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2

Vicente

Era só mais um dia de aula comum. Eu e Alice, minha irmã gêmea, estudávamos no mesmo colégio e na mesma classe. Sempre fomos muito unidos desde pequenos, onde eu estava Alice estava também, e isso jamais havia mudado com o passar do tempo. Muito pelo contrário, quando fomos matriculados no colégio fiz questão que meus pais nos colocassem na mesma sala.

Como Alice era mais alta do que eu e que muitos de nossos colegas de classe, ela me defendia de tudo e de todos, sempre foi assim. Mas a medida que nossas idades foram avançando eu fui ficando mais alto e ultrapassei a estatura de minha querida irmãzinha e agora, eu é quem a defendia.

Alice era tudo para mim assim como eu era para ela, mas aos nossos seis anos de idade, nasceram os gêmeos Itan e Sofia. Sim, nossa família fora agraciada com dois pares de gêmeos em ambas as gestações. Alice se apaixonou por eles no mesmo instante, suponho que ela achava que eles eram assim como suas bonecas, seus novos brinquedos e isso me causou ciúmes.

Sei que apesar de tudo Alice ainda me amava assim como eu também a amava, e foi por causa disso, que após algum tempo, aceitei o fato de que agora eu tinha que dividir Alice com mais dois irmãos.

Quando os gêmeos fizeram dois anos de idade, Alice e eu estávamos com oito, e frequentávamos o terceiro ano escolar. Era terça-feira, só mais um dia de aula comum. Fizemos tudo que uma criança da nossa idade faz, correr, pular, falar, gritar, escrever, falar, pintar e falar. Éramos as crianças mais falantes da turma, e os mais incríveis também.

Ao final da tarde o sinal do colégio soou e todas as crianças pularam de suas cadeiras, jogaram seus materiais em suas mochilas e correram para fora da sala de aula enquanto a professora nos lembrava de fazer a lição de casa.

Alice saiu na frente e fui logo atrás, mas na confusão que havia de tantas pessoas correndo de um lado para o outro no pátio acabei perdendo minha irmã de vista, fiquei desesperado e comecei a procurar por todos os lados. Fui até a escada que levava a segundo andar do colégio, como ali era um ponto mais alto pude ter uma vista melhor e comecei a inspecionar a multidão em busca de uma cabeleira castanha escura presa por um laço vermelho.

E há alguns metros de onde eu estava avistei sua mochila das princesas e logo depois um rabo de cavalo preso por sua inseparável fita se destacarem entre os inúmeros corpos ali presentes. Alice estava abaixada no meio daquela confusão, será que ela havia caído? Será que estava machucada? Disparei na direção em que a tinha visto e segundos depois eu a havia alcançado.

Puxei seu braço para levanta-la e vi que ela estava bem, e que havia uma outra garotinha menor no chão, ela tinha cabelos tão loiros que parecia a luz do sol ao meio dia e seus olhos de um azul intenso estavam vermelhos, ela estava chorando e devia ter no máximo uns cinco anos de idade de tão pequena que era. A garotinha estava machucada, seu joelho estava sangrando muito, deve ter caído no meio dessa correria.

-Vivi, me ajuda! -Alice gritou. -Eu não consigo levantar ela.

Ela tentou pegar a garotinha novamente mas não conseguiu, Alice era bem magrinha e não tinha muita força. Ainda bem que sempre fui o mais forte da família, eu pensei.

-Deixa que eu faço, Ali. -ela se afastou. -Vamos colocar ela naquele banco ali. -eu apontei om a cabeça e ela assentiu.

Passei meus braços por baixo dos da garotinha e a levantei do chão. Coloquei-a em meu colo, ela era um pouco pesada para mim, mas mesmo assim segui com ela até o banco que havia visto anteriormente. Coloquei-a sentada e ela não parava de chorar, Alice apareceu ao meu lado com enorme pedaço de papel higiênico dobrado em várias partes e estava molhado. Ela passou delicadamente no joelho da garota e limpou todo o sangue que havia no local.

-Segura isso aqui, tá? -ela disse para a garota que fez o que ela havia mandado segurando o papel contra o joelho.

-Qual é o seu nome menininha? -minha irmã perguntou.

-É-é é nan-nanda. -a garota disse timidamente enquanto fungava.

-Nanda, que nome bonito! Meu nome é Alice, mas você pode me chamar de Ali, e esse aqui é Vicente meu irmão, mas pode chamar ele de Vivi, igual eu. -ela sorriu para a outra que nos olhava com olhos curiosos.

-Então nanda, você é de que turma? Vou chamar sua professora pra te ajudar, você sabe o nome dela?

Ela fez que não com a cabeça.

-Ali, fica aqui com ela que eu vou chamar alguém pra ajudar. Me espera aqui, tá?

-Tá. -ela respondeu e se sentou ao lado da garota e continuou a falar.

Fui até a diretoria e encontrei a professora Rosana que dava história na nossa turma. Corri até ela que sorriu para mim.

-Que foi, querido? Posso te ajudar? -Rosana passou a mão em minha cabeça bagunçando meu cabelo.

-Tia, minha irmã e eu ajudamos uma menininha lá no pátio, ela caiu e machucou o joelho e estava chorando.

-E aonde ela está agora?

-No banquinho perto da escada.

-Tudo bem, vamos ver isso.

Seguimos até o banco novamente e vi que elas não estavam mais sozinhas, havia uma mulher alta e loira conversando com elas, não dava para ver seu rosto pois estava de costas para mim e para a professora, mas ao nos aproximarmos pude ver o seu rosto e percebi que ela era muito bonita.

-Oh, Giovana. -disse tia Rosana.

Ela se virou em nossa direção.

-Aquele é o meu irmão que eu falei. -disse Alice.

-Eu sinto muito que isso tenha acontecido, só fiquei sabendo agora do ocorrido.

-Tudo bem, Rosa. A fê é uma menininha forte, não é meu amor? -ela pegou a garotinha nos braços e ela logo aninhou sua cabecinha no pescoço da mulher.

-Quero agradecer esses dois meninos espertos que ajudaram minha garotinha. -ela deu um beijo no rosto de Ali e outro em meu rosto.

Senti meu rosto esquentar de vergonha pelo beijo que havia ganhado de uma mulher tão bonita.

-Vocês foram muito corajosos, obrigada!

-Não foi nada de mais. -eu desviei os olhos constrangido.

-Foi sim, talvez quando vocês crescerem se tornem ótimos médicos.

-Eu gostei disso! -Alice gritou animada. -Eu quero ser médica e usar aquelas luvas de plástico com aquele chapeuzinho engraçado. Você sabia que meu pai também é médico?

-Ah, é?

-É sim. E usa aquela roupa branca com luvas e tudo!

-Isso é maravilhoso.

-Eu sei, vou pedir meu pai para levar a gente para dar uma volta no hospital essa semana. Você vai vivi?

-É, talvez.

-Talvez não, você vai comigo! Você é meu irmão gêmeo e tem que ir se eu for.

-Tá legal, Ali. Não precisa gritar e nem fazer um escândalo.

-AEEEE. -ela gritou.

-Bom, tenho que ir. Tchau meninos, e boa sorte lá no hospital.

-Tchau. -respondemos ao mesmo tempo.

Depois disso, vi minha mãe entrando no colégio e cumprimentar o porteiro, ele respondeu alguma coisa e ela veio em nossa direção.

-Meninos!

-Mamãe! -Alice correu até ela.

-Mãe! -também fui até ela.

-Helena, como vai? -perguntou Rosana a minha mãe.

-Muito bem, e você Rosana? Os meninos tem se comportado?

-Eu vou bem também. Alice e Vicente são ótimos alunos, embora conversem muito durante o horário de aula, mas são apenas crianças, aí eu dou um desconto. -ela piscou nós.

-Bom, vou ter uma conversinha com os dois mais tarde. -ela fez cara de brava.

-Ah, não! -eu e Ali falamos ao mesmo tempo.

Essa era um coisa que sempre fazíamos quando estávamos encrencados. Mamãe tentou segurar uma risadinha, mas falhou e aí percebemos que ela estava apenas brincado.

Saímos do pátio e seguimos para o estacionamento do colégio onde ela havia estacionado o carro. Entramos no veículo e nossa mãe nos fez colocar o cinto de segurança, e logo após deu partida colocando o veículo em movimento.

Mamãe ligou o som e uma música começou a tocar baixinho pelos alto-falantes do carro.

-Mãe, mãe, sabe o que eu e vivi fizemos hoje?

-Não, querida. O que vocês fizeram?

-Nós ajudamos uma pessoa, na verdade uma garotinha. Ela tinha caído e se machucado. Tava saindo muiiiito sangue, sabe? Aí eu e vivi, colocamos ela sentada no banco, mãe, e eu limpei o machucado dela, tirei todo o sangue e ela ficou boa e parou de chorar.

-É mesmo, querida?

-É mãe. Aí a mãe dela apareceu depois, e falou que a gente salvou a vida dela! Não é o máximo, mãe? E também falou que quando a gente crescesse, a gente ia virar médico.

-Nossa, que legal, filha.

-Na verdade ela disse que a gente ajudou a filha dela, e que talvez, quando a gente crescesse poderíamos ser bons médicos.

-Deixa de ser chato, vivi. Quando eu crescer eu vou ser médica, como o papai.

-Isso é bom, seu pai ficará feliz ao saber disso, princesa.

-Você só sabe brincar de boneca, Ali. Seus pacientes vão ser suas barbies? -provoquei-a.

-Você é um idiota! -Alice gritou furiosa e eu ri.

-Idiota é você, bebezão! -retruquei.

-Vicente! -minha mãe mandou um olhar zangando em minha direção através do espelho do retrovisor.

Ela parou o carro no cruzamento quando o sinal fechou no vermelho.

-Vocês dois parem já com isso! Sabem que eu não gosto desse tipo de palavra na boca. Peçam desculpas, agora!

-Desculpa, mãe. -dissemos em uníssimo.

-Agora digam um para o outro.

-Desculpa, vivi.

-Desculpa, Ali.

Deu partida quando o sinal abriu ficando verde. Ela se concentrou na estrada novamente enquanto emendava a bronca.

-Bons meninos. Espero que isso não se repita de...

Um carro que vinha na pista oposta avançou em nossa direção e acertou a lateral do carro onde estava o motorista e na parte de atrás Alice. Mamãe tentou desviar, mas foi tudo muito rápido, e quando percebemos o impacto já havia acontecido.

Nosso carro foi arrastado por alguns metros e parou entre um poste e o carro que havia nos batido.

Minha visão ficou escura por alguns instantes, mas aos poucos minha mente foi voltando a consciência e captando os sons, cheiros e a dor a minha volta. Abri meus olhos desesperado e a primeira coisa que vi foi a figura imóvel de minha mãe pressionada pelo airbag.

-Mãe! -gritei. -Mamãe! -a chamei novamente, mas não ouve resposta.

Tentei sair do lugar para ver como ela estava e percebi que estava preso pelo cinto de segurança. Quando fui destravar o cinto vi uma pequena mão toda suja de sangue perto da trava. Olhei para cima em pânico, e foi pior do que eu havia imaginado.

A porta esquerda do carro estava toda deformada e parte do metal estava para dentro do veículo prendendo parcialmente o corpo de minha irmãzinha.

-Alii! - gritei sacudindo seu bracinho fino. -Ali, responde por favor! Eu juro que não vou mais implicar com você, só a-abri o olho. Fala comigo, Ali.

Ouvi o som de sirenes se aproximando do local e vozes abafadas falando coisas desconexas que eu não conseguia compreender. Meus olhos estavam ardendo assim com minha garganta, e de repente senti algo pingar na minha roupa. Olhei para cima e a única coisa que vi foi o teto amassado. Senti outra gota e toquei minha bochecha, estava molhada, eu estava chorando e nem havia percebido.

Havia muita fumaça dentro e fora do carro o que provocava uma tosse incômoda e meus pulmões se esforçavam muito toda vez que eu gritava por Alice ou por mamãe. Depois disso, tudo foi um borrão. Do momento em que os bombeiros retiraram as ferragens e até o momento em que fui posto em uma ambulância, as imagens se misturavam e eu acabei apagando em algum momento do trajeto.

Quando acordei estava em um quarto de hospital onde eu sabia, que papai trabalhava. Olhei desesperado para todos os lado em busca de alguém e encontrei meu pai sentado de mau em um sofá que havia próximo a cama hospitalar.

-Pai. -chamei-o.

Ele despertou e piscou algumas vezes até focalizar meu rosto.

-Oh, meu filho! -ele se levantou e veio me envolver em um abraço apertado, retribuí na mesma intensidade, eu estava muito confuso.

-Como você está se sentindo? Sente dor em algum lugar?

-Eu tô bem, pai. Minha cabeça só tá doendo um pouquinho.

-Tudo bem, filho. Isso passa. Vou pedir para uma enfermeira trazer algo para você daqui à pouco. -ele passou seus dedos entre os fios do meu cabelo.

-Pai, o que aconteceu? Cadê a mamãe e a Ali?

Ele me encarou sério por um momento e eu senti o medo atravessar meu copo. Será que elas se machucaram muito? Suavizando o semblante, papai não conseguiu esconder o brilho das lágrimas em seus olhos.

-Vicente, aconteceu uma coisa. Eu vou te dizer, mas primeiro você precisa ficar calmo, ok? Sua mãe está bem, ela apenas... machucou o braço, mas isso vai melhor com o tempo.

-E a Ali? Ela também se machucou?

-Filho, a Ali... se machucou, muito.

-Então você vai consertar ela? Você faz isso com as outras pessoas, também pode fazer com ela.

-Filho, a Ali nã-não pode ser... c-consertada.

-Porque? O que ela tem?

-Filho, a Ali morreu. Ela está morta e está descansando agora.

-NÃO! Não pode! Você tem que consertar ela, pai! -eu gritei.

-Filho, e-eu preciso que você se acalme.

-PAI! Não... ela não pode... ela não... pai... -eu comecei a chorar e soluçar ao mesmo tempo.

-Talvez s-se e-eu ti-tivesse fe-feito alg...

-Não filho, não havia nada que você pudesse fazer. Nem você, nem eu ou os médicos poderia ter salvado Ali.

E nós dois choramos abraçados ali, naquele quarto de hospital, por vários e vários minutos.

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