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Capítulo 4

Gregory

CAPÍTULO 4: ME DIGA

Não consegui pregar os olhos nem por um segundo na última noite. O que já era de praxe para mim. Cheguei na delegacia por volta das 7:00 da manhã e estava analisando os novos relatórios da perícia enquanto esperava a testemunha.

Foi dessa maneira que me forcei a pensar assim que Daniela bateu na porta da sala de interrogatório onde eu estava e adentrou aquele ambiente. Ignorei o quanto a atmosfera ficou pesada e como aquela sala de repente começou a esquentar. Diminui a temperatura do ar-condicionado e dizendo a mim mesmo que quem estava naquela sala era apenas mais uma testemunha e não a personificação de tudo que eu nunca pude ter na vida.

- Bom dia. – Ela falou enquanto segurava com força uma pasta contra seu peito.

Ela continuava me encarando, do mesmo jeito que fez desde a última noite quando nos encontramos. Os enormes olhos castanhos que pareciam me escrutinar e eu me senti rapidamente invadido.

- Sei que não estou com uma boa aparência. Não dormi há várias noites. Mas não precisa me encarar desse jeito. – Resmunguei, enquanto indiquei a cadeira pra ela.

- Não é isso. – Ela sussurrou enquanto se sentava, os olhos ainda presos em mim. – Você... Mudou.

- A vida aconteceu. – Encerrei por vez aquele assunto porque não poderia permitir que ela se aproximasse outra vez. – Podemos começar?

Daniela piscou os olhos rapidamente, abalada e mesmo assim, assentiu. Pelos seus olhos eu consegui notar que ela também não havia dormido nada na última noite e que havia chorado grande parte dela. Lutei contra mim mesmo para não a abraçar e dizer que pegaria aquele maníaco. Agora mais que nunca.

- Quanto tempo conhecia a vítima? – comecei a perguntar.

- Somos amigas desde a infância. Você sabe. – Ela respondeu, parecia incomodada com aquela pergunta.

Mordi a parte interna do meu lábio e ignorei seu último comentário.

- Sabe de algum caso romântico que a vítima teve recentemente ou se estava entrando em contato com alguém?

- Érica não falava com ninguém sem me contar. Ela estava muito focada em descobrir quem era esse homem por trás dessas duas mortes para se envolver com alguém. Posso confirmar, que desde que esse louco agiu pela primeira vez, tudo o que ela fez foi trabalhar para descobrir isso. Mas...

- Ela não conseguiu. Se tornou mais uma vítima porque eu falhei no meu trabalho. – Respondi secamente. – Você contou para mais alguém sobre o que encontrou na cena do crime?

Daniela negou enfaticamente com a cabeça.

- Bom. Espero que não conte sobre nada do que viu ou escreva sobre isso. Qualquer informação equivocada pode arruinar toda a investigação. – Dizendo isso, me levantei e segui até a porta. – Está dispensada, se precisarmos de mais informações, entrarei em contato.

Daniela se levantou no mesmo instante e caminhou até próximo a mim e então, pegou a maçaneta da porta e a empurrou, fechando a porta atrás de si.

- Eu não sou nenhuma desconhecida para você me tratar dessa maneira. – Ela sussurrou, tão próximo do meu rosto que involuntariamente meus dedos se moveram.

- Eu costumava conhecer você, Daniela. – Respondi de volta, me aproximando dela ao ponto de meu nariz roçar no dela. – Agora desconhecida é tudo o que você é.

Me afastei rapidamente dela outra vez e voltei a minha mesa, onde adicionei as novas informações que aquele depoimento me deu. Vi que Daniela continuava parada na minha sala, as sobrancelhas arqueadas. Percebi que ao menos a garota decidida que eu costumava conhecer, ainda estava ali.

- Eu não vou a lugar algum. – Ela se aproximou da minha mesa e jogou a pasta que trazia contra seu peito sobre ela e colocou as mãos sobre a mesa, seu corpo completamente esticado. – Você não vai me excluir dessa investigação. Eu vou ficar e você vai me contar tudo o que sabe. Assim como eu contarei tudo o que tenho também. Isso tudo se tornou muito pessoal para mim e eu não estou pedindo permissão a você. Ao menos que você mande me prender, eu ficarei aqui.

A encarei profundamente. Enquanto travava uma guerra interna entre arrastá-la porta a fora, ou jogá-la na minha mesa e beijar seus lábios atrevidos. Me odiei pelo desejo cru que senti, por deixá-la entrar na minha mente outra vez. Eu odiava a pessoa que eu me tornava quando Daniela estava por perto. Como se todo o esforço que fiz durante os últimos anos para me recuperar dela tivesse sido em vão.

- O que você tem? – cedi por fim e ela apenas indicou a pasta sobre minha mesa com seus olhos.

A contragosto peguei aquelas anotações e observei o que continha. Tinham fotos das duas últimas vítimas, assim como os outros dois poemas encontrados na cena do crime.

- Como você teve acesso a isso? – a olhei curioso e extremamente irritado.

- Érica. – Foi tudo que ela disse.

Folheei aquilo mais uma vez e notei que elas haviam montado um possível perfil psicológico do criminoso, assim como sua assinatura e modus operandi que elas suspeitavam. Criaram também um mapa comparativo dos dois lugares que os corpos foram encontrados criando assim o sistema de círculo para possíveis áreas de novos crimes ou sobre onde o assassino poderia se localizar.

Ao terminar de olhar suas anotações joguei a pasta sobre a mesa e a encarei.

- Que tipo de detetive você acha que eu seria se eu não tivesse encontrado tudo isso antes também? – cruzei os braços e percebi quando os olhos de Daniele se prenderam naquele movimento.

Ela engoliu em seco, mas logo se recuperou.

- O ponto é que você é detetive. Mas eu não sou. E eu encontrei do mesmo modo. Agora imagina tudo o que podemos fazer juntos.

Semicerrei os olhos para ela e eu queria muito que ela parasse de me provocar daquela maneira. Eu desejei profundamente que nada daquilo me afetasse e fiz o meu melhor para que ela não percebesse.

- Pronta? – perguntei a ela enquanto mostrava o quadro de investigação atrás de mim.

Daniela se sobressaltou no mesmo instante ao ver as fotos presentes naquele quadro. Os corpos das três vítimas e os detalhes da cena do crime. As interrogações daquele quadro e a maldita ausência do suspeito.

- Jéssica Harrison, 25 anos, recém-formada em direito. Karen Levine, 28 anos, diretora de uma agência de publicidade. Érica Alison, 32 anos, jornalista. Percebe algo em comum? – quis saber enquanto Daniela encarava aquele quadro de maneira analisadora.

- Sim. Todas são mulheres jovens e bem-sucedidas financeiramente e independentes. – Ela respondeu.

- E totalmente cheias de vida. Segundo os familiares das vítimas elas exalavam espontaneidade e energia positivas. O que nos leva ao seu padrão de vítimas: mulheres bem-sucedidas e independentes, cuja personalidade espontânea o faz se sentir atraído a atacar.

- Ao menos, nós sabemos que eu jamais seria uma vítima. A última coisa que sou é cheia de vida e bem-sucedida. – Daniela falou cruelmente de si.

- Humor ácido não combina mais com você. – Resmunguei irritado porque nem por um segundo eu poderia imaginá-la vivenciando qualquer coisa daquela.

- Não foi uma piada. – Ela sorriu para mim, me provocando.

Engoli em seco e fui rápido ao falar tudo que ela precisaria saber porque só mais um instante naquela sala e eu... Eu poderia me arrepender pelo resto da vida.

- Infelizmente, assassinos em séries não é um assunto atual. Eles permeiam a humanidade desde sempre, desde a idade antiga quando seus atos eram mascarados apenas por aniquilar o inimigo. – Voltei a explicar. – Aparentemente são pessoas normais que escondem de todos, a sua verdadeira identidade.

- Isso é assustador porque pode ser, literalmente, qualquer pessoa. – Daniela falou, e agarrou o seu próprio corpo. Apenas assenti.

- Então, eu estou traçando o perfil psicológico do assassino. De início, exclui a psicose porque a última coisa que ele é, é louco. O seu desvio mental se enquadra na psicopatia. E o serial killer psicopata vive uma vida dupla, mantendo uma aparência voltada para a sociedade. Sendo uma pessoa gentil, racional. Mas sua verdadeira identidade só é mostrada para suas vítimas. Ele não cria nenhuma ilusão na mente, porque ele vê claramente a realidade e sabe que é proibido matar, mas suas perturbações mentais os fazem ser frios e apáticos.

Daniela baixou os olhos rapidamente e eu me lutei a vontade de me ajoelhar frente a ela, encarar seus olhos e dizer que tudo ficaria bem.

- Quer que eu pare? – mas isso foi tudo o que disse.

Daniela negou rapidamente com a cabeça e então, eu continuei:

- O motivo do crime ou, a ausência dele, é o que vai importar para a definição do assassino. As vítimas dele parecem ter sido escolhidas ao acaso. Não acredito que ele as conhecia. Muitas vezes a vítima representa um símbolo. Ele apenas buscar exercer seu poder e controle sobre elas.

- Um ser incapaz de sentir pena e que obtém satisfação com a tortura e ao ver a vida se esvair da vítima. – Daniela completou, soltando uma longa respiração.

- Estamos lidando com um assassino de vazio emocional e que busca emoções fortes de forma impulsiva. Os poemas e a maneira que ele deixou o coração só prova isso. A insatisfação que ele sente. Ele deve encontrar algum motivo para se rebelar contra o sucesso pessoal dessas mulheres.

- O motivo pode ser psicológico e as provas observadas nas cenas dos crimes mostram as nuanças sádicas dele. Um filho da puta romântico. – Daniela completou meu raciocínio e eu fiquei surpreso com isso.

Apesar que houve um momento em que cada palavra que saia da minha boca era completada por ela. Houve uma época em que nada daquela complicação existia. Em um momento, houve um nós, onde aquele era o nosso mundo inteiro. Ao menos, o meu era.

Balancei a cabeça rapidamente e me obriguei a sair do meu devaneio.

- Estou buscando pensar como o assassino para entender como e o porquê se deu esses eventos. – Continuei. - E por isso a preservação do local do crime é de suma importância, do contrário, qualquer alteração do estado das coisas pode interferir negativamente na conclusão final.

- Como a que eu fiz, não é? – ela murmurou, os dentes mordendo o lábio.

- Sim. – Fui rude ao responder porque aquilo ainda me irritava. – Outro ponto... – voltei a falar e coloquei as três fotos dos corpos em frente a Daniela. - Ele tem uma precisão notável pela maneira que arrancou o coração das vítimas. Age como se tivesse cursado Medicina ou Anatomia humana pela maneira tão simples que ele fez isso.

Daniela observou aquelas fotos e rapidamente me entregou de volta, claramente afetada.

- Mas o fato é que ele é tão bom nisso porque não tem a sensação de estar profanando um corpo humano. Para ele arrancar um coração, é o mesmo que cortar um bolo ou um pedaço de pão. – Ela disse e eu jamais teria descrito de maneira tão precisa.

- O jeito que ele organiza a cena do crime mostra o seu narcisismo patológico, sua visão distorcida sobre sua superioridade. Ou a vã ilusão de que não pode ser pego.

- Não faz sentido a maneira que ele nem procura se esconder. – Daniela sorriu pesarosamente e voltou a levantar.

Ela andou sobre a minha sala e eu decorei cada movimento seu. Observei o desenho do seu corpo dentro de um jeans apertado e escuro, a blusa que colava em seu corpo e inferno, aquele corpo estava tão melhor do que eu criava em minha memória, perdido em tantas fantasias...

- Gregory? – Daniela me chamou, me arrancando do transe.

E foi quando percebi que estava no meu limite, mais um segundo com ela, e eu explodiria. Iria recair. E só eu sei o quanto tive que escalar para subir da última vez.

- Vocês já encontram um modus operandi?

- É... – Me recuperei lentamente.

Eu realmente precisava dormir.

- O seu modus operandi se encaixa em: suas vítimas serem aleatórias, mulheres bem-sucedidas e resolvidas, as ataca normalmente em lugares privados, as asfixiam e em seguida, arrancam seu coração deixando uma mensagem junto ele. Onde em parte, também se qualifica em sua assinatura.

Daniela assentiu e após respirar fundo, me encarou. Seus olhos me disseram tantas coisas e eu odiei me permitir ler os que eles me diziam.

Pensei sobre tudo que nós já passamos, e talvez eu estivesse voltando muito atrás ultimamente. De volta à quando o tempo parou e eu ainda a tinha. Eu sabia as pessoas mudavam e essas coisas aconteciam, mas naquele momento, eu me lembro como era antigamente.

“Nada vai mudar, não para mim e para você.”, me perguntei se ela lembrava quando me disse isso, foi antes que soubesse o quanto eu tinha a perder.

- Eu... Eu estou indo. – Ela quebrou o silêncio.

E eu me recuperei do transe doloroso que eu estava me jogando.

- Você tem o meu número. Se sentir que corre perigo, você sabe o que fazer.

Daniela assentiu rapidamente e murmurou um rápido “obrigada” e saiu em direção a porta.

E como eu sabia, as palavras que me fariam se arrepender pelo resto da vida escaparam dos meus lábios:

- Por quê? – perguntei, a voz alta e afetada.

Ela virou o olhar em minha direção no mesmo momento, as mãos girando a maçaneta da porta.

- O quê? – seu peito subia e descia quando perguntou.

- Por que você não me escolheu?

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