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CAPÍTULO 01

    Estava doendo… ardia e machucava.

    Mas Dandara tinha que permanecer naquela posição.

    Humilhante!

    Vergonhoso!

     E fingir gostar de empinar a bunda para que seu senhor pudesse se deliciar com sua vagina. Seu rostinho dolorido permanece em contato com a madeira, esfregando-se como uma esponja na sujeira. A ponta da mesa machuca sua barriga e os gemidos se misturam com o som do mar.

    Ah! O mar tão pacífico, tão puro e limpo, cheio de vida e mistério. É algo muito diferente daquele navio.

    E um sonho que qualquer escravo jamais poderia alcançar, mas que muitos tentariam. Se não estivessem acorrentados no porão, será que algum se jogaria ao oceano? Dandara certamente queria.

    O cheiro de sexo se mesclava ao salgado, ao de urina e suor. A higienização de um navio em 1705 não era exatamente… boa. Não era agradável ter o capitão da embarcação — um homem de estatura média, com sua barriga grávido de vinho e cerveja barata — esfregando o pinto no seu canal seco e sensível.

     O móvel rangia na cabine e a cada vez que o movimento da água balançava a embarcação, maior é a dor. E quem se importa? Dandara é uma mulher, uma escrava e deliciosa o suficiente para agradar qualquer homem que a queira.

    O seu maior crime era ser negra.

    E agora estava mantida num navio negreiro sendo transportada do Brasil para Portugal. A remessa era grande, com mais de 400 escravos amontoados nos porões escuros, úmidos, sujos e fétidos em uma das quatro embarcações.

    Ao todo, deveria haver quase 2 mil escravos entre a vida e a morte, marcados pelo sangue e pela cor. Homens, mulheres, velhos e crianças… todos meras mercadorias a ser usados.

    A vida não era fácil para quem tinha a mescla perfeita de sangue africano com os nativos do Brasil. Pior ainda quando se é a filha bastarda recém descoberta de um português. Havia muitos que queriam Dandara longe daquele continente, do estado da Bahia onde nasceu como filha de uma africana.

    Mas ela era uma mulher. Tinha peitos e vagina para os homens lhe enfiar o pau e se satisfazer. Ninguém iria impedir. Ninguém se importava. E muitos a consideravam sortuda.

    Dandara não tinha ideia do que era pior! Morrer no porão acorrentada, com fome e sede, a deriva de doenças e da morte ou ter que aguentar o capitão do navio lhe usando por mais uma vez. Já não havia mais lágrimas para chorar quando os gemidos ficaram mais altos que o som da tripulação e os movimentos mais frenéticos e urgentes.

    Seu cabelo foi puxado para trás até que o pescoço ardesse com a exposição e não mais aguentasse se esticar. A mesa mais do que nunca estava machucando sua barriga, deixando marcas quase tão recentes quanto as das correntes que perderam seus pés. O capitão estava quase chegando ao ápice de sua própria libertação. Ele se mexia necessitando da sensação de gozar.

    Palavrões deixavam sua boca e ofensas eram proferidas contra o corpo da escrava.

    O pau já pulsava no limite e ele não pretendia tirar do canal vaginal. O homem estava embriagado pelo próprio prazer e o vinho.

    Quase…

    Quase.

    Quase!

    Um estrondo grotesco empurrou o navio, os móveis, os mapas e eles ao completo caos.

— Puta que pariu! — Não adiantava grunhir e muito menos ter tempo para expressar sua frustração! Não quando o lugar inteiro estremeceu e os gritos de homens nervosos competiam com o do oceano.

    O capitão tinha que se levantar e ver o que havia acontecido, mas um novo estrondo moveu todo o navio para o lado e Dandara foi junto, se chocando contra ele e o derrubando antes que conseguisse ajustar o pau dentro das calças.

— Saia da minha frente, vadia de merda!

    O empurrão não foi menos doloroso que o salto da embarcação sobre a água. Era suficiente para os dois saírem do chão e serem novamente puxados pela gravidade onde o comandante caiu em cima dela.

    O peso a esmagou e a cotovelada que ganhou no abdômen tirou-lhe todo o ar. Os hematomas devem ter se intensificado pelo corpo dolorido quando o homem finalmente fechou a calça e engatinhou sobre o chão instável apenas para abrir a porta da cabine e ser lançado para trás com jorrada pesada de água salgada. O impacto molhou todo o cômodo e levou o português para o outro lado do recinto.

    Mapas foram molhados, vidro estraçalhado e anotações perdidas. Qualquer objetivo foi lançado ao chão e muitos se perderam quando a água recuou. O oceano estava furioso chacoalhando o navio como o mais cruel dos terremotos balançaria uma casa.

    Ondas poderosas faziam o faziam pular de proa a popa e homens eram jogados a correnteza poderosa do oceano sem chances de sobrevivência. Relâmpagos iluminavam o céu em estrondos que poderiam identificar o fim do mundo.

    Talvez o apocalipse realmente tenha chegado.

    Os navios eram jogados para todos os lados mantendo a estabilidade no limite do naufrágio. A chuva caia selvagens sobre as cabeças e o próprio ar os afogava. Um navio se chocava contra o outro e, ao mesmo tempo, eram empurrados para o além onde não passavam de borrões na noite nebulosa.

    A única luz era o raio.

    A única segurança talvez fosse as correntes de escravos os mantendo presos no porão… se não estiver alagado, se não estiverem sendo enforcados, se não estiverem feridos pela fúria do oceano.

    A noite era o mais completo breu como se as estrelas tivessem se apagado e luz não mais existia.

    Mas quando o dia clareou, nada foi visto. Uma nevoeiro denso caiu sobre a água balançando de lá e cá… ainda acalmando seu coração agitado. Quando Dandara saiu da cabine não via nada além de vultos na gravidade e o ranger de seus passos.

    Então os gritos dos marinheiros começaram como forma de localização melhor do que tatear a madeira, o metal ou qualquer outra coisa que pudessem se segurar conforme a água pouco a pouco ficava mais calma. Dandara estava tonta. Seu estômago embrulhava com o cheiro salgado, com luminárias quebradas e óleo de baleia derramado em meio às algas.

    A madeira estava escorregadia e o odor de peixe morto também era pungente aos dos escravos no porão. Demorou para que a neblina melhorasse, no entanto, ainda era densa o suficiente para que a água mal fosse vista.

    Contudo, o navio estava se movendo, tomando seu próprio curso independente de ninguém estar conduzindo. Ambos os capitães estavam preocupados demais avaliando os danos de proa a popa. Seus gritos eram os mas escandalosos.

    E ao meio dia, quando o sol deixou a gravidade mais quente e retirou mais da metade da neblina, os demais navios foram avistados. Todos igualmente danificados, com velas rasgadas e mastros comprometidos, um grande número de marinheiros desaparecidos e escravos mortos.

    E todos se movendo para a mesma direção por aquela anomalia aquática abaixo do navio.

    Era como uma tromba d'água deitado debaixo da água, serpenteando pelo oceano como um rio agressivo no meio do oceano. Era uma verdadeira corrente marítima, tão poderosa que sua ira era perfeitamente visível em meio a espuma que formava na superfície e tão larga que levava quatro grandes navios lado a lado sem o mínimo problema para o desconhecido do oceano.

     Era o impacto espumoso de dois oceanos. De um lado, o oceano Índico mais azulado e no outro, o Atlântico mais esverdeado.

    Não é comum… mas acontece. De tempos em tempos as correntes marítimas podem sofrer uma deturpação em seu ritmo e, por um momento, mudarem antes de se estabilizar.

    A tempestade provocou tal mudança e antes que pudessem se recuperar, a poderosa corrente os levou como uma canoa ao rio. E agora… águas não mapeadas e desconhecidas os aguardavam e criaturas monstruosas os esperavam. Que Deus os ajude!

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