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UM

O que é de enlouquecer mesmo são essas paredes brancas. O que é que meus pais estavam pensando quando me trouxeram pra cá?

Eu não tenho nada a ver com esses loucos. Eu não estou louca, estou apaixonada. Isso não é motivo pra internar alguém em um hospício.

Só fazem 24h e eu tenho quase certeza que vou começar a surtar.

— Senhorita Júlia Mackenzie.

Estou sentada de pernas cruzadas na minha enorme cama de casal. Não me dou o trabalho de levantar os olhos para analisar mais um dos velhos médicos que já passaram por aqui.

— Senhorita? - Ele insiste. Respiro fundo. E encaro o homem de jaleco a minha frente. Ele não é velho, nem um pouco.

— Sou o doutor Tyler Harrison, neurologista.

— E por que eu preciso de um neurologista?

— Faço parte da junta médica desenvolvida para cuidar do seu caso. - Sua paciência me comove, mas vamos ver até quando dura.

— Você não é muito novo pra ser médico? - Deito de barriga para baixo e apoio o queixo nas mãos.

— Sou formado e capaz de cuidar do seu caso, não se preocupe.

— Eu não vou. - Me viro de barriga para cima e o encaro. — Será que você é como os velhos chatos daqui ou eu tenho um bônus por você ser quase da minha idade?

— O que quer dizer?

— Você sabe. Este monte de velhos acha que eu tenho que estar aqui, mas a verdade é que eles não sabem a diferença entre estar apaixonada e estar louca.

— E qual a diferença?

Paro pra pensar. Olho para o teto como se a resposta pudesse estar lá. Depois me levanto e sento, encarando-o. A pergunta me pegou de surpresa.

— Eu não sei a diferença. - Admito.

— Quando estamos apaixonados é quase como se beirássemos a loucura. Não há mal nenhum nisso.

— Experiência própria ou estudo? - Sua resposta despertou meu interesse.

— Um pouco dos dois.

Volto para minha posição relaxada, deitada de barriga para baixo.

— Se estar apaixonado é como estar louco, por que os manicômios não estão lotados?

— Há uma linha tênue entre estar louco de paixão e perder o juízo por causa disso.

— E este é o motivo pelo qual estou aqui?

— Talvez sim. Talvez não. No momento a senhorita está em análise, pense nisso como uma experiência.

— Experiência em um hospício? Eu não estou treinando para ser psiquiatra, doutor.

— Julia, aqui você terá um descanso dos seus problemas. Não foque no pensamento errado. Imagine que você está em um retiro, deixe o que te faz mal do lado de fora e se concentre em tudo que fizermos a partir de hoje.

— Acho que você é um psicólogo e não neurologista. - Ele abre um sorriso. — Fico feliz por ter alguém que não ache que eu sou uma psicopata e venha aqui me lembrar disso a cada segundo do dia.

— Fico feliz de fazer parte do seu tratamento e é sobre isso que eu vim falar.

Sento de novo.

— Eu não preciso de tratamento algum. Estou apaixonada, apenas isso.

— Seu comportamento fugiu do normal e do aceitável. Você será monitorada e examinada constantemente para chegarmos a razão disso e buscar a melhora.

— E desde quando há cura pro amor? É só isso que eu tenho. Estou apaixonada. Por que isso é ruim? Por que amar alguém é tido como doença? - Ele ia me interromper. Mas decide apenas ouvir. — Eu tomei algumas atitudes. Impensadas, irresponsáveis, infantis. Chame do que quiser. Mas meu único objetivo era ter de volta o amor da minha vida. Quantas pessoas lutam por seu amor neste mundo? Por que, justo eu, sou taxada de psicopata por isso?

— Júlia, você não está aqui porque se apaixonou. Está aqui pela forma como agiu diante da sua paixão. Não é errado lutar por seu amor, não me entenda mal. Mas as armas que você usa são levadas em conta.

Nego com a cabeça, um sorriso confuso nos meus lábios.

— Juro que não faz o menor sentido pra mim. Mas, enfim, qual a sua parte nisso tudo? Não sabia que neurologistas eram necessários em casos de loucura.

— Eu vou te acompanhar e monitorar todo seu sistema nervoso.

— Então, doutor Tyler. Fico feliz que eu possa ter alguém mais racional na busca pela minha razão.

Ele ri.

— Tenho que ir, mas volto logo para dar início aos exames. Estarei de olho na senhorita nos próximos dias. - Anuo. — Espero que tenhamos mais conversas assim.

— Pelo menos você não é um velho gagá ou uma enfermeira que mal fala comigo.

— Você está aqui há apenas 24 horas. Dê tempo ao tempo.

— Posso te pedir um favor? - Abraço minhas pernas e apoio a cabeça nos joelhos. Ele assente. — Eu quero ver o Eduardo.

— Não é possível, Júlia. Eu sinto muito, neste primeiro período só a sua família pode visitá-la.

— Então vocês querem mesmo me enlouquecer.

— Nossos encontros serão a cada três dias, inicialmente. E no meu consultório. Logo mais alguém virá lhe mostrar o lugar. - Ele muda de assunto e ignora o meu pedido.

— Eu passo. Pretendo ficar o mínimo possível neste hospício e o máximo longe de doidos assustadores. Obrigada.

— Você pode fazer alguns amigos, garanto que vai ser divertido.

— Não há nada divertido em ser vista e tratada como doida.

Ele me olha com piedade. Reviro os olhos, levanto e vou olhar através da enorme janela do meu quarto, que tem uma bela vista do jardim local.

— Estimo suas melhoras.

Não me viro para vê-lo ir embora.

(...)

— Senhorita Júlia?

Mais uma enfermeira chega. Uma senhora desta vez. Seus cabelos quase brancos. Ela me passa uma sensação boa, como se fosse uma avó.

— Você é? - Ela é a primeira pessoa que não trato com aspereza.

— Me chamo Agatha. Sou a pessoa que administrará sua medicação e seus horários. Passaremos muito tempo juntas então sugiro que tire essa cara de brava e trate de virar minha amiga.

Um sorriso invade meu rosto e suavizo o vinco que inconscientemente se formou em minha testa.

— Agatha? Gosta de ser amiga de psicopatas? - Brinco. — Dizem que somos perigosos.

— Você não é uma psicopata, menina. Você é apenas uma criança confusa.

— Não é o que os médicos dizem. - Volto a me sentar em minha cama. Ela se senta na minha frente e segura minha mão.

— Acredite: eu já vi muitos psicopatas nesta vida. Você não é uma delas.

— Você conhece meu histórico? Eu fiz coisas terríveis. - Sou irônica.

— Você fez brincadeiras de muito mal gosto e teve atitudes inapropriadas. Levou todos a pensarem que havia perdido o juízo. Mas eu conheço jovenzinhas como você. Que se apaixonam cedo demais e não sabem lidar com os próprios sentimentos. Umas entram em depressão, outras desistem da vida, tem aquelas que seguem em frente, mas cada um lida do seu jeito.

— Eu não preciso lidar com nada, Agatha. - Aperto mais sua mão. — Eu só preciso do meu Edu. Só isso.

— Menina, você precisa se desconectar disso. Eu já ouvi tudo sobre você através da sua família. Quero ouvir de você, pra saber como posso te ajudar. O que houve? Me conte desde o começo.

O que houve? Me conte desde o começo.

******

Oi gente,

Júlia é meu novo desafio. Alguém que já despertou muita raiva em todos nós.

Estão prontos pra ver o outro lado da história?

Pra quem chegou aqui, indico ler Verdade ou Desafio pra entender melhor.

Aperta a estrelinha!

Amo vocês.

Beijos, S. ?

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