Capítulo 05 - Teorias da Sra. Baker
Emma acordou algumas horas depois. Ela estava deitada em uma confortável cama de casal, e, logo acima estava o rosto preocupado, e arrebentado, de Daniel Baker.
- O que aconteceu? - Ela gemeu, ainda um pouco confusa.
- Eu que te pergunto o que aconteceu! - Ele exclamou - Desmaiar assim, do nada, isso não é normal! Você está grávida?! Não importa, o filho não é meu!
- Baker.
- Sim?
- Cale a boca. Minha cabeça dói.
- Ah, sinto muito por isso.
- A culpa não é sua de que a minha cabeça esteja latejando.
- Na verdade, talvez seja sim minha culpa. Eu deixei você cair na escada sem querer. - Ele admitiu, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
- Você o que?! - Ela exclamou e gemeu.
- Não precisa usar esse tom de voz comigo. Já disse que sinto muito.
- E eu já disse que não me importo com as suas desculpas?! O que você fez comigo, porra? Por que a minha cabeça dói tanto?! Você tentou me matar?
- Não, mas vontade não me faltou quando você deu vantagem ao meu oponente usando o truque mais velho da história.
- Que truque?
- O de desmaiar!
- Não foi um truque!
- Pareceu um truque, porra! Eu nunca fique mais desesperado do que hoje, cacete! Eu só queria que alguém parasse de olhar para a luta e fosse te socorrer antes que você, sua maldita vadia, morresse pisoteada! E eu não pude! Porque logo que você caiu no chão, eu fui enchido de porrada, caralho! E tudo o que você sabia fazer era ficar lá, no chão, desmaiada, como uma retardada!
- Eu estava desmaiada, idiota!
- Foda-se, você deveria ter se levantado mesmo assim! Eu precisei nocautear aquele verme com uma cabeçada para que ele saísse de cima de mim, porra! E doeu pra caralho!
- Quer parar de xingar?
- Não dá, tô muito revoltado com você! Porra, eu te dei apenas uma instrução. Era fique aqui, não saia daqui, não se mova!
- Eu fiquei onde você me deixou!
- Mas podia ter ficado acordada! É isso o que eu estou dizendo! Você podia não causar preocupação desnecessária nos outros!
- Talvez eu tivesse a chance de dizer para você que eu DETESTO briga, se você tivesse dito que estava me levando para ver uma das suas ridículas lutas! Desde quando você luta?! E por que nunca ouvi ninguém falar sobre isso?!
- São lutas clandestinas, não é como se eu pudesse sair por aí anunciando.
- Mais um motivo para você parar de lutar!
- Amor, - Daniel falou, suavemente, respirando fundo - você acabou de entrar na minha vida, e já está tentando controlar para onde eu vou e o que eu faço? Talvez isso pudesse funcionar com o seu ex-mauricinho, mas não vai funcionar comigo! E só para esclarecer, todo esse seu autocontrole sobre todo mundo e nós já sabemos como terminou, não é? Um grande par de chifres na sua testa!
- DANIEL! - Uma vos gritou, das suas costas, fazendo com que ele olhasse para a expressão chocada de sua mãe - Não foi essa a educação que eu te dei.
Isso foi tudo o que ela precisou dizer para que ele entendesse que tinha ido longe demais. Olhando para a expressão magoada e atordoada de Emma foi o suficiente para entender que não era certo que ele a culpasse por algo que ela não teve culpa.
Mas já era tarde demais.
As pessoas não podem apagar o que dizem, como se nunca houvessem dito, afinal, mesmo que peça desculpas, aquelas palavras sempre deixam uma ferida, que, mais tarde, tornam-se uma cicatriz.
Os olhos de Emma estavam marejados, e ela não conseguia encará-lo nos olhos.
O clima ficou tenso enquanto a mãe dele aproximava-se para fazer um curativo onde a cabeça dela havia batido no chão. Estava dolorido e começava a inchar.
A Sra. Baker fez um curativo rápido e eficiente, passando uma pomada que pareceu anestesiar a testa de Emma, e deixá-la mais confortável. Por último, deu a ela um comprimido para a dor.
- Obrigada. - Emma agradeceu, imaginando que a mulher mais velha se viraria e sairia do quarto, deixando Emma e Daniel continuarem sua discussão, mas a Sra. Baker se virou para seu filho e disse:
- Podemos conversar um segundo lá fora?
Daniel suspirou, saindo do quarto sem dizer qualquer outra palavra.
Sua mãe o acompanhou e fechou a porta atrás de si, para que Emma não pudesse ouvir sequer uma palavra do que diria a seu filho, consciente de que as paredes de sua casa eram bem grossas, e que quase nenhum ruído passava por elas.
- O que caralho você pensa que está fazendo?! - A Sra. Baker exclamou, irritadíssima. Daniel, inconscientemente, deu um passo para trás, tentando se proteger da ira de sua própria mãe. Ele nunca a havia visto tão irritada. Ao menos não irritada o suficiente para xingar, ainda mais na frente do filho. Antes que ele pudesse responder, ela acrescentou - Não é assim que eu e o seu pai o ensinamos a falar com uma mulher! Não foi essa a educação que nós lhe demos! E eu não quero ver você fazendo isso novamente! Com ela ou com qualquer outra garota! Estamos entendidos?
- Sim, mãe.
- Ótimo! E se você pensa que vai conseguir conquistar o coração dessa menina falando desse jeito…
- Eu não quero conquistar nada. - Ele a interrompeu.
- Isso é o que você diz a si mesmo para se consolar? - Ela retrucou, sarcástica - Não é o que eu percebo quando o vejo olhando para ela como um cachorrinho sem dono esperando que ela o adote! Eu vejo um garoto que já enfiou o pau em tantas vadias que agora não sabe nem com que cara se aproximar da garota que gosta, porque sabe que ela vai fugir pensando que você quer apenas comer ela! Então você não tem coragem de se aproximar mais do que o devido, com medo do que ela vai pensar e também porque ela provavelmente sabe te manter a um braço de distância. Não me confunda com uma mulher inexperiente que não sabe o que o próprio filho anda fazendo. Se eu nunca lhe impus coisa alguma é porque você nunca pegou nenhuma DST e nunca me apareceu com um filho nos braços, então eu suponho que você se cuide. Mas eu não vou ficar vendo o meu filho fazer merda atrás de merda, afastando a garota de quem ele gosta, sem fazer nada a respeito!
- Mãe, eu não…
- Cale a boca, eu te conheço, e sei o que você sente melhor do que você mesmo! - Ela o interrompeu - Mas já que você não acredita, vamos fazer um acordo. Você entra lá, pergunta como ela está e a convida para sair. Um encontro de verdade, não para um lugar como esse em que você a levou hoje! E então, depois dessa noite, você me diz se o que você sente não é completamente diferente do que sente por todas essas tapadas com quem você transa alucinadamente.
- Uma saída?
- Uma saída. Eu tenho certeza de que será o suficiente para você descobrir o que sente. Não é possível que você seja tão idiota assim. E não precisa nem me dizer o que você sente, afinal, como já lhe disse, apenas você ainda não percebeu. - A Sra. Baker começou a se afastar, mas Daniel a chamou:
- Mãe?
- Sim?
- O que eu faço depois que eu descobrir?
- O que você faz? Como assim? Não é óbvio? Conquiste-a. Eu sei que nisso, ao menos, você é extremamente bom.
- Não… O que eu quero dizer é que não tenho qualquer intenção de ficar com ela. Então, o que eu faço com esses sentimentos? Como elimino todos eles?
A Sra. Baker gargalhou, como se Daniel tivesse contado a melhor piada de sua vida. Com lágrimas de riso escorrendo de seus olhos, ela olhou para seu filho com um misto de pena e diversão, e disse:
- Se for real o que você sente, como eu imagino que é, então você nunca será capaz de se livrar dos seus sentimentos, mas só porque você sente, não significa que você precise se aproximar e entrar em um relacionamento com ela. Mas esteja ciente de que uma garota linda como ela não ficará sozinha para sempre. E quanto mais você demorar, mais vai se arrepender.
- Engano seu. Não vou me arrepender de nada. Nunca tive peso na consciência por dormir com quantas mulheres quis e, no segundo seguinte, despachá-las.
- Eu sei. - Sua mãe disse, parando a meio caminho da escada - Mas sempre tem uma primeira vez para tudo.
Então, a Sra. Baker desceu, deixando Daniel sozinho no meio do corredor, pensando em tudo o que sua mãe disse.
E nada fazia sentido em sua mente.
Ele não achava que pudesse sentir algo por Emma que não fosse a sempre constante irritação por algo que ela fez, disse, ou simplesmente por sua mera presença irritante.
Ela tinha a estranha necessidade de fazer as coisas mais inconvenientes nos piores momentos. Como hoje, por exemplo, não tinha hora melhor para passar mal e desmaiar? Não, tinha que ser no único momento em que ele precisava estar 100% concentrado em não perder a luta, e mesmo assim, quase perdeu, por culpa dela. Por algum motivo ele a levou até o meio do círculo de pessoas, para que JP pudessem ficar de olho nela enquanto ele lutava, para que nenhum engraçadinho tentasse passar a mão nela no meio da multidão, para que nenhum idiota a empurrasse e acabasse machucando-a, ou coisa pior, que ela caísse e fosse pisoteada.
E mesmo assim, com todos os cuidados que teve, ela ainda se machucou, e, consequentemente, ele também.
E ainda quase perdeu uma luta importante.
E o pior, agora, Haynes e Chris ficariam bufando em suas costas, e reclamando constantemente que quase tinham perdido uma grande aposta por culpa dele.
Aqueles dois haviam descoberto o talento de Daniel Baker para lutas em uma ida ao clube, e, desde então, acabaram se tornando algo muito parecido a patrocinadores. Em todas as suas lutas, eles apareciam, e apostavam alto, muito alto, e Daniel se assegurava de vencer a luta para eles, e, em troca, Haynes e Chris lhe forneciam tudo o que precisasse, para treinar, para lutar, ou até mesmo favores pequenos como encontrar alguém que fizesse o seu dever de casa para que ele tivesse mais tempo para treinar.
Assim, Daniel se assegurava em tirar sempre boas notas e nunca perder uma luta.
Haynes e Chris eram convenientes, às vezes, mas não em momentos como aquele. Um quase deslize, e ambos ficariam falando disso e fazendo bico para Daniel por meses.
Ele não precisava que uma garota encrenqueira, que fazia tudo errado, uma freira bem comportada, estragasse todos os seus planos. O único motivo daquela menina mimada ainda estar em sua casa, era porque ele precisava vencer aquele maldito jogo que começou em uma mesa de bar contra o idiota do Hunter Galles.
Daniel Baker nunca perdeu, e nunca perderia, para aquele mauricinho babaca de pau frouxo. O único motivo para a popularidade daquele imbecil era ser um idiota, provavelmente a única coisa que ele e Hunter tinham em comum.
Ele suspirou, resignando-se de que sua mãe não acharia graça nenhuma se ele expulsasse aquela garota de sua casa, então ele respirou fundo e voltou para o quarto, para enfrentá-la, ou, melhor dizendo, pedir desculpas por ser um idiota insensível.
Mas, para sua felicidade, ou não, Emma já havia adormecido.
Não que tivesse alguma surpresa nisso. Já era quase três horas da madrugada.
E então, ele se perguntou, onde dormiria?
“Merda”, ele pensou.
E mesmo que fosse tarde demais, Daniel sentou-se na cadeira de sua escrivaninha, olhando para aquela garota mimada que parecia uma Barbie.
Cruzou os braços e, pela primeira vez desde que a conheceu, realmente olhou para toda ela. Cada detalhe, cada traço bem feito de seu rosto, cada curva de seu corpo magro. E pensou se poderia sentir algo por ela.
E seu cérebro sequer processou a ideia, e a resposta era clara: um autêntico e inconfundível “não”.
Então, como se desmembrasse um enigma, ele tentou descobrir, o que, exatamente, parecia irritá-lo tanto, naquela garota.
Eram as roupas de nerd? Não poderiam ser, afinal, ela não as usava mais, aquelas roupas de quarentona horríveis.
Seria o relacionamento com Hunter, a quem Daniel nunca suportou? Não, isso também não fazia sentido. Eles não estavam mais juntos.
Vendo Emma daquele jeito, tão vulnerável, Daniel se viu pensando que ela era uma mulher que, se não fossem as adversidades, ele com certeza tentaria comer. Ela era linda dormindo.
E enquanto pensava nas inúmeras possibilidades de porque ele parecia achá-la incrivelmente linda, Daniel esbarrou em seu porta canetas e ele caiu no chão, fazendo a maior quantidade de barulho possível, e espalhando todos os seus itens de papelaria pelo chão, consequentemente, acordando-a.
- Desculpe. - Ele falou, sem graça, sob o olhar desorientado dela, e ficou ainda mais envergonhado por ter sido pego olhando para ela enquanto ela dormia.
- Que horas são? - Ela perguntou, grogue de sono.
- Quase quatro.
- Merda, preciso voltar para casa.
- Durma aqui. - Ele ofereceu, automaticamente. Emma olhou de forma estranha, para ele, então Daniel acrescentou - Você já estava dormindo mesmo.
- Não, obrigada, melhor eu voltar para casa.
- Então eu te levo. - Novamente, ele se ofereceu, como um cavalheiro.
Mas Daniel Baker sabia que não era, e nunca seria, um cavalheiro, muito pelo contrário, ele era sempre o primeiro a acabar com as ilusões românticas de qualquer mulher.
- Eu posso pegar um Uber, não precisa se incomodar, já está tarde.
- Não vai me incomodar, eu insisto. - Ele falou, pegando a bolsa dela e dizendo - Vem.
Emma se levantou, com dificuldade, e o acompanhou para fora, em direção à garagem, onde os Baker tinham estacionado cerca de meia dúzia de carros.
- Que exagero. - Emma deixou escapar.
- É coisa do meu pai. - Daniel explicou, compreendendo o que ela quis dizer, dando de ombros como se também não entendesse aquele fascínio em ter mais de um carro, como se ele pudesse andar com quatro carros de um vez.
- Disse o cara que tem um carro e uma moto. Exibido. - Emma retrucou.
- Quer experimentar algum deles? - Daniel a convidou a escolher, e mesmo que ficasse tentada, tudo o que disse foi:
- Não, o de sempre está bom.
Ele abriu a porta para que ela entrasse em seu carro, fechou a porta logo em seguida. Emma fechou os olhos, descansando a cabeça no encosto, por meio segundo, até que o escutou subir no carro também, atrás do volante.
A viagem foi feita em completo silêncio. Um silêncio estranhamente agradável, depois da briga insana que tiveram. Um silêncio confortável, depois que Daniel Baker fez Emma Moore chorar em seu quarto, depois de admitir que havia deixado ela cair de cabeça no chão.
A viagem estava sendo tão confortável que, quando ele estacionou em frente à casa dela, Emma não tinha vontade de descer e se despedir daquele cara que conseguia deixá-la insanamente louca.
- Então… - Ela começou a dizer, mas Daniel a interrompeu:
- Saia comigo amanhã.
- Como?
- Saia comigo amanhã.
- De novo?
- Sim.
- Você quer que eu saia com você, depois do que aconteceu hoje? - Ela perguntou novamente, só para ter certeza.
- Sim. Olha, se não quiser, basta dizer que não quer. E eu não vou mais insistir.
“Talvez seja até melhor se ela disser que não.”, Daniel pensou consigo mesmo.
- Dessa vez será que eu posso saber para onde quer me levar? - Ela perguntou.
- Apenas para um jantar.
- E o que mais? - Ela insistiu, não acreditando completamente.
- Você quer ir para um motel comigo?
- É claro que não! - Ela exclamou.
- Então seria só um jantar mesmo. Nada demais, não precisa se vestir bem, basta usar o que sempre usa. Vocês, mulheres, se preocupam demais. Apenas aceite, ok? Não vamos fazer nada demais. E será completamente seguro.
- Promete?
- Prometo. - Ele prometeu, afinal, o quão desastroso poderia ser um inocente jantar?
- Ok, eu vou.
- Perfeito. Te pego as 7.
- Tá bom, até mais.
- Até.
Ela desceu e bateu a porta, andando até sua casa enquanto Daniel ficou esperando que ela entrasse para poder acelerar e voltar para sua casa. E enquanto esperava, vendo Emma andar até a porta e pegar sua chave, ele se perguntou porque sentia-se mais leve que Emma tivesse aceitado aquele convite besta.
"É só um jantar idiota.”, ele disse a si mesmo.
E não importa quantas vezes, durante todo o caminho de volta, dissesse que era só um “estúpido jantar com uma estúpida garota”, ele, ainda assim, sentia-se eufórico pelo dia seguinte.
E quando deitou em sua cama e aspirou o cheiro delicioso que impregnava seu travesseiro, se viu desejando que o jantar fosse perfeito.
“Para compensar a falta de um pedido de desculpas por tê-la feito chorar hoje”, foi o que Daniel disse ao seu subconsciente, antes de adormecer.
