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Capítulo 2

Capítulo 2

|APOLO|

Eu observo Estela de longe, como sempre faço. Às vezes, penso que sou um fantasma rondando à sua volta, presente em cada festa, cada evento, mas sempre à sombra, escondido sob o manto da amizade que compartilhamos. Somos próximos, todos nós: eu, Rodrigo, e ela. Crescemos juntos nos últimos cinco anos aqui em Springfield, essa pequena cidade interiorana onde todos se conhecem. E talvez seja isso que torna tudo tão mais difícil. Estela é como uma extensão da minha família, e ainda assim, ela é a única pessoa que me faz sentir que estou traindo todos os códigos de amizade e lealdade.

Não consigo evitar. Sempre que alguém se aproxima dela, uma raiva silenciosa ferve dentro de mim. Eu disfarço, claro. Brinco, rio e faço piadas como qualquer outro amigo. Mas por dentro, estou alertando a todos: “Ela não está disponível. Ela é minha.” Nem mesmo Rodrigo percebe, e isso me dá algum alívio. Mas também me assusta. O quanto mais tempo eu posso continuar fazendo isso sem explodir?

Esta noite é uma daquelas típicas comemorações em Springfield. Uma festa ao ar livre, com luzes piscando entre as árvores, música alta e risadas ecoando pela praça central. A cidade é pequena, e todo mundo conhece todo mundo. Estamos sempre juntos. Às vezes, parece que somos uma grande família, e isso inclui, claro, Estela. Ela está conversando com algumas colegas, segurando um copo de vinho, e eu, no meu papel usual, fico à distância. Nem tão longe para parecer um estranho, mas não tão perto a ponto de ela perceber o quanto fico de olho em cada movimento seu.

Ela está rindo de algo que uma das garotas disse, e é impossível não notar o brilho nos seus olhos, o jeito como ela joga o cabelo loiro para trás quando está relaxada. Estela tem esse sorriso que me desarma completamente, um sorriso que parece sempre genuíno. Eu me pego observando o jeito como ela inclina a cabeça, o contorno do seu rosto em formato de coração iluminado pelas luzes da festa. É uma cena que eu poderia assistir para sempre, se não fosse pelo fato de que há sempre alguém tentando se aproximar dela.

E aí está ele. Um cara alto, mais ou menos da idade dela, se aproxima com um sorriso que me deixa imediatamente em alerta. Eu não o conheço bem, mas sei o suficiente para saber que ele não deve ficar perto de Estela. Meu corpo reage antes mesmo de eu decidir, e, num movimento quase automático, eu caminho até onde estão, sem parecer óbvio demais.

— Ei, cara! — eu o cumprimento, colocando uma mão firme no ombro dele. — Faz tempo que a gente não se vê.

Ele me olha surpreso, mas sorri de volta. Eu sorrio também, mas minha mente já está trabalhando. Tento soar casual, mas faço questão de me posicionar entre ele e Estela. Ela mal percebe, ocupada com as amigas, o que me dá o tempo perfeito para neutralizar qualquer aproximação indesejada.

— Vamos ali pegar uma bebida, o que acha? — Eu o conduzo, sem esperar por uma resposta. Ele não tem escolha, não agora.

Enquanto nos afastamos, meu coração desacelera um pouco. A cada vez que faço isso, sinto um misto de triunfo e culpa. Sei que estou sendo possessivo. Sei que Estela provavelmente nunca me perdoaria se soubesse o quanto manipulo essas situações, afastando todos os homens que se atrevem a se aproximar. Mas o que mais posso fazer? Não posso simplesmente assistir de longe enquanto alguém a rouba de mim.

E, honestamente, não sei se conseguiria suportar.

Depois de garantir que ele se distraia com outra companhia, volto para perto de Estela e Rodrigo, que está conversando com um grupo de amigos. Meu coração ainda está um pouco acelerado, mas me forço a parecer relaxado.

— Cara, você sumiu! — Rodrigo me cumprimenta, dando um tapa amigável no meu ombro. Ele está de bom humor, o que é um alívio. A última coisa que quero é que ele desconfie de algo.

— Estava só dando uma volta — respondo, tentando parecer o mais casual possível. — O que perdi?

Rodrigo me atualiza sobre o que estava acontecendo, mas meus olhos continuam grudados em Estela. Ela agora está rindo de algo que uma das garotas disse, completamente alheia ao fato de que, mais uma vez, eu evitei que alguém se aproximasse demais. Ela confia em mim, o que me faz sentir ainda pior por agir assim.

Nós três somos inseparáveis. Desde que Rodrigo e eu começamos a trabalhar juntos no nosso negócio que empreendemos juntos, passamos a compartilhar praticamente tudo. Estela sempre esteve por perto, como a irmã mais velha que Rodrigo tanto adora, e eu… bem, eu tive que aprender a conviver com essa proximidade sem explodir. E agora, vivendo como vizinhos de porta, essa proximidade é quase insuportável.

A festa segue, mas eu mal consigo me concentrar. Cada vez que vejo Estela conversando com alguém, minha mente vai a mil. Eu me pergunto se ela já notou algo, se já percebeu que eu espanto qualquer possível pretendente sem que ela sequer desconfie. Talvez seja melhor assim. No fundo, sei que ela nunca me veria dessa forma. Para ela, sou apenas o amigo do irmão. Um garoto.

Mas não sou um garoto. E isso, mais do que qualquer outra coisa, me corrói por dentro.

As horas passam, e em algum momento da festa, nos reunimos todos ao redor de uma fogueira. A música muda para algo mais suave, e vejo Estela se aproximar, sentando-se em um tronco ao lado de Rodrigo. Eu me coloco do outro lado dela, mantendo a conversa leve, tentando controlar meus instintos. Mas cada vez que ela me lança um olhar ou um sorriso, sinto uma onda de emoções tomar conta de mim.

Eu não sei quanto tempo mais consigo manter isso. A linha entre amizade e desejo está cada vez mais tênue, e minha paciência, cada vez mais curta.

À medida que a noite avança e as pessoas começam a ir embora, percebo que Estela está começando a ficar cansada. Rodrigo, bêbado e rindo alto com os amigos, não percebe. Mas eu sim.

— Quer uma carona para casa? — ofereço, me aproximando dela. Ela sorri, aquele sorriso doce e gentil que me desmonta por dentro.

— Aceito, obrigada — ela responde, e só a ideia de passar alguns minutos a sós com ela faz meu coração disparar.

Eu sei que estou jogando com fogo. Sei que não posso continuar vivendo nessa linha tão tênue. Mas quando se trata de Estela, a única certeza que tenho é que não consigo deixá-la ir. Não consigo desistir dela.

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