meu castelo desmoronava. Sempre esteve quando o ensino médio se mostrava tão duro e cruel. *
*- Mal posso esperar para quando sairmos dessa cidade e irmos para universidade juntos. – Comento com Gregory. *
*- Você acha que será melhor? – Gregory está pensativo e os seus cabelos molhados caem em seu rosto. Ele é lindo como um sonho. *
*- Não. – Sorrio e ele me acompanha em nossa fortaleza debaixo dos lençóis. – Mas tenho a sensação de que desde que estejamos juntos, tudo vai ficar bem. *
*Gregory concorda comigo. Ele sempre concordava porque nós sempre estávamos acima de qualquer confusão. Pelo menos fiz uma coisa certa quando o escolhi para ser meu melhor amigo. Ele me amava como se eu fosse novinha em folha e ele não ligava que os mentirosos da escola estivessem me chamando de mentirosa. Eu confio nele como um irmão, porque ele realmente me conhece. *
*Gregory está acariciando meu cabelo quando, prendendo minha respiração, lentamente, eu digo: *
*- Nada vai mudar, não para mim e para você. *
*- Eu sei, Dani. – Ele sussurra e me abraça apertado. *
*Eu confio nele. *
*Ele confia em mim. *
**** *
Hoje
Gregory estava me encarando, enquanto a sua pergunta ecoava em cada espaço daquela sala de interrogatório. Eu estava surpresa, jamais imaginaria que aquilo rodasse sua cabeça depois de tanto tempo.
Por que eu não o escolhi? Aquilo nunca foi sobre escolha. Então, com a voz embargada e lutando para que meus sentimentos não explodissem naquele momento, tudo que pude falar, foi:
- Dois corações em chamas sempre estão destinados a quebrar. – E dizendo isso, saí daquela delegacia quase correndo.
Enquanto pegava um táxi e seguia direto para a casa da minha mãe, eu me permiti chorar. Eu não aguentava o peso que o mundo estava colocando em meus ombros. Eu estava completamente sozinha, me sentia como se estivesse perdida em uma vida que não era mais minha. Eu só queria que tudo fosse mais simples. Gostaria de voltar no tempo e fazer tudo diferente. Minhas escolhas seriam prudentes. E com certeza, meu coração não se quebraria do modo que estava fazendo agora.
Quando o carro parou em frente à casa da minha mãe, enxuguei as lágrimas e adentrei aquela porta. Na sala, meus filhos estavam reunidos. Carolina e Mateus assistiam TV, mesmo que estivessem com celulares em mãos. Depositei um beijo rápido na testa de cada um e tudo que fizeram foi reclamar porque eu estava na frente da TV. Lidar com dois adolescentes era uma tarefa complexa.
- Onde está sua avó? – perguntei e Carol indicou a cozinha com a cabeça.
Caminhei até a cozinha e tive um susto no mesmo instante. Minha mãe estava ali, Isadora estava ali. E Ethan também estava ali.
- Meu Deus! – arfei e levei a mão ao peito. – Ethan, eu esqueci que você viria. Me desculpe. Você esperou muito?
Ele sorriu para mim e se levantando, veio em minha direção e depositou um beijo rápido em minha bochecha. Quase me desequilibrei quando o seu perfume embriagou meus sentidos. Eu me sentia tão estranha perto dele, como se todo o peso dos meus ombros de repente estivesse mais leve. Ele possuía uma magnitude que me puxava para ele. Mas eu sabia que precisava me manter longe, porque além dele ser meu advogado, eu não poderia me permitir sentir nada novamente. Nunca mais.
- Eu já separei todos os documentos que você pediu. Vou subir e te entregar. – Eu já estava na metade do meu caminho quando minha mãe me chamou.
- Não precisa, Daniela. – Ela disse enquanto cortava uma fatia de torta de maçã e entregava a Ethan. – Eu já peguei e entreguei ao rapaz. Mas por que você não me disse que ele era tão bonitão?
- Mãe! – repreendi, sentindo meu rosto queimar e tenho certeza de que minhas bochechas ficaram do mesmo tom que o meu cabelo.
Ethan sorriu e seu rosto também ficou vermelho.
- Mamãe. – Isadora me chamou com a boca toda pintada da cobertura de chocolate que comia sentada na mesa. – Ele é o meu novo papai?
Oh, meu Deus!
- Não, Isa. – Sorri, nervosa e me abaixei para sussurrar em seu ouvido. – Carol e Mateus estão assistindo na sala, por que você não vai até lá e pede para eles brincarem com você?
Minha caçula sorriu e beijou minha bochecha no meio de um abraço confuso. Em seguida, saiu correndo da cozinha.
- O que eu falei sobre esses comentários na frente da Isadora, mãe? – perguntei irritada. – Desculpe, Ethan.
Ele parecia não se importar e sorriu enquanto comia a torta que minha mãe o ofereceu.
- Eu só falei que era bonitão. E ele é. – ela deu de ombros e piscou os olhos para Ethan. – Não se preocupe porque ela também acha.
Ethan gargalhou e eu quis enfiar minha cabeça no chão.
- A senhora é muito gentil. – Ethan respondeu e ele parecia se divertir com minha mãe.
Revirei os olhos e pedi que Ethan me acompanhasse. Ele se despediu da minha mãe que foi muito enfática ao dizer que ele precisaria voltar para experimentar sua lasanha.
- Sinto muito por isso. – Eu sorri quando fechei a porta atrás de nós.
Ethan e eu estávamos na frente de casa e ele estava com as mãos enfiadas no bolso da calça jeans. Ele parecia tão mais bonito quando não estava com roupa social. Talvez minha mãe estivesse certa.
- Não tem problema, Daniela. – Ele sorriu para mim. – Eu gostei da sua família. Seus filhos são encantadores também.
- Obrigada. – Sorri orgulhosa.
No mesmo instante um arrepio gélido me subiu a espinha. Eu sentia como se estivesse correndo perigo, como se o mal se espreitasse. Olhei para todos os lados e bem na minha frente, em um beco, eu vi a silhueta de alguém me encarando. Eu não consegui decifrar o seu rosto, mas ele estava imóvel e me encarava por segundos intermináveis.
De repente, comecei a tremer. “É ele”, minha mente me alertava. Uma parte de mim dizia que eu só estava neurótica, que havia passado por muita coisa. Mas era mais que isso.
- Daniela, você está bem? – Ethan parou ao meu lado e seus olhos eram pura preocupação.
- Eu... – pisquei e minhas lágrimas começaram a descer. – Eu serei a próxima.
- Do que você está falando? – Ethan quis saber, suas mãos em cada lado do meu rosto, me fazendo encarar apenas seus olhos. – Olhe para mim. Agora respire.
- Ele está me observando, Ethan. – Minha voz saiu embargada e eu olhei através de Ethan.
Ele continuava lá, do outro lado. Pensei em ligar para Gregory, mas... Eu só estava travada.
- Quem, Daniela? O seu ex marido? – Ethan está me perguntando, parecia implorar para que eu falasse com ele.
- O assassino da minha amiga. – falei, as palavras me rasgando. – O maldito maníaco que está assolando a cidade.
- Ele fez outra vítima? – Ethan pareceu enojado ao perguntar.
- Sim. – Minhas lágrimas começam a descer copiosamente.
- Ei, Dani. – Ele me abraçou no mesmo instante e eu estava chorando em seus ombros.
Aquela sombra continuava do outro lado da rua me encarando. Sua silhueta no beco me mostrava a sua obscuridade.
- Isso tudo que aconteceu em você, te causaram traumas, Dani. – Ele sussurrou em meu ouvido. - E você agora está sofrendo as consequências disso. Isso te faz humana. Mas ele não vai se aproximar de você. Eu não deixarei. Você só está sofrendo.
Eu gostaria de dizer a Ethan que sua presença ali, naquele momento, fazia toda diferença para mim. Porque ele estava me apoiando em um momento de fragilidade onde eu precisava ardentemente que alguém segurasse o mundo junto aos meus pés e me lembrasse como respirar.
- Você está bem, Daniela Sanchez. – Ethan afirmou assim que me soltou e olhou profundamente em meus olhos.
A imensidão verde por trás dos seus olhos me prometeu que eu ficaria bem. E eu confiei nele.
- Como você sabe meu sobrenome? – eu perguntei, enxugando as lágrimas e sorrindo um pouco constrangida.
- Em seus documentos. – Ele explicou, levantando as pastas em suas mãos.
Fazia apenas dois dias que eu conheci o Ethan e essa era a terceira vez que ele me via chorando. Será que ele me enxergava como uma mulher paranoica e descontrolada?
- Como você consegue ser sempre tão centrado? – quis saber.
Ethan deu de ombros, sorrindo.
- Adivinha.
- Hm... – fiquei pensativa por um instante. – Drogas?
Ele soltou uma risada que aqueceu meu coração no mesmo instante, me vi sorrindo também.
- Na verdade, faço terapia. – Ele respondeu pacificamente.
- Uau, eu invejo você.
Nós dois sorrimos e nesse mesmo instante um Audi R8 surgiu naquela rua e parou bem em frente a calçada que estávamos. Fiquei em alerta porque ninguém naquele bairro tinha condições de ter um carro daquele. Exalava luxo e dinheiro. De repente a porta do carro foi aberta e meu coração começou a bater rapidamente outra vez.
Era Gregory. E com certeza, ele continuava me surpreendendo.
No mesmo instante, ele encarou Ethan ao meu lado, e ele estava com os braços ao redor dos meus ombros. Gregory forçou a mandíbula e seus olhos ficaram levemente semicerrados. O azul intenso estava sobre mim e mais uma vez, ele me dizia tanta coisa, mas dessa vez fui incapaz de ler. A áurea sombria e a indiferença havia voltado.
Quem é você agora, Gregory Martinelli?
- Daniela. – Ele falou meu nome e eu engoli em seco.
- Gregory.
Como era possível alguém que um dia fez parte de você, que te deu tanto, se tornar alguém que a única coisa que você sabia agora, era o seu nome?
- Você precisa me acompanhar. – Ele disse.
Eu engoli em seco e olhei através do beco em frente, aquela sombra acabara de desaparecer e Gregory não precisou terminar aquela frase para eu saber exatamente o que aquilo significava
