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CAPÍTULO 02

     A corrente era longa… parecia infinita naquelas águas, serpenteando como uma cobra e levando os navios até que os marinheiros não mais soubessem onde estavam.

     No primeiro dia, notaram que não conseguiam escapar daquele rio dentro do oceano. Sempre que tentavam, eram puxados para a espuma agressiva da água, presa àquele grande redemoinho deitando rodopiando poderosamente sem nada engolir.

    É uma potência veloz da natureza e não adiantava lutar. O capitão deu a ordem de consertar as velas e mastros e assim era feito enquanto a tripulação rezava para que encontrassem alguma ilha onde pudessem ancorar até se estabilizarem.

    Sem como fugir, os remanescentes eram obrigados a deixar o oceano conduzir seus destinos.

    Mas quando uma semana se passou, a comida já era pouca e o cheiro de mortos escravos era insuportável. Então sob aquele sol ardente com nenhuma nuvem para refrescá-los, os tripulantes começaram a arrastar seus cadáveres.

    Eram dezenas de mortos a cada dia. Escravos que não aguentaram o tormento, a fome ou a doença e se tornaram um peso adicional à embarcação. Dandara, castigada pelo sol, ajoelhada com nada além de uma esponja para trazer o mínimo de limpeza, também observava os corpos serem arrastados até ao convés.

    Havia mulheres esqueléticas, mal havendo volume entre os seios, pálidas, com lábios rachados. Um escravo a arrastava, lhe erguia na borda do navio e a empurrava para o oceano onde a corrente lhe engolia. Dandara podia ouvir o corpo se chocando várias e várias vezes contra o navio.

    O mesmo aconteceu com o velho em decomposição. A cintura estava quase se separando da costela e bichos caiam pela madeira conforme dois escravos garantiam que o senhor encontrasse o mesmo destino da mulher.

    Dandara continuou limpando… esfregando o muco, a menor podridão e passando seus dias com nada além de um pedaço de pão.

    Até que doentes passaram a serem lançados ao oceano, a começar por crianças. Garotos nus, desidratados, verdes e praticamente mortos.

    Eles ainda tinham forças para gritar ao encontrar a água violenta e se chocar várias e várias vezes a embarcação até que só fosse visível o seu sangue na correnteza. Dandara temia que, com a falta de comida e água, logo os escravos sadios tivessem que ser sacrificados.

    Os capitães sequer queriam trepar em meio às preocupações e mais um dia se passou. No oitavo dia, o sol se pôs numa beleza sobrenatural. O horizonte era como vermelho sangrento mesclado ao rosa e ao laranja em torno daquela majestosa bola de luz baixando para além da água. E quando a estrela finalmente se pôs onde o mundo acabava, a corrente marinha ganhava seu próprio esplendor brilhoso entre o negro do oceano.

    Ela rodopiava mais bela e perigosa do que nunca. Era a luz em meio às trevas que orientou por um caminho banhado pela mais estranha constelação que os marinheiros já presenciaram. Aos quatro navios, todos encaravam assombrados para o céu de outro mundo.

    Aquele padrão de estrelas não parecia natural, se enrolando ao manto da terra como uma teia de arranhada. Era um espiral incomum e perfeito, com a lua ao centro, grandiosa e mais perto de suas cabeças do que eles jamais presenciaram.

    O espetáculo acima de suas cabeças era tão impressionante que ninguém viu o que se formava abaixo. Os marinheiros apenas sentiram o navio balançar… raspando no que parecia ser baixa profundidade naquele mundo escuro e sem graça.

    Mas os olheiros nada viam além da corrente azul celeste naquelas águas escuras como breu. Não havia nada até as estrelas no horizonte… algumas se apagando como fogo e então se acendendo. Ele olhou mais um pouco, utilizando-se de uma lupa para entender o que acontecia.

    O navio balançou e a grande corrente se estendeu com furos negros e instáveis ao meio.

— ROCHEDO A FRENTE! — Berrou primeiramente — ROCHEDO A FRENTE! ROCHEDO A FRENTE!

    E a tripulação se agitou e a correria começou para o mínimo de controle possível em meio ao rio que os guiava. Todos de olhos bem abertos para identificar onde as estrelas se apagaram… onde a corrente se esquivava para prevenir uma surra ao navio.

    Com perícia de seu segundo capitão como piloto, com gritos de seu primeiro capitão e com homens as velas desviaram de um enorme pedregulho que nem aquele tornado deitado dentro da água conseguia quebrar e então se dividiu para duas extremidades como uma rodovia e aos poucos perdia o seu brilho afundando no oceano deixando apenas rastros de espuma para trás.

    A embarcação foi empurrada para a água que lhes devolveu o total controle de navegação, porém tão escura que nada enxergavam. O navio balançou e raspou em pedras que nem a luz da grande lua revelavam e tornou a viagem perigosa demais para prosseguir. Então lá ficaram eles… às cegas parados no mais completo vácuo à espera do amanhecer.

    O único brilho naquele mundo eram os vestígios de óleo de baleia queimando nas poucas luminárias restantes. Os capitães tinham que decidir seu destino e os navegadores as rotas. Não poderiam sobreviver à deriva e tinham que reencontrar o caminho para, no mínimo, algum lugar conhecido.

     E por horas se prenderam em suas cabines reavaliando a situação do navio e se comunicando através de berros para as demais embarcações. Demorou para o sol dar sinais de brilho ao tão aguardado leste, mas as notícias eram desanimadoras quando a água se tornou um tom mais claro do que a floresta de rochedos espinhosos onde estavam.

    Só havia dois caminhos por onde seguir: o que provavelmente vieram e o da frente. De leste a oeste, as rochas se erguiam melancólicas sobre a água, finas, cortantes e pontiagudas como facas irregulares de grande a pequeno nos mais variados tamanhos tamanhos com musgo e cracas molhadas pela água.

    Contudo, o amanhecer não trouxe apenas a revelação do ambiente em que estavam. Revelou também o que havia na água sombria que tanto chamou a atenção dos marujos de outro navio.

    Estava sendo levada pela leve correnteza, passando a frente do navio que ocultava e revelando-se a todos.

    Uma mulher.

    A mais bela que já viram.

    Ela tinha a pele tão negra como as africanas cativas, cabelos negros como ônix se mesclando ao azul dark daquele oceno. Era levada pela leve correnteza, boiando com finos braços abertos recebendo o sol da manhã em seus peitos redondos beijados pelo movimento d'água.

   E atrás dela… outra com um bronzeado divino. Todos correram ao convés para ver o sonho do paraíso com apenas parte do corpo exposto naquela piscina tenebrosa que engolia sua nudez inferior como um cobertor. Os homens queriam tirar aquele cobertor e contemplá-las mais de perto!

    Eram a mais bela das mulheres tão irreal que só poderia ser uma alucinação. Então outra surgiu do fundo negro da água, com a pele clara se revelando das profundezas com olhos fechados como se estivesse dormindo na mais confortável das camas com seus longos cabelos castanho avermelhado esparramados pela imensidão aquática.

    E então outra… outra e outra!

    O oceano encheu-se de mulheres desejosas em volta de todos os quatro navios, apreciando o sol, molhadas pela água e desfrutando dos olhares masculinos.

    Lábios voluptuosos e atraentes se abriram e antes que os homens pudessem entender o que acontecia, a mais bela das canções percorreu seus ouvidos. Sem letras, apenas o som de uma melodia capaz de percorrer seus nervos e os deixarem em êxtase.

    Que homem poderia resistir?

    Aqueles olhos se abrindo… passivas e misteriosas como o oceano em que estavam. Respirando aquele ar puro, inocentes como anjos, todavia pecaminosas ao tocarem seu peito, seus mamilos, passarem a mão pelo corpo e então uniram-se uma às outras num beijo gentil.

    A melodia percorrendo o corpo dos humanos, estimulando a libertação de hormônios sexuais. A visão delas se tocando e se esfregando… deixando os homens excitados.

    A língua das meninas se enrolando, os beijos no pescoço e os suspiros de prazer… algo entre as pernas deles começou a doer para se libertar, coçar e ansiar por estímulos.

   Não demorou para que um dos marinheiros libertasse seu pênis e se masturbasse. Depois outro e outro… loucos de tesão.

    A sensação gostosa, os arrepios, a cantiga e a cena que presenciava de mulheres carentes de sexo… de prazer, gemendo e se tocando para eles.

    E logo também escalando sorrateiramente os navios, grudando na madeira como as próprias cracas e se impulsionando para cima… deixando a água e seu mundo para chegar a outro. Primeiro os cabelos roçam pegajosos em seus corpos, a brisa fria do vento faz seus poros se encolherem e logo pernas longas e macias deixam um casulo melecado se separando e perdendo completamente a coloração viva.

    Escamas não passaram de gosma e as nadadeiras se encolhendo aos pés que passam a ter utilidade na escalada não importando o ferimento que ganhavam no processo. E então, eis que surge uma mulher ofegante, nua, molhada à espera de um homem.

   Seus olhos analisam os pênis a mostra e sentiram o cheiro de sexo impregnando o ar mais do que o próprio odor pungente dos marinheiros. De perto, eram como deusas do desejo, perfeitas e esculpidas pelo mais perfeito dos artistas.

    Exalavam inocência e vulnerabilidade quando passavam desajeitadas as penas para dentro da embarcação. Seus olhos pareciam querer ajuda, mas assim que o primeiro homem se aproximou… de seus lábios foi-lhe roubado um beijo.

    Não importava se era casado ou se tinha filhos quando o desejo consumiu o corpo do marinheiro e fez mãos sujas tocarem as nádegas daquela mulher. Nada importava além do desejo de afundar-se entre suas pernas e se deliciar.

    Gemidos poderosos atraíram a atenção para aquela cena no navio… o homem estocando fundo naquela bela mulher, indo poderoso e desejoso. O sexo que ele experimentava, os gemidos e até o mal jeito de se mover.

    Eles queriam aquilo.

    E havia mulheres de sobra para eles.

    Escalando os navios… para foder.

    Escadas e cordas foram lançadas à água para pescarem suas sereias. Cada uma com uma deixando a água escura e se amontoando no navio em busca de um pau para sentar.

    E então aconteceu… o primeiro orgasmo. O homem se estremecendo concentrado naquele prazer surreal de ejacular dentro da vagina úmida e quente.

    Foi apenas o começo. A mulher que recebia sua carga suspirou alegre e investiu contra o humano… querendo mais. E teve. Teve tudo dele, toda sua energia e todo o esperma que queria.

    Um navio havia virado um completo puteiro de sexo e prazer onde nem mesmo os cativos no porão escaparam delas independente de houver a esposa ao lado. O sexo predominou o ambiente enquanto as outras três embarcações permaneceram em êxtase do desejo.

    Primeiro uma… depois a outra.

    Quando as mulheres começaram a escalar o segundo navio… os homens que transavam não aguentavam mais prosseguir. Estavam exaustos de gozar.

    E elas não aceitaram esse fato.

    Queriam que aqueles pênis molengas em sua vagina se endurecessem e ejaculassem… mais! E forçaram o ato, descontentes.

    O que antes era agradável passou a se tornar um pesadelo quando o encanto acabou e os humanos empurraram as mulheres de cima deles. A raiva percorreu a face delas e pior ficou quando notaram o esperma vazando de entre suas pernas.

    Um grunhindo de insatisfação foi dado quando a sereia tornou a avançar contra o homem.

    E apanhou.

    Todas as outras pararam o ato para morarem seus olhos no agressor.

    E também agrediram, se arrastando nas embarcações como demônios aleijados em busca daquele humano. Mas nenhuma era forte o bastante para derrubá-lo e certamente uma espada e uma arma em punhos poderiam surgir um efeito sobre a pele fraca que possuíam.

    Um tiro na cabeça e a primeira mulher morreu. Um movimento certeiro e sangue jorrou da garganta da segunda. Elas correram.

    Mas os homens as perseguiram.

    As que escalaram o navio retornaram num salto para dentro da água, sentindo a fluidez do oceano e o ganho de suas velocidades para investir contra as embarcações atrás de homens e de suas irmãs. O primeiro navio chacoalhou e homens pelados de cabo a rabo se manifestaram.

— PREPAREM OS CANHÕES! — Os capitães dos demais navios gritaram.

— AS MANTENHAM LONGE!

— PREPAREM AS ARMAS!

— ICEM AS VELAS!

    As rajadas de tiro se chocaram contra as águas… poucas balas de fogo afundaram para tentar acertá-las. Oscilações deixavam seus lábios quando um chamado afiado percorreu os ouvidos de toda criatura ambiente.

    Ondas magnéticas vieram as águas e sereias de todos os cantos se voltaram contra o primeiro navio. Havia irmãs no porão, trepando com os escravos e agora presas a mercê da morte e impedidas de retornarem ao oceano.

    Tornas mergulharam para onde os tiros e as explosões não as alcançavam. Todas foram tão fundo que a corrente marinha que as trouxe pode ser vista rodopiando seu azul majestoso ao longe. E como um cardume, se enrolaram fazendo uso de poderosas nadadeiras para nadar em espiral.

    Na superfície, restava apenas a água calma e passiva com homens concentrados demais no que há a fora para ver quem estava em seus porões.

    E então… a água se moveu.

    Começou a rodopiar lentamente à frente deles e um buraco se formando ao centro.

— REDEMOINHO! — Gritaram.

    Todos assumiram seus postos para fazer o navio se mover daquela localização. E todos foram, passando pelos espinhos que brotavam da água escura e fugindo daquele casulo.

     Mas um ficou.

     A força do redemoinho era poderosa o bastante para impedir que um exato navio fosse impedido de seguir os demais. Os homens só puderam observar o oceano negro sugar seus aquela enorme embarcação, jogando contra os espinhos rochosos e pouco a pouco ser engolido e destruído com homens gritando por socorro.

    Quando a água invadiu o porão, as sereias assumiram o que eram: predadoras. E com sua mortífera eficácia, tomou todo homem e mulher que desejava para si e as futuras crianças que conseguiram para si.

    Ao longe só foi visto elas saltarem sobre a água com golfinhos reluzentes e felizes, no mais diverso colorido. E então, perseguiram os demais navios, movendo velozmente as nadadeiras e saltarem vários e vários metros ao ar disposta a pegarem sempre mais um homem.

    Os canhões soltaram sua carga no ar e espingardas estavam a postos para lutar por suas vidas. As três embarcações se espremeram uma atrás da outra num conjunto estreito de rochedos onde navios ainda mais antigos naufragaram.

    O terceiro navio balançou… raspando e estremecendo aos espinhos. Homens foram ao chão e o azarado foi quem se desequilibrou e caiu na água. Em questão de segundos, uma sereia já estava a frente dele com seus longos cabelos avermelhados esparramados e os olhos verdes analisando-o.

    Nenhuma bolha de ar deixou seu nariz e os lábios se entreabrindo num formoso sorriso. Parecia não ter mais do que 18 anos e já caçava, circulando o homem com sua cauda ardente junto com suas irmãs.

    Muitas outras passaram por eles, um exame infinito loucas para procriar e comer. Todas fêmeas num emaranhado de peitos, cabelos e caudas nas mais infinitas e velozes cores.

     Os navios prosseguiram desesperadamente pela água, raspando nas rochas e então avistando a liberdade… conduzida pelo ressurgimento da corrente marinha e toda sua mortal beleza. Havia escolha? Também era a única saída e bastou serem mais uma vez puxadas para ela e as mulheres encerraram sua perseguição.

    Ficaram lá, paradas, com apenas olhos raivosos fora da água, mas incapazes de prosseguir. Elas tinham conhecimento o suficiente de sua casa para não arriscar a sorte naquela corrente cuja extensão chegava ao fim dividida em três destinos diferentes e opostos.

    As mulheres recuaram para sua água escura repudiando todas as opções. Predadores mais perigosos poderiam se banquetear de suas almas.

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