Prólogo - A Traição
- O que foi? Você pensou que fosse especial? Coitadinha… - Tiffany falou, zombando, enquanto olhava com asco e pena para Emma e se levantava da cama, não fazendo qualquer esforço para cobrir o próprio corpo nu.
E por que ela precisaria se cobrir, quando tinha aquele corpo estonteante e perfeito? Emma pensou.
Ela chacoalhou a cabeça, tentando se livrar daqueles pensamentos nada agradáveis. Tinha passado tanto tempo treinando a sua autoestima desde que terminou a escola, não queria que uma simples traição trouxesse todos os seus medos de volta. Afinal, Hunter era só um cara. E Emma era jovem. Teria a oportunidade de conhecer outros caras, não teria?
É claro que teria. Ela garantiu a si mesma.
Reuniu toda a sua dignidade e, sem olhar para qualquer um dos dois, deu meia volta e saiu do apartamento de seu namorado.
Quero dizer, ex-namorado.
Ela tinha ido vê-lo, querendo fazer uma surpresa depois do seu turno no trabalho, mas quem foi pega de surpresa foi ela.
Emma Moore era inteligente, mas talvez fosse um pouco ingênua ou cega, porque não chegou nem perto de desconfiar que o seu namorado estava trepando com a sua melhor amiga.
Agora ela entendia o olhar que o porteiro lhe lançou quando ela pediu para subir sem ser anunciada.
E quando viu Tiffany em cima de Hunter, cavalgando ele com mais habilidade do que Emma tinha, ela finalmente entendeu todos aqueles olhares que eles trocavam, acreditando que estavam sendo discretos, ou os olhares raivosos que Tiffany costumava lhe lançar sempre que Hunter a beijava, ou mesmo as sumidas dele sempre no mesmo horário que Tiffany parecia estar ocupada também.
Parada na calçada, olhou para cima quando mais um relâmpago rasgou o céu, deixando cair uma chuva torrencial.
Só podia ser karma… Ela pensou, bufando, e começando o longo trajeto a pé até a sua casa.
O mais estranho de tudo isso, ela ainda sentia-se em choque, fazendo as coisas no automático e revivendo aqueles infinitos minutos quando sentiu que estava sozinha enquanto todos conspiravam contra ela.
Diferente dos filmes e das novelas que assistia, Emma não havia chorado, gritando ou agredido sua melhor amiga ou o seu namorado. Não. Sequer conseguiu derramar uma única lágrima.
O que há de errado comigo? Ela pensou, enquanto caminhava e se esforçava para que seus olhos soltassem alguma lágrima.
Mas não havia nada.
O esforço que fazia para chorar era tanto que beirava o ridículo.
Até que ela desistiu e percebeu que, definitivamente, algo estava errado com ela.
Ou talvez fosse o choque de descobrir aquilo. Ela refletiu, afinal, aquele homem que estava na cama com a sua melhor amiga era o homem que Emma tinha amado em segredo por três anos antes que Hunter tomasse a iniciativa e a chamasse para sair.
Três anos.
Era suposto que ela derramasse, ao menos, um litro de lágrima por cada ano perdido de sua vida, desejando um homem que nunca seria dela.
Sim, pois Hunter era de todas.
Emma havia sido cega sobre o “relacionamento” que ele e Tiffany tinham, mas ela não era ingênua de pensar que Hunter a havia traído apenas com sua melhor amiga.
Ela estava ensopada e quase chegando em casa quando ouviu o ronco de uma moto passar pela rua. Emma tapou seus ouvidos, odiava o barulho agudo que algumas motos faziam quando passavam em alta velocidade.
Mas não foi esse o caso. Espantou-se ao ver que a moto havia parado ao seu lado.
Ela olhou para o motorista, assustada, quando o homem disse:
- Ei, quer carona?
- Não. - Ela foi curta e grossa, querendo se ver livre daquele estranho que parecia estar tentando tirar vantagem dela.
Ele riu e Emma arrepiou-se inteira com aquela risada.
Não parecia a risada de um violador de mulheres, parecia a risada de alguém que não precisava usar artifício algum para ter todas as mulheres aos seus pés.
Mas se todo estuprador tivesse uma risada sinistra, nenhuma mulher cairia em sua lábia. Emma disse a si mesma, preparando-se para correr. Sua casa estava apenas a alguns quarteirões de distância.
O estranho, então, retirou o capacete, sorrindo abertamente em sua direção.
- Não me reconhece mais, pulga? - Ele perguntou, rindo da cara dela.
“Pulga”? Só havia uma pessoa que a chamava daquele jeito… Emma recordou-se.
- O que você quer? - Ela perguntou, irritando-se por aquele idiota estar se metendo com ela de novo. - Você não tem mais o que fazer além de incomodar?! - Ela o atacou.
- Ei, calma aí. - Ele falou, erguendo suas mãos em sinal de rendição - Estava apenas oferecendo carona para uma amiga que…
- Não somos amigos! - Emma o interrompeu, avançando para cima dele - Você não tem porque me oferecer carona! Apenas siga o seu caminho!
Ela não sabia o que a deixava mais irritada. Se era o fato de que Daniel Baker tinha muitas amigas, transava com todas elas e estava insinuando que eles eram amigos, ou se era o fato de que ela não tinha em quem descontar a sua raiva naquele momento e estivesse fazendo em alguém que não tinha culpa nenhuma da tragédia que foi o dia dela.
- Está bem. - Daniel falou, acelerando sua moto e largando-a no meio da chuva sem qualquer outra palavra.
Quando se está magoado e sentindo-se sozinho, não há nada pior do que perceber como a última, ou melhor, a única pessoa que foi gentil com ela, lhe virava as costas e ia embora.
Finalmente, as malditas lágrimas derramaram de seus olhos, embora não fosse pelo sentimento de coração partido, mas sim pela sensação de estar só, definitivamente só.
O infame Daniel Baker a havia feito chorar, coisa que nem mesmo o seu estúpido namorado traidor e sua cretina melhor amiga haviam conseguido fazer até aquele momento.
Idiota. Ela pensou. Custava ele insistir um pouco mais? Eu teria subido na garupa daquela moto, mesmo que eu odeie motos…
Inconformada, e ainda mais irritada, Emma voltou a andar os últimos quarteirões até a sua casa.
Talvez, parte de sua irritação viesse do fato de que Daniel Baker, o idiota, a tinha visto naquela situação, e provavelmente teria algo engraçado para dizer sobre isso pelos próximos meses.
E ela não estava afim de ouvir suas besteiras.
Não sobre aquilo.
Não sobre aquele dia.
Não sobre o pior momento de sua vida.
Mas ela sabia que seria inevitável escutar algum comentário, dele ou de qualquer outra pessoa, então era melhor que ela se acostumasse com aquela situação de uma vez.
Emma suspirou, resignada, avistando sua casa ao longe e correndo para lá.
Abriu a porta, tremendo de frio, e pingando água em todo o hall de entrada.
Sua mãe ficaria extremamente brava com a poça que começava a se formar debaixo de seus pés. E era tudo culpa de Hunter e da vadia da Tiffany.
Esperava que sua mãe já estivesse dormindo, e não a visse chegar naquele estado, ou Emma ainda teria que dar satisfações sobre algo que ainda não estava pronta para falar.
Ainda era cedo para que sua mãe estivesse na cama, mas mesmo assim…
- O que aconteceu com você? - Uma voz interrompeu seus pensamentos e Emma abriu os olhos, percebendo que, não apenas sua mãe a olhava curiosa, como também seu pai.
- Qual é a chance de que vocês deixem isso para lá? - Emma perguntou, suspirando, resignada.
- Quando você chega cedo da casa de Hunter e nesse estado? Eu diria que há uma estimativa de zero porcento de chance de que eu ignore o fato de que a minha filha está encharcada, chorando, tremendo de frio e chegou sozinha, no meio da noite, implorando para que seus pais a deixem em paz. - A sua mãe retrucou, não parecendo nada feliz e exigindo uma explicação.
Seu pai também não parecia contente, e esperava que ela começasse a falar.
- Pode ser depois do meu banho? - Ela tentou protelar o inevitável. - Estou congelando.
- Então é melhor você começar a falar rápido, antes que termine de congelar e me deixe sem explicações. - Emily Moore era implacável quando queria alguma coisa, obviamente, ela não daria chance alguma de sua filha ter tempo de pensar em alguma mentira convincente.
- Ok, já entendi. - Emma falou, puxando uma das cadeiras da mesa de jantar para poder se sentar.
- Não. - Sua mãe a impediu, retirando a cadeira de sua mão - Você está molhada, não vai estragar o estofamento dos meus móveis. Fique aí mesmo.
Sua mãe não a deixaria nem mesmo sentar para ter essa conversa? É sério isso?! Ela pensou, desacreditada.
- Bem… - Ela começou, enquanto seus pais aguardavam, pacientemente.
Que se dane. Ela pensou. É melhor fazer isso de uma vez só, antes que eu perca a coragem. Como arrancar um band-aid.
- Hunter me traiu, com Tiffany. E sabe-se lá com quantas mais. É só isso. Agora vou tomar banho. - Emma falou, de uma vez.
Seus pais ficaram mudos de surpresa, nenhum dos dois parecia ter qualquer coisa para dizer sobre isso. Era óbvio que não sabiam o que dizer. Hunter era, afinal, o menino que tantas vezes frequentou a casa dela, desde antes de entrarem na faculdade.
Hunter era simpático e educado.
Hunter era carismático e tratava a filha dos Moore como se fosse uma princesa.
Aos olhos deles, Hunter era um príncipe encantado.
O Sr. e a Srª Moore trocaram um olhar cheio de significados, que Emma não soube interpretar, antes que o Sr. Moore dissesse:
- Eu sempre soube que aquele garoto não prestava.
Aquele comentário surpreendeu mãe e filha, e Emily perguntou:
- Como você poderia saber disso?
- Ele era perfeito demais. Qualquer homem que seja perfeito demais está escondendo algum defeito de caráter.
- Bom, eu vou tomar banho agora. - Emma falou, subindo as escadas até o seu quarto, mas as palavras de seu pai ainda reverberavam em sua mente, e fizeram completo sentido.
Por que ela nunca havia suspeitado daquilo antes?
Como ela não havia visto aquele defeito de caráter?
O amor era cego mesmo. A havia cegado para todas as coisas que Hunter fazia pelas suas costas e que ela nunca percebeu. Todos aqueles presentes caros e sem qualquer data especial para justificá-los, todos aqueles jantares e saídas românticas, e pedidos de perdão que Emma nunca conseguiu encontrar uma explicação lógica.
Estava tudo ali, bem diante de seus olhos, e ela nunca percebeu.
E agora ela seria o assunto de toda a universidade.
E não havia nada que ela pudesse fazer para impedir que eles falassem.
Emma saiu do banho e se jogou na cama, pensando em como ela estaria ferrada na segunda-feira.
E o pior de tudo isso?
Ela não se sentia muito incomodada com a traição. O que a deixava inquieta era o que Daniel Baker poderia dizer a seu respeito quando escutasse os rumores sobre ela. Ele sempre teve uma predisposição para tornar tudo ainda pior com os seus comentários sarcásticos.
