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Capítulo 2 Bem vinda

Tustin — Califórnia, 2029

Faltavam alguns minutos para a chegada da superforte, e como planejado, Beatrice já estava à espreita. Escondida em uma de suas sombras, ela observava tudo o que se passava no lugar. Alison, por sua vez, absorvia todas as informações telepaticamente, mesmo estando a algumas ruas de distância do local armado para a luta. Ariana parecia comer as unhas em tamanho nervosismo e Lanna estava no silêncio de sempre. A criadora de ilusões era insegura. Sua falta de socialização era consequência disso. Ela não confiava nas pessoas, nas circunstâncias, não confiava em si. Alison sabia desse segredo, por isso respeitava o tempo e espaço da menina. A mesma que nunca hesitou em ajudar. Lanna não mostraria a sua sensibilidade tão igual a de Ariana, o seu medo tão parecido com o dela, mas deixava todo mundo ver a sua força de vontade e determinação. Aquilo era tudo o que deixava aparecer. Depois de escutar o último pensamento de Bea, a telepata avisou que precisavam deixar o loft. Pelo que a menina das sombras viu, a lutadora já havia chegado. Era a hora de seguir para a verdadeira luta. Esperta como era, Bea havia observado que apenas os responsáveis por toda a organização clandestina estavam por lá. Um total de oito homens. Sabendo que três deles tomavam a entrada, teria que colocar suas companheiras de missão para dentro através de suas sombras. Quando chegou, a telepata avisou mentalmente que já estavam no beco, fazendo Bea surgir de uma das sombras e causar um susto em Ariana. Lanna prendeu o riso.

— Ai meu santinho! Pensei que era a grande lutadora. Eu já estava me preparando para ficar sem cabeça.

— Você viaja muito — reiterou Beatrice.

— O que me diz, Bea? Você acha que a gente consegue? — Alison perguntou.

— Ela é... grande. — As palavras de Bea saíam lentamente e a menina parecia preocupada. — E forte.

— Melhor. — Disse Lanna.

— Como isso pode ser melhor? — Ariana perguntou, assustada. Não estava entendendo mais nada. — Olha o meu tamanho, carambolas!

— Queda.

Ariana não conseguiu entender mesmo que Lanna estivesse gesticulando tanto.

— Não seja mais lerda do que já é. Lanna tá dizendo que quanto maior o tamanho, maior a queda.

— Ah! Agora entendi.

— Continuando... Vou levar uma por uma e faço questão que você seja a primeira, Ariana — a garota da empatia meneou freneticamente em negativo, mantendo os olhos bem arregalados, dando passos para trás. Bea segurou o antebraço dela. — Vou deixar você atrás do armário de equipamentos. Não é para sair até que estejamos todas lá.

Então Bea correu, trazendo Ariana consigo. Foram sugadas por uma enorme sombra em seguida. Lanna continuou encostada na parede fria daquele lugar estreito, aguardando um tanto quanto ansiosa a volta de Bea.

— Você não tem que temer nada — disse Alison, acertando sobre o medo de Lanna. — Estou aqui e não vou deixar nada de ruim acontecer com todas nós.

Um vento não esperado surgiu e elas sabiam que Bea já estava de volta.

— Vem, Lanna.

— Sim.

Depois que deixou Lanna por lá, Bea voltou para buscar Alison. As quatro meninas estavam atrás do grande armário agora. Podiam ouvir os golpes do aquecimento da superforte e se assustaram quando um estrondo soou, fazendo a telepata buscar informações mentais. Somente dessa maneira que Alison descobriu que havia sido mais um saco de pancadas que a maior estourou com seus golpes de força anormal.

— Vou primeiro para tentar convencê-la de vir sem precisar de força maior. Caso não funcione, esperem a hora certa para aparecer ou ela pode se sentir ameaçada e se alterar — a mais experiente sussurrou, relembrando as outras do plano.

Alison saiu em passos lentos, tão lentos que Diana não conseguiu notar sua presença. A telepata estava impressionada ao enxergar tamanha força. A superforte carregava um saco de pancadas como se fosse um travesseiro. Alison estremeceu só em imaginar tomar um soco de tal magnitude. Não deixaria isso acontecer.

— Oi, posso falar com você por um minuto?

Ela ofereceu, fazendo Diana soltar o saco de pancadas no chão com o susto.

— De onde você saiu? — Ela quase rugiu, fazendo a menor recuar um passo. — Eu não estou à venda se é isso que te trouxe aqui.

— Não quero comprar você — Alison aproximou-se, olhando para os lados, checando se alguém iria entrar. — Eu vim tirá-la daqui, não vim para o mal.

— Como vou saber se é verdade? Não conheço alguém, há muito tempo, que queira meu bem.

— Acredite, eu não sou essas pessoas.

— Não tenho como saber! — Foi rude. — E saia daqui antes que eu chame o Lobon!

— Eu conheço você e sei que essa sua força é especial. Sei que não está aqui por vontade própria. Eu posso te ajudar.

— Você não sabe de nada e nem pode saber — ela estava na defensiva e Alison já sabia disso. Era hora de aproveitar a oportunidade.

— Sim, eu sei e acredite, eu sou como você, também tenho habilidades incomuns.

— Eu também sou assim — Bea falou, surgindo de uma sombra perto de Diana que a fez pular em mais um susto.

— Droga, Bea, não agora! — Reclamou a telepata.

— É a hora porque eles estão vindo para cá. Lanna, Ariana, apareçam.

— Aqui.

— E eu também estou aqui — Ariana agora.

— Como entraram aqui?— Diana perguntou ainda assustada. Suas mãos estavam em punhos para se defender.

— Elas também são especiais assim como nós, Diana.

— Como sabe meu nome? — Seu medo estava trazendo a sua raiva. — Saiam de perto de mim! Eu posso matá-las com apenas um soco.

— Você não gostaria de tocar em nenhuma de nós — defendeu a menina com umbracinese. Havia dado um passo somente para mostrar que não sentia medo algum. — Eu acabo com você se fizer alguma coisa.

— Se acalme, Bea, viemos aqui para levar a nossa nova amiguinha pra Solum e não vamos brigar — Ariana avisou, impedindo a menina loira de aproximar-se mais. Ela estava entre as duas. — Resgatar.

— Me resgatar ? Vocês são loucas?

— Não, Diana, não somos. Viemos tirar você daqui. Você não precisa mais obedecer eles. Viemos para te ajudar — Alison falou e as quatro entraram em um conflito mental quando Diana gargalhou.

— Não existe ninguém igual a mim. Eu sou uma abominação. Uma experiência falha de meu pai.

— Você não é. Você é especial, Diana. Você não pode ser ruim porque parece ser muito fofa e legal. — Ariana disse de toda sinceridade.

A menina da empatia estava aparentemente calma, mas era só aparentemente, porque, naquele exato momento, ela sentia um mar em fúria no lugar de seu estômago.

— Eu quero provas. — Exigiu. Diana estava certa de pedir por algo assim. Além do mais, no mundo em que vivia, confiar em desconhecidos não estava em pauta.

— Eu estou falando na sua mente. Você pode me ouvir e eu sei. Nós queremos o seu bem, Diana. — A garota com superforça arregalou os olhos e levou as mãos à cabeça. Estava totalmente confusa e amedrontada. — Você foi abençoada com o gene mutante. Você é da nossa raça. Você é da nossa família.

— NÃO! — Diana gritou. — Não fale da minha família!

As narinas da maior inflaram, inspirando e expirando o ar violentamente. O maxilar trincou. Ela estava com raiva, muita raiva. Isso não poderia acontecer.

— ARIANA, AGORA! — Alison ordenou antes que a raiva da maior pudesse chegar ao ápice.

Foi possível ver uma aura branca se expandir do franzino corpo de Ariana. Seus olhos fixaram-se em Diana, que iria avançar a qualquer instante. Num segundo a menina maior caiu numa gargalhada inexplicável. Ariana havia trocado as suas emoções. Havia conseguido o que mais temia de não fazer.

— Você vai rir até que sua raiva passe.

Ariana falou calmamente. A risada da menina maior era tão engraçada que fez até mesmo Lanna e Beatrice gargalharem juntas. Logo depois tudo virou uma grande piada. Diana já se encontrava jogada no chão, com uma mão na barriga devido a quantidade de tempo que passou rindo. Quando finalmente a raiva passou, Ariana parou, fazendo Diana e as outras agradeceram por parar de rir.

— O que ela fez comigo? — A menina da força perguntou incrédula. Há quanto tempo não ria assim? — Eu pensei que iria morrer de rir.

— Ela é mutante igual a você. — Bea disse.

— E você é? — Diana perguntou com desdém, olhando a outra garota de cima a baixo. — Porque me parece que só veio para se exibir.

Bea nem abriu a boca para responder, apenas andou até à sombra de uma cadeira e sumiu. Reapareceu ao lado de Alison como num passe de mágica.

— Mas que merda é essa?

— Especial — foi o que Lanna disse.

— Por favor, Diana, venha conosco — a telepata quase implorou, tentando se aproximar novamente.

— E se eu não quiser?

— Vamos embora, Alison! É problema dela se ela quer morrer por aqui, se submetendo às ordens desses homens que a tratam como um animal.

— Eu já pedi calma a você, Beatrice! — Rugiu a telepata. Alison levou sua atenção para Diana outra vez. — Por favor, Diana, eles estão chegando.

Foi naquele exato momento que a porta foi aberta e revelou três homens. Provavelmente os que faziam a segurança do lugar. Deviam ter ouvido os gritos na sala de aquecimento.

— TÊM POLICIAIS AQUI! — Um deles gritou, chamando os outros.

— Vamos ter que apagá-las. Merda! — disse outro.

— Não!— Lanna disse, dando um passo à frente. — Vão!

Os três homens partiram para o ataque. Lanna escapou do golpe do primeiro e acertou um chute na barriga do segundo. Alison atingiu com um murro o terceiro. A menina da força pareceu acreditar que realmente vieram para salvá-la, pois estavam arriscando suas vidas. A partir daquele momento ela resolveu ajudar. Bea levou Ariana para fora, antes de voltar e procurar por Alison. A telepata era a única capaz de captar perigo no caminho. Somente Lanna e Diana restaram dentro da sala. Um dos homens que foi atingido por Lanna, acabou caindo na frente da superforte. A menina aproveitou para aplicar um murro que o fez voar a cinco metros de distância. Ele bateu com a cabeça na parede e caiu desacordado.

— Eu não gostava de você mesmo.

Bea novamente surgiu. Então, quando o homem partiu para pegá-la, ela sumiu na sombra que o corpo do mesmo reproduziu e apareceu por trás, golpeando-o na nuca.

— Você precisa vir comigo. Agora! Tem mais vindo — Beatrice viu a maior um tanto quanto pensativa — se quer uma nova vida, essa é a sua chance.

— Merda!

Foi o que Diana disse antes de esticar a mão para Bea que segurou-a e desapareceu com a menina. Diana sabia dos perigos e sabia que a qualquer momento poderia ser morta por tanto desobedecer. Ela recebia ordens para matar os seus adversários. Por mais ódio que Diana pudesse sentir, tinha ciência que seus oponentes eram pessoas que tinham suas vidas. Mas o que ela poderia fazer? Diana não tinha escolha.

Lanna havia ficado sozinha. Estava com medo. Medo era uma parte renegada de seu corpo, mas ninguém poderia saber que o ódio também era. E isso ela tinha de muito. O último homem, o que ela estava tentando apagar há alguns minutos, puxou uma arma de sua cintura, pegando-a de surpresa. O barulho de tiros foi ouvido e Lanna não teve tempo de correr. Havia duas perfurações em sua perna e uma em seu quadril agora.

Coitado, acertou a pessoa errada. Lanna foi tomada por uma raiva descomunal, ela gritava de dor e de ódio. Seus olhos mudaram de verdes para roxo, ocasionando a paralisia do homem que se perdeu no mundo de ilusões criado por aquela poderosa mutante. O cenário que ele enxergava agora era de um pântano. Um pântano cheio de neblina e recheado de crocodilos. Ele tinha pavor. Ele corria, corria sem nem sair do lugar, gritava como se estivesse sendo perseguido por alguma criatura monstruosa, se debatia em desespero. E foi aí que Lanna o fez ouvir uma estrondosa voz.

— Pronto para ser o meu jantar? Prefere virar o prato principal ou sobremesa? Quer ser um petisco ou um jantar?

O homem não conseguia nem mais segurar a arma por tremer consideravelmente. Pensar e agir ao mesmo tempo tornou-se uma missão impossível. Sim, esse era o poder de Lanna. Ela era criadora de ilusões. Conseguia ter as pessoas em sua mão, podendo feri-las não apenas fisicamente, mas psicologicamente também. Lanna os fazia obedecê-la.

— Lanna, vamos! Você não precisa matá-lo. Apenas deixe-o com danos mentais.

Bea ajudou Lanna a manter-se de pé. Lanna fez a ilusão parar antes que sumissem pelas sombras. A criadora de ilusões praguejou-se mentalmente porque queria matá-lo. O homem soltou a arma e caiu no chão, debatendo-se como se estivesse tendo uma forte convulsão.

— O que houve com sua perna? E a sua cintura? — Bea perguntava enquanto as guiavam de volta para o loft.

— Tiros.

— Eu deveria ter deixado você matá-lo.

Bea esforçou-se ao máximo para chegar mais rápido, usando de toda sua força para controlar as sombras. E o grande trunfo da missão realmente havia sido a umbracinese, porém, se houvesse um prêmio por coragem, com certeza seria de Lanna. As duas surgiram num fio de escuridão, na cozinha. Alison, que já sabia do acontecido, havia organizado a mesa para cuidar dos ferimentos de Lanna.

— Tem sangue jorrando... Eu não vou... Não posso ver — Ariana aplicou a mão em sua boca e saiu correndo para o banheiro.

— Medrosa — Lanna falou em meio a uma careta, fazendo Beatrice quebrar um pouco da preocupação.

— Vocês não se curam? Porque eu me curo bem rápido.

— Você não tomou três tiros, idiota! — Beatrice respondeu raivosa para Diana.

— Bea! — A mais velha repreendeu. — Sim, nos curamos, mas no caso de Lanna há um material não pertencente ao corpo dela, isso faz não curar. Eu preciso retirar as cápsulas para dar início ao processo de cura.

Lanna já havia deitado-se na mesa. Alison rasgou a calça e a camisa preta de Lanna na parte onde os tiros haviam entrado. A telepata pegou uma pequena maleta de cor cinza onde continha alguns utensílios cirúrgicos, usados para casos como aquele. A mais velha colocou duas luvas em suas mãos já limpas e pegou um líquido transparente para desinfetar o ferimento. Em seguida, Alison levou a pinça agarrou a bala. Bea que estava de apoio para Lanna, deu uma toalha para a menina que rapidamente enfiou na boca para abafar o grito. Sem pedir permissão, a telepata puxou, retirando o projétil que fez Lanna quase desmaiar de dor. O ferimento parou de sangrar rapidamente. Ela repetiu o processo com as outras duas aberturas e as viu fecharem-se em menos de dez minutos. A menina dos olhos verdes levantou-se da mesa, ainda mancando, olhou para as outras ao seu redor e saiu para ir tomar um banho.

— Não a vi dizer muita coisa. Ela não fala?

— É algo complicado. Prometo que você compreende depois — respondeu a telepata. — Precisamos arrumar nossas bolsas, Daven vem nos buscar muito cedo. Ariana que havia voltado do banheiro concordou. Bea também.

— Eu não trouxe nada — avisou a mutante super forte — a das sombras poderia me levar lá no hostel, né? Seria rápido e ninguém me veria.

Bea semicerrou os olhos. Que garota folgada.

— Poderia fazer isso, Bea? Você é a única forma dela entrar e sair sem ser vista. — O pedido veio de Alison. Beatrice bufou e revirou os olhos.

— Eu quero descansar quando voltar.

— Feito — concordou a telepata. Bea havia gastado mais energia que o normal.

A garota com umbracinese se aproximou de Diana e segurou em seu antebraço esquerdo, arrastando-a até o fio de sombra e desaparecendo.

— Alie, posso te ajudar com o jantar? Eu posso fazer qualquer coisa. Eu sei esquentar água muito bem — Ariana se ofereceu de boa vontade. Seu jeito fofo quase nunca a permitia receber uma resposta negativa.

Ariana ajudou Alison a escolher os ingredientes para o jantar. Alison faria em quantidade maior para levar na viagem de volta. Quando saiu do banho, completamente curada, Lanna ajudou a pôr a mesa. Aquele tempo foi suficiente para que Bea e Diana pudessem voltar. Alison deu permissão para que todas as outras pudessem ir banhar-se antes da refeição.

Alguns cinquenta minutos depois elas iniciaram o jantar. Todas juntas, sentadas numa pequena mesa redonda, lado a lado. Havia um silêncio tanto confortável quanto desconfortável. Todas, com exceção de uma, pareciam realmente concentradas na sua refeição. Diana era aquela exceção. A superforte pensava para onde iria. Como seria o lugar que viveria. Com quem ela iria conviver. Se as pessoas seriam legais e respeitadoras. Se havia alguém igual a ela. Diana pensava nas chances de recomeçar sua vida, de ser alguém melhor para seus irmãos. Ela não conhecia aquelas garotas sentadas na mesa, mas algo dentro de si sabia que elas eram boas pessoas e que queriam o seu bem de verdade. Caso contrário, não sairiam da Filadélfia à sua procura, arriscando-se como fizeram. Diana queria conhecê-las. Ela queria saber o passado daquelas pessoas ali, mas sabia que teria de contar sobre sua vida também. Infelizmente achava não estar preparada para aquilo. Contando que sua raiva poderia vir à tona e machucar alguém não era o que desejava.

— Eu queria pedir algo a vocês. — Deixou sair timidamente. As garotas pararam de comer para olhá-la.

— Sim, Diana. O que deseja? — Alison questionou gentilmente.

— Eu queria conhecer mais sobre vocês, suas vidas. Sei que parece besteira, mas quero muito saber para onde estou indo.

Bea e Lanna se entreolharam e permaneceram calada, não apreciaram muito bem aquela ideia. Elas eram as únicas da Solum que não tocavam no passado.

— Me deixa começar, por favor! — Ariana levantou a mão, como se não fosse a única para ser escolhida.

— Pode falar, Ari.

— Ao contrário do que muitas pessoas que moram na Solum acham, eu não vim de um passado feliz. Eu vivia na Flórida com meu pai e tudo era normal até ele casar com uma bruxa má, porque sim, minha mamãe morreu quando eu era bem pequena. A minha madrasta é a única parte da minha vida que eu queria esquecer.

Diana fez uma cara confusa mas não se deu ao trabalho de perguntar o motivo. Ariana continuou.

— Sei que pareço ter sido muito mimada por culpa do meu jeito, minhas roupas, mas eu não fui. Eu vivia sendo tratada como uma escrava igual era com a Cinderela, sabem? Minha madrasta se aproveitava de mim quando meu pai não estava. A pior parte era quando ele viajava a trabalho — ela chacoalhou a cabeça como se quisesse esquecer. — Ela me trancava no porão, sem luz, sem comida e pouquíssima água. Ela me batia bastante também e quando ele chegava, ela fingia ser a melhor pessoa do mundo.

— Maldita! — saiu da boca de Lanna.

— Sim — Ariana concordou. —Era só meu pai pisar em casa que ela mudava. Me dava até carinho, quero dizer, um falso carinho. Ew.

— Você ainda não sabia de seus poderes?

Perguntou Beatrice.

— Não, ainda não.

— E como descobriu? — Diana perguntou agora.

— Numa tarde comum, eu estava muito cansada e com dores de cabeça, não parava de doer nunca. Ela sentou no sofá para observar se eu estava fazendo a limpeza direito. Eu ainda lembro, ela estava assistindo um programa de comédia e gargalhava muito. Lembro que por um momento eu desejei que ela pudesse morrer de rir, mas morrer mesmo — respirou fundo para terminar de contar. — Eu desejei com tanta vontade que eu senti meu corpo esquentar e vi algo sair pela minha pele.

— Assim como ela fez hoje.

Alison explicou e Ariana assentiu.

— Sim, daquele mesmo jeito. Depois ela entrou numa crise de riso, assim como você, Diana. O problema é que ela não conseguiu parar, quero dizer, eu não sabia como parar até o momento que meu pai chegou e tomei um susto. Foi assim que parei de vez. Minha madrasta pulou em mim e me acusou. Foi a primeira vez que vi meu pai me olhar com raiva e tristeza — ela fungou. — Ele sabia que eu era diferente desde que nasci, mas nunca imaginou que eu pudesse fazer algum mal porque minha mãe era boazinha.

— Depois? — Lanna perguntou.

— Depois disso ele me entregou para minha avó. A mãe da minha mamãe que morreu dois anos depois. Eu fiquei abandonada no mundo até o Ravi me encontrar e me dar uma nova casa e uma nova família.

— Quem é Ravi?

— Ravi é o dono da Solum, onde moramos. Ele quem fez a maioria dos resgates e transformou o abrigo em um lar. Foi ele quem nos mandou aqui. Ravi quer te dar uma nova vida, Diana, assim como ele nos deu.

— Não sei se quero uma.

— E por que não iria querer? Olha onde você vivia! — Bea cuspiu rudemente sem nem importar-se sobre o que causaria. — Nós viemos te buscara, a Lanna levou tiros por você e, sim, eu estou passando todo nosso esforço na sua cara.

A menina das sombras levantou-se, arrastando a cadeira e sumindo pela escuridão do corredor. Lanna ergueu-se em seguida, lançando um olhar de desprezo para Diana que segurava a raiva dentro de si.

— Dormir.

Lanna avisou antes de deixá-las. Diana respirava forte. Alison sabia que havia uma alteração na emoção da maior e pediu com um olhar para que Ariana cuidasse daquilo. A menina concentrou-se até conseguir o que queria. Ariana era fofa e possuía uma aparência frágil, ninguém nunca diria que dentro dela havia poderes tão especiais como aquele. Diana acalmou-se e tudo havia ficado em silêncio outra vez. Terminaram o jantar e Ariana se ofereceu para lavar a louça. A menina da força quis ajudá-la. Talvez quisesse desculpar-se pelo que havia dito. Porque, sim, ela queria uma vida nova, e se precisasse recomeçar, ela iria. Estava começando a ficar muito tarde e elas teriam que acordar cedo. Daven estaria exatamente no mesmo local do pouso, na mesma hora que partiram da Filadélfia. Lanna e Bea já estavam dormindo em um dos quartos. Ariana e Alison em outro. Diana acabou por ficar sozinha, precisava de um tempo para si mesma. Alison sabia que Diana não estava cem por cento firme em sua decisão, mas não poderia escolher por ela. Depois que todo mundo dormiu, Alison continuou a escutar a confusão da menina, foi assim que fez um trato com a mais forte. Não demorou muito para Diana adormecer. Parecia mais tranquila depois da conversa que tivera com a telepata. Alison foi a última a dormir e a primeira a acordar. Tomou um banho, preparou uma grande porção de panquecas e tratou de passar nos quartos respectivos para acordar as meninas. Sentiu-se decepcionada por ver que Diana não estava lá. Sua mala também não. Alison engoliu seco, mas aquela parte estava dentro do trato que havia feito. Só não sabia como iria explicar a Ravi que falhou. Quando finalmente se encontraram na cozinha, tudo estava em silêncio. O sono ainda presente não as deixou notar que faltava alguém. Ariana quem se deu conta.

— Onde está Diana?

Alison não respondeu. Lanna e Bea levaram a atenção para ela.

— Alison, onde está Diana? — Bea questionou. Lanna levantou rapidamente e foi vasculhar o quarto ao qual Diana havia ficado. Sem encontrar qualquer pista, voltou afobada.

— Nada.

— Como? Ela não pode ter sumido assim.

— Ela não sumiu, Bea — finalmente Alison pronunciou-se. — Fizemos um trato.

— Eu não estou entendendo nada. — disse Ariana, franzindo o nariz em confusão.

— Ela não estava confiante em ir conosco e não sabia se queria deixar seus irmãos para trás. Não façam cara feia, Lanna e Beatrice, vocês sabem muito bem o que é querer cuidar da única família que lhe restou.

Essa foi a última frase daquele momento. Depois que terminaram o café da manhã, elas deixaram o loft e seguiram para a pista de pouso onde encontrariam Daven. Sempre pontual, o menino gênio já encontrava-se por lá.

— Bom dia, me-meninas! — Cumprimentou, apressando-se para ajudar com as malas. — Por que só ve-vejo quatro?

— É complicado — Alisson disse. — Não estou feliz por falhar.

— Não foi fácil. A menina era muito forte e me acertou um murro que me fez voar e atirou na Lanna, mas a Bea apareceu e Alie agiu. A gente não sabia que ela era tão grande e... — Ariana começou a gaguejar por não conseguir mentir. Aquilo era sempre difícil para ela, já que catalisar as próprias emoções era uma tarefa complexa. Lanna revirou os olhos e tomou a frente.

— Forte.

— Ariana gagueja quando tenta mentir — ele disse — Alison é forte o bastante para anular por alguns longos minutos qualquer poder. Por que estão mentindo?

O silêncio pairou. As meninas se entreolharam, sem saber o que dizer. Alison sentia-se culpada porque sabia de sua obrigação em levar Diana. Fosse por bem ou por mal.

— Eu gosto de pregar peças — a voz soou por trás deles — e queria uma entrada triunfal. — Seu olho direito piscou para as quatro meninas. Elas sorriam de alegria, mas sorriam discretamente — onde coloco minha mala? — Daven tentou levantar e acabou caindo. Todo mundo gargalhou. — Alguém precisa malhar os bíceps — ela brincou e ele sorriu.

Daven abriu um compartimento na micro aeronave e pediu para que Diana guardasse sua mala, em seguida ela aproximou-se das quatro meninas.

— Eu realmente fiquei em dúvidas, eu precisava ver meus irmãos. Eu queria poder ficar com eles, por isso resolvi ir vê-los uma última vez — confessou num sussurro.

— Você se arriscou demais — Alison murmurou.

— Quebrei um ou dois pelo caminho — disse a menina maior — talvez três, mas valeu a pena.

— Por que levou a mala? — Bea perguntou direta e sem rodeios. — Se era só uma visita...

— Eu realmente queria uma entrada triunfal.

A missão do resgate de Diana havia sido cumprida. Nada melhor do que voltar pra base com a sensação da vitória.

— Bem v-vinda, Diana! — Daven ofereceu de sua total e normal educação.

— Valeu, gaguinho!

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