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"Kapitel Eins" (1)

"O homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem. Uma corda sobre um abismo. Perigosa para percorrê-la, é perigoso ir por este caminho, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar."

(Friedrich Nietzsche)

Fany nunca foi uma filha rebelde - na verdade sempre fora certinha demais - mas isto mudou nos últimos três anos.

Poderia culpar a traição do seu ex namorado ou o abandono da sua melhor amiga - ex também-, ou ainda a ausência dos seus pais por conta de tantas viagens à trabalho.

Mas ela sabe que no fim das contas não existe culpados.

Existe sim, escolhas e mudanças, neste caso, suas próprias escolhas e mudanças.

Quem diria ela, outrora tão dócil e ingênua, se transformar em uma baita festeira, com direito a experimentos de álcool e drogas apenas por pura diversão, nada que afetasse seu psicológico, nem quem realmente era, sua personalidade bem como seu caráter estavam intactos - guardados dentro de um baú em seu subconsciente - mas intactos.

Geralmente as mudanças são para melhor, embora não parecesse a princípio, as suas escolhas - as quais lhe fizeram mudar - a deixaram mais forte. Talvez por isso - não... talvez não, só por isso -, não desmoronou ao receber a notícia da morte dos seus pais e o que veio logo á seguir.

(...)

Era uma sexta-feira de dezembro, véspera de baile de formatura. Ela deveria estar preocupada com quem a levaria ao baile ou com o que iria vestir. Ao contrário disso estava em uma das várias festas que ia nos fins de semana.

Dançava com alguns amigos, um pouco embriagada, mas não o suficiente para não reconhecer Jackson, o motorista particular do seu pai. Olhou pra ele assim que ele colocou uma mão em seu ombro, franziu o cenho tentando entender o que ele fazia na frente dela, não precisava de carona, pois ela havia chegado ali em sua moto Kawasaky Ninja H2R - sim, parte da sua mudança radical - que era a única coisa que ela fazia questão de ostentar, apesar de toda a fortuna dos pais.

- Senhorita Stefany, preciso que me acompanhe imediatamente. - Ele deu ênfase no "imediatamente". E se Fany não o conhecesse á anos e tão bem, diria que só estava querendo lhe tirar da festa e a levar pra casa, como já tentara algumas diversas vezes, por pura proteção, além do dever.

Antes de segui-lo, jogou as chaves da moto para Hugo, seu melhor amigo desde sempre, o único que confiava de olhos fechados. Ela sabia que Jackson não a deixaria pilotar, não naquele momento.

Ele abriu a porta traseira do Rolls-Royce Phantom preto e antes que Fany negasse ir atrás, ele disse: - O senhor Fattori lhe aguarda. - Fany pára de súbito ao ouvir o sobrenome. Como adivinhando seus pensamentos e ações, Jackson logo completa: - O pai, não o filho.

Nem percebeu que havia prendido à respiração, soltou o ar e entrou no carro onde Dr. Bernard Fattori, advogado e um dos sócios de seu pai a aguardava. A presença do Dr. a constrangia, talvez por fazer algum tempo que não o via, ou por ser o pai de seu ex namorado que a traiu e depois foi embora do país sem mais nem menos, ou talvez, a mais provável, estava um pouco "alta" devido a bebida.

- Senhor Fattori? O que faz aqui? - Mil pensamentos passaram por sua cabeça, impossível citar todos, nem saberia por onde começar.

Ele sorriu com gentileza mas escondia uma certa tristeza por trás do olhar.

- Fany, eu... - Diante de sua hesitação em falar ela o interrompeu.

- Aconteceu algo com meu pai? - Perguntou já engolindo seco.

- Sim... aliás, com seus pais. - Franziu o cenho e ele continuou rápido demais para que fosse interrompido desta vez..

- O jato dos seus pais, sofreu uma pane elétrica... Fany eu sinto muito, não houve sobreviventes.

(...)

O cemitério não estava cinzento ou chuvoso como se via nos filmes, o sol brilhava intensamente. Afinal estava no Brasil e na cidade mais quente em todos os sentidos possíveis, Rio de Janeiro. Seus amigos, e amigos de seus pais assim como os dois sócios, estavam todos ao redor dos caixões suntuosos que guardavam os corpos - ou o que sobrara - dos seus pais. Fany estava inerte, mal conseguiu ler a dedicatória que escreveu sobre eles. Apesar de tanto trabalharem e estarem ausentes a maior parte do tempo, eram os pais dela. Eram sua única família.

Recebeu o abraço de todos como mandava o figurino, estava enojada de ouvir: "Sinto Muito". Ela duvidada que sentiam muito. Ela sentia muito.

Quando os caixões foram envolvidos por terra, um sentimento muito ruim a preencheu, como se enterrá-los fosse só o começo de sua tristeza. E ela estava certa.

(...)

Alguns dias se passaram, talvez dois, apesar do luto permanecer, precisava seguir em frente e um dos passos foi se encontrar com Dr. Bernard novamente para a leitura do testamento dos seus pais.

- Querida, como você está? - Christoffer Anton o outro sócio de seu pai perguntou mais uma vez ao encontrá-la no escritório de Bernad - com o qual nada tinha em comum, senão a sociedade com os pais de Fanny -, onde estariam lendo o testamento designado aos três.

Fany era mais chegada com Christoffer, sua relação com ele era quase pai e filha, se viam todos os dias úteis, pois ele trabalhava diretamente com seu pai, além de ser ele o pai de Joana, sua ex-melhor amiga, mas isso... já é outra história. Enquanto Christoffer cuidava dos assuntos internos da "Corporação Barbant", seu pai era historiador e pesquisador de campo e sua mãe era jornalista, os dois viajavam em busca do velho e do novo. Por fim, Fany fascinada pelas histórias de seus pais desde pequena, quando completou 16 anos passou a ocupar um cargo de estagiária na corporação - sim, era rebelde, mas foi ela mesma quem pagou sua moto.

Bernard como bom advogado que é, introduziu à leitura ao testamento sem muitas delongas, resumindo, Bernard Fattori, 54 anos, sócio 1, advogado dos seus pais e da corporação Barbant, viúvo, pai de Dominic Fattori, 20 anos, herdou certa fortuna, 20% das ações na corporação Barbant e a tutoria legal de Stefany Braun Barbieri até completar 18 anos. Christoffer Anton, 51 anos, sócio 2, administrador da corporação Barbant, divorciado, pai de Joana Anton, 17 anos, herdou certa fortuna, 30% das ações na corporação Barbant. E Stefany Braun Barbieri, 17 anos, estudante e estagiária, filha de - agora orfã de pai e mãe -Adrian Braun Barbieri, 56 anos, e Evangelina Barbieri , 49 anos, herdou fortuna e todos os bens materiais e imóveis, e 50% das ações na corporação Barbant.

Depois da parte pragmática do testamento, ou seja, a parte chata e burocrática, cheia de protocolos, datas e poréns, houve uns questionamentos.

- Me perdoe a pergunta Dr. Bernard - Christoffer desculpou-se - Mas gostaria de saber porque você ficou como tutor legal de Stefany? - Fany também queria saber, e agradeceu mentalmente por ela mesma não ter que perguntar.

- Bem Sr. Anton, eu somente redigi o testamento, não o formulei, tudo o que está nele é de total autoria do Senhor e Senhora Barbieri - sério, para quê tanta formalidade? - Pensou Fany -, mas posso dizer que esta decisão veio da mãe de Stefany, que certamente jamais pensou que essa tutoria fosse entrar em vigor. - Disse referindo-se ao fato de partirem tão cedo.

Diante do que escutou Christoffer apenas assentiu expressando certa infelicidade para Fany. Fany apenas baixou a cabeça. Era uma situação delicada, inesperada e ela não queria estar vivendo. Bernard percebeu sua incomodação e se voltou totalmente para ela.

- Fany... - ele disse seu apelido com certo pesar - está tudo bem? Podemos continuar? - Balançou a cabeça afirmando freneticamente, jamais prolongaria algo tão doloroso, e tinha conhecimento de que nem era procedimento.

- Sim, eu só quero acabar logo com isso. - Falou com a voz vacilante, mas sem chorar, aliás, ainda não tinha derramado uma lágrima sequer. Ela estava segurando, o que achava fazer parte de sua fase rebelde, mas não estava certa de que era uma boa idéia.

O advogado pediu para que o outro sócio se retirasse da sala, pois o que dizia respeito ao mesmo já havia sido passado. Demostrando certa resistência, Christoffer pergunta a Fany se ela queria que ele a aguardasse na recepção, tendo a resposta negativa, despede-se de ambos e se retira.

- Certo! - Dr. Fattori diz a palavra assim que fica a sós com a garota, e sua boca assume uma linha rígida, como se certo, fosse errado. Ele não toma seu assento, antes abre um cofre atrás de um dos quadros do escritório - Tão previsível! - pensou Fany- e retira de lá uma caixa de madeira talhada com algum brasão que depois veio a saber se tratava do brasão da família Braun.

- Stefany, o testamento dos seus pais já estava pronto á alguns anos, e claro a cada ano fazíamos devidas alterações conforme situações surgiam ou modificavam. Mas nunca se espera realmente colocá-lo á prova, nunca tão cedo, principalmente quando algo de tamanha importância precisa ser revelado. - Ele a encara com o cenho tenso e o coração de Fany acelera involuntariamente.

- Essa caixa é sua. Tudo o que sei é que sua bisavó paterna a deixou para sua avó que repassou à seu pai. - Ele arrasta a caixa na mesa em direção a ela, que sente mesmo antes de abri-la, seja o que for seu interior, mudará sua história...

...para sempre!

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