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1

QUANDO TUDO COMEÇOU.

Acordo meio atordoado e abro os meus olhos com dificuldade. Imediatamente a minha cabeça começa a latejar e sinto minha boca seca. Noto que ainda estou deitado no tapete do meu quarto e forço-me a levantar do chão. Meu corpo inteiro está dolorido. Com um rosnado estrangulado, olho ao redor do cômodo e observo os vestígios dos meus momentos mais insanos. Seu perfume derramado pelo chão, pedaços de suas roupas espalhados por todo o lugar e algumas joias destruídas. Com pesar, seguro um pequeno broxe de pedrinhas verdes em formato de uma borboleta e deslizo o meu polegar pelo objeto delicado por algum tempo. A recordação do nosso encontro casual me vem a memória no mesmo instante.

(...)

— Vamos mamãe, tenho certeza que a senhora vai amar esse restaurante! — comentei, tentando animá-la.

Desde que papai faleceu a dois anos e meio, Clara Village perdeu o gosto pela vida. Então eu e meu irmão Alex nos revezamos em passeios para que ela não se sinta sozinha. Na entrada do restaurante, alguém esbarrou forte contra o meu corpo e vi a jovem quase indo ao chão, devido ao impacto da colisão. Segurei firme a garota pela cintura e nossos olhos se encontram de um jeito impactante.

— Desculpe! — Ela sibilou, sentindo-se constrangida. Por algum motivo, aquilo me fez sorri. — Eu não o vi se aproximar.

— Não tem problema… — Esperei que se apresentasse para concluir a minha frase.

— Ângela, Ângela Simões.

— Ângela. O nome faz jus a pessoa. Parece um anjo — comentei. Ela sorriu.

— Me chamo Alberto Village, e esta, é a minha mãe, Clara Village. — Por algum motivo, a garota parecia apressada.

— Me desculpe, Alberto. Posso chamá-lo assim, não é?

— Claro.

— Eu preciso que ir, estou atrasada.

— Tudo bem, senhorita, Simões…

— Ângela, me chame apenas de Ângela.

— Tudo bem, Ângela! — Seu sorriso se ampliou e ele era… lindo! Então ela faz um gesto e eu concordei, dando-lhe passagem. Contudo, quando passou por mim, olhou para trás e me sorriu outra vez.

(...)

Falsa! Ordinária! Traidora de merda! Resmungo frustrado e aperto o broxe na palma da minha mão. Você desgraçou com a minha vida! Com um rugido forte, por conta da dor infernal, levanto-me do chão e vou para o banheiro. Faço minha higiene bucal no automático e quando termino, encaro o homem do outro lado do espelho. Eu não me reconheço nele. É um homem sem vida, sem alegria, vazio e sem expectativas. Abro o chuveiro e deixo a água morna banhar o meu corpo. Tenho vontade de chorar, mas me recuso a derramar mais uma lágrima por ela. Não mais, nunca mais! Minutos depois, pego minha mala e vou para porta de saída do meu quarto, mas antes de sair, dou mais uma olhada naquela imagem patética e saio fechando a porta atrás de mim. São seis da manhã e todos ainda devem estar dormindo. Entro no escritório da casa e ligo o computador. Primeiro, envio uma mensagem para Valquíria, minha assistente e explico que preciso me ausentar por tempo indeterminado, e deixarei Alex, meu irmão, assumindo o meu lugar na presidente da Village Exportation Ltda. Conto com seu auxílio nessa nova jornada com meu irmão caçula, já que sua experiência é resumida as funções de CEO. Depois, envio várias mensagens paras nossos sócios e acionistas, dando-lhes uma desculpa plausível para minha ausência repentina e quando termino, vou até o bar de canto e me sirvo um copo de uísque. Bebo de uma só vez, o líquido, que em nada diminui a dor em meu peito. Acredito que nada conseguirá tirar essa dor de dentro de mim. Terei que aprender a conviver com ela. Encho o meu copo mais uma vez e vou para sala, enquanto tomo um gole da bebida e Alex aparece no topo da escadaria. Ele me lança um olhar especulativo, olha para o copo em minha mão, mas não diz nada, apenas caminha em minha direção.

— Você está bem? — pergunta. Sinto um pouco de receio em sua voz e isso me deixa com mais raiva ainda. Não quero a pena dele, eu não preciso disso.

— Vou viajar — aviso com um tom áspero, ignorando a sua pergunta. Só então ele percebe a minha mala no canto da parede.

— Para onde você vai, Bel? E a empresa?

— Já falei com Valquíria, você assume o meu cargo por enquanto.

— Mas…

— Alex, eu preciso de um tempo só pra mim. Preciso reorganizar minha cabeça e não conseguirei fazer isso dentro daquelas paredes. — O interrompo. Relutante, ele assente. — Prometo que ligarei pra você diariamente. Valquíria vai ajudá-lo no que for preciso — falo. Meu irmão me abraça e eu retribuo o seu gesto. Entretanto, minha vontade agora é de sumir desse lugar, de desaparecer no mundo.

— Estarei aqui para você, sabe disso, não é? — sussurra se afastando e me olha nos olhos. Apenas balanço a cabeça em um gesto positivo. Meus olhos estão queimando com as lágrimas que insistem em querer derramar. Respiro fundo, pego a minha mala e sigo para o aeroporto.

_________________

(...)

— Sabe, estive te olhando a algum tempo… — comentei. Ela se virou de frente para mim. Seus cabelos ruivos e longos se balançam com o movimento. Então me lançou um olhar surpresa, que me fez rir.

— Ah, você por aqui? Que surpresa!

— pois é! É aniversário de um dos meus sócios. Você está acompanhada?

— Sim, vim acompanhando do meu primo Santiago. — Ângela apontou para um jovem do outro lado do salão conversando com alguns empresários do ramo hoteleiro. Volto o meu olhar para ela e sorrio.

— Ângela, não é? — perguntei. Ela assentiu. — Me dá o prazer dessa dança? — Convidei e fui agraciado por mais um sorriso. Esse além de lindo, era sedutor.

— Claro! — Ela segurou a minha mão estendida e eu a guiei para a pista de dança.

— Devo dizer que você está perigosamente linda essa noite! — sussurrei no seu ouvido. A garota afastou o seu rosto do meu e me olhou com um brilho nos olhos. Seus lindos olhos verdes me prenderam e parecia revelar os meus maiores segredos.

— Obrigada, Alberto! — sussurrou de volta e inevitavelmente, sorri largamente.

— Você lembrou.

— Como esquecer um nome tão forte e um homem como você? — Arqueei as sobrancelhas curioso com o seu comentário.

— Um homem como eu?

— Você é um homem muito sexy, Alberto. É elegante e determinado, e sabe o que quer — disse com um tom baixo e devo dizer que rouco também.

— Como pode dizer com tanta precisão tudo isso de um homem em apenas um esbarrão e uma dança? — Brinquei. Ela me abriu mais um sorriso sedutor e tocou o meu rosto apenas com o indicador. O simples toque me causou um frisson.

— Sou boa em ler as pessoas.

(...)

— Senhor? Senhor? — Acordo com a aeromoça do meu lado me chamando.

— Sim? — falo me ajeitando no banco.

— Iremos aterrissar em alguns minutos, por favor aperte o seu cinto!

— Claro, obrigado! — digo atordoado. Respiro fundo, lembrando do sonho que acabara de ter. Suas últimas palavras martelaram dentro da minha cabeça.

Sou boa em ler as pessoas.

— E com certeza você leu a palavra “trouxa” em minha testa! — rosno para mim mesmo.

Olho pela pequena janela do avião e encontro um dia está claro e sem nuvens. Daqui é possível ver uma Paris minúscula lá em baixo. Como a aeromoça avisou, em alguns minutos aterrissamos em solo francês. No aeroporto, faço o check-out, pego minha mala na esteira e caminho direto para um ponto de táxi. Paço o endereço do hotel onde fiz minha reserva e logo estamos no trânsito. Penso na noite passada, em suas palavras sedutoras dirigidas ao meu irmão, trancados naquele maldito escritório. As imagens do seu corpo colado ao dele, enquanto o seduzia me invadem a minha mente e as lágrimas querem vir à tona. E mais uma vez não permito. — Não vou chorar. Não por você. Nunca mais! — sussurro para ninguém em especial. Observo através da janela do carro as pessoas andando apressadas pelas calçadas, praticamente se esbarrando umas nas outras e respiro fundo mais uma vez.

— Nous sommes arrivés, mossieur. — O motorista avisa que chegamos.

— Merci! — digo e pago a corrida. Um empregado do hotel se aproxima para pegar a minha mala, assim que saio do carro e sigo para o elegante hall do hotel Valbecour. — Bonne après-midi! Jai une réservation ao nom d'Alberto Village. — aviso para a moça atrás do balcão.

— Oh! Oui M. Village! Voici votre clé.

— Merci! — Pego o cartão-chave em seguida e sigo para o elevador.

Enquanto aguardo o meu andar, olho para os números vermelhos a cima da minha cabeça para passar o tempo. Em alguns segundos estou no vigésimo andar, em frente ao quarto 3.400, passo o cartão na porta e entro. O rapaz deixa a minha mala em um canto de parede, no quarto e lhe dou uma gorda gorjeta.

— Merci, mossieur! — Ele sai sorridente.

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