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Beliarte

Estampidos e clarões por todo lado, as pessoas próximas corriam e gritavam lançando objetos, atirando umas nas outras ou a esmo na vã tentativa de se proteger. Eu estava assustada, me agarrando a camisa de Cristian como se pudesse me salvar.

- Temos que voltar.

- Aqui não, precisamos de um lugar tranquilo. Não posso me concentrar.

- Cristian? Estamos no meio de uma batalha, não há um lugar tranquilo.

Ele olhava de um lado para o outro, o semblante tenso do jeito que me deixava em alerta.

- Não me solta.

Eu assenti. Cristian segurou minha mão e me fez levantar atrás dele, demorou apenas alguns metros para entender o que ele queria.

- A sala comum? Cristian. É arriscado, fica do outro lado do internato.

- Se Antonio estiver aqui ele com certeza protegeu os alunos mais novos lá. É onde está mais tranquilo, na sala dele também.

- Então vamos pra lá, é mais perto.

- Beliarte? - nos viramos na direção da voz e ele ficou na minha frente para me proteger.

O garoto moreno e alto não esperou ou questionou, seus golpes com um machado foram bloqueados por Cristian de imediato, coloquei a mão por cima do ombro do meu namorado e tentei ajudar, mas ele me empurrou para trás nos escondendo atrás de uma pilastra parcialmente em pé.

- Quem é ele?

- Eu não sei.

- Porque está nos atacando?

- Eu não sei, Isa. Só confia em mim.

Eu assenti. 'Confia em mim' era a nossa frase, ele dizia e eu aceitava. Cristian me mandou correr e eu não esperei, assim que ele se virou e iniciou uma luta intensa com o garoto enquanto eu seguia para as masmorras, olhei para trás e vi Cristian se aproximar se abaixando vez ou outra para fugir de um ataque.

Parei na frente da única porta inteira, a sala de ensino religioso, Cristian derrapou ao chegar até ela e o puxei para dentro batendo a porta logo depois.

Eu o abracei, tão forte quanto pude e recebi alguns beijos na testa antes dele me soltar.

Me perguntei se os ouvidos dele também zumbiam como os meus enquanto ele olhava em volta.

- O que está procurando, Cristian?

- Qualquer coisa.

Eu entendi que ele estava curioso e preocupado com tudo isso, queria saber quando e o que estava acontecendo, eu também. Era como um pressentimento.

Passei os dedos sobre os papéis em cima da mesa e vi um recorte de jornal. O título fez meu corpo estremecer.

- Esse é você?

Cristian tirou o recorte da minha mão e se virou de costas, na foto um homem com aparência muito parecida a dele mas muito mais velho lançava uma maldição a partir de suas mãos, no título em letras garrafais dizia 'O Reinado de Terror de Sir Beliarte'.

Ele ficou quieto enquanto lia e um bom tempo depois disso, também. Eu dei um minuto a ele mesmo preocupada com a situação.

- Esse ataque é por mim.

- Eu não entendo, porque você fez isso? Temos que achar um jeito de impedir.

- Impedir? Essas pessoas estão dando a vida por mim, nenhum homem jamais conseguiu isso.

- Eles estão morrendo, destruindo a escola e porquê? Por poder como diz aí? Cristian, você é o vilão - ele me lançou um olhar furioso que ignorei como todas as vezes - sei que não gosta da sua posição e quer ser poderoso, mas está matando crianças.

.

Ele encostou na mesa mantendo o jornal nas mãos, os olhos distantes, concentrado em seus pensamentos. Me aproximei devagar e toquei seu ombro com suavidade.

- Você me deixou - sua voz saiu arrastada.

- Eu? Não. Como pode dizer isso?

- Eu tenho sentimentos ruins, Isa. Raiva, ódio e desespero... queimando dentro de mim - Cristian apontou para o próprio peito, era possível sentir a angústia na sua voz - mas você me acalma.

- E sabe que pode contar comigo sempre, eu aguento a sua raiva.

Eu sorri para ele, Cristian passou a mão suavemente pelo meu rosto, seu toque macio me fez fechar os olhos por um momento.

- Mas se eu me tornei isso, você não estava comigo, uma coisa anula a outra.

- Não. Cristian, eu te amo. Não vou deixar você nem em um milhão de anos. Nós vamos voltar, e eu vou ficar com você, não deixaremos que nada disso aconteça.

- Isa...

- Cristian, você não é ruim só precisa ser amado. Promete que vamos consertar tudo.

- Se você estiver comigo, eu posso ser bom.

O envolvi em um abraço apertado, medo corria por minhas veias mas eu estava confiante, em dois anos Cristian progrediu tanto, já não tinha pesadelos e conseguia ter um dia normal sem que a raiva o fizesse fechar os punhos com tanta força que causava calos em seus dedos.

Ouvimos um barulho alto do lado de fora e a porta foi sacudida, corremos para a sala ao lado e nos vimos no escritório de Antônio. Estava igual ao que conhecíamos, mas com muito mais fotos.

Ouvi Cristian fechar a porta mas minha atenção estava toda na cômoda em frente, as dezenas de fotos em cima não me interessavam em nada mas a placa pendurada na parede fez meu coração doer, apertado na minha caixa torácica como se ela se fechasse.

- Isa, vamos. Agora.

Sua voz parecia distante como um sonho, era como se ao ler a placa tornei aquilo real, eu já não existia mais. Cristian agarrou meu braço com urgência, mas meus movimentos se limitaram a virar a cabeça para ele.

- Você tem razão, eu não fiquei com você.

- Vemos isso depois.

- Não porque não te amo - apontei para a placa com minha foto onde dizia 'em memória de Isabela Maria Esposito, aluna excepcional' - eu morri.

O choque nos olhos dele foi imediato, Cristian balançou a cabeça em negação e olhou para mim.

- Vou cuidar de você, isso não vai acontecer, eu prometo - ele pareceu sincero mas nenhum 'confia em mim'.

- Cristian, não sabemos como vai acontecer, eu posso cair da escada ou ter um ataque dormindo.

- Então eu vigio seu sono e ando atrás de você todo tempo.

- Ou escorregar no piso molhado, ou engasgar com a comida.

- Eu conheço um jeito para desengasgar e posso criar outros, posso andar com você todo segundo.

- Não quero viver assim.

Ele finalmente se calou, entendendo o que eu queria dizer, seu rosto relaxou e eu pude jurar que haviam lágrimas em seus olhos.

- Eu sei. Mas se eu voltar sem você, como vou explicar isso.

- Não vai.

- Seus pais vão sofrer, sabe disso.

- Se eu morrer também.

- Isa? Não pode ficar aqui.

- Não há outro jeito.

Cristian suspirou e pegou minha mão me apertando contra o peito dele, levantei o rosto para encontrar seus lábios. Meus olhos estavam tão carregados que mal podia enxergar e quando os fechei, lágrimas pesadas escorreram pelo meu rosto.

- Certo, mas vou voltar para te buscar, está bem? Espere aqui.

- Quando?

- Eu vou resolver tudo, vou acabar com essa guerra e impedir tudo isso - ele pegou o jornal e olhou a data - 2.000.

- São 56 anos.

- Para mim, mas serão só alguns segundos pra você.

Ele segurou o medalhão de São Valentim com força e se afastou de mim, eu estava apreensiva mas jamais duvidei de suas promessas.

- Eu te amo, Isa.

- Eu também te amo, até logo.

No segundo seguinte ele já não estava mais ali, foi assustador me ver sozinha, voltei a encarar a placa que foi sumindo dando lugar a uma pintura de natureza morta. Os sons foram diminuindo até sumir totalmente e até as paredes rachadas voltaram a se reintegrar.

Enfiei a mão no bolso sentindo o bilhete que me passou na aula, tentando tirar daquela folha de papel a confiança que Cristian me dava.

Me virei para porta esperando que ele passasse por ela a qualquer momento, mas eu não estava preparada para o que entrou ali.

- Olá, Isabela.

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