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Prefácio

Meus pais eram pessoas humildes. Meu pai, Carlos Roberto, não terminou nem mesmo a quarta série primária, e minha mãe, Marilza... Ah... Marilza, tão imperfeita quanto todos os seres humanos, porém, tão perfeita quanto todas as mães que amam os seus filhos, estudou até a sétima série, ou, como chamam hoje em dia, até o oitavo ano do ensino fundamental.

Foi com cinco anos que ganhei o meu primeiro livro. Meu pai chegou em casa no bairro de Acari, trazendo uma coleção d e livros do hoje saudoso Daniel Azulay. Meus irmãos André e Adriana já sabiam ler e escrever e receberam os deles com a empolgação natural de uma criança, mas, logo os abandonaram, após colorir e completar as brincadeiras.

Foi então que eu peguei os deles para mim.

Imagino a enorme paciência que a minha mãe teve comigo ao, diversas vezes, mostrar interesse quando eu a chamava para ler para ela. Eu, que não sabia ler, interpretava as figuras e olhava para o rosto dela, esperando aprovação.

Quão boas atrizes são as mães, por mostrarem interesse em momentos como aquele...

E foram muitos!

O suficiente para meus pais notarem que a, então, caçula deles tinha por livros.Dia após dia, a Aline criança recebeu de presente gibis da Turma da Mônica, a maioria do Cebolinha, seu personagem predileto. Cadernos de desenho, livros usados, um "Novo Testamento" ilustrado, coleção de contos de fadas...

Foi durante a minha adolescência que a minha mãe deu-me o maior e melhor exemplo de vida: Não sei que idade ela tinha quando decidiu voltar a estudar, lembro de ainda estar no ensino fundamental.

Foi com orgulho que concluiu o primeiro grau num colégio estadual, fez supletivo. Depois, ingressou no ensino médio regular e logo estava no último ano. Pobre, mãe de quatro filhos, morava no bairro de Água santa, subúrbio do Rio de Janeiro estudou em casa para o vestibular.

Um sonho: seria ela a primeira pessoa da família a entrar em uma faculdade?

Lembro-me dela indo ao jornaleiro nervosa para comprar a Folha Dirigida, onde comunicavam o resultado das provas, e lá estava o nome dela!

O que começou coo a realização de um sonho, logo, foi obscurecido por um pesadelo: o colégio, onde concluiu os estudos, não aprontou o histórico dela a tempo para a matrícula...

Ela perdeu a vaga na UERJ.

Mas Marilza era uma guerreira, estudou em casa sozinha mais um ano inteiro, com a promessa do colégio de que aprontariam os seus documentos em breve. Mais uma vez fez a prova, e, como não poderia deixar de ser, APROVADA!

Infelizmente, mais uma vez o colégio não aprontou os seus documentos. Minha mãe ficou desesperada, visitando a escola, implorando, telefonando para se apressarem, enviou cartas para jornais e revistas, mas, não aprontaram e nem derem explicações.

"Se eu perder a vaga, de novo, não vou tentar mais não. O mais difícil eu fiz, que foi passar, mas se mais uma vez não conseguir..."

Minha guerreira perdeu as forças, especialmente, após a notícia da sua situação aparecer no Jornal Nacional, que terminou com uma nota do diretor do colégio culpando a minha mãe pela falha dele.

A luta para mudar a realidade imposta pelo sistema aos mais pobres não terminou com esse evento. Minha mãe incentivou o máximo que pôde os estudos dos filhos. até que um câncer a levou...

Antes que eu passasse para a UFRJ...

Antes que que me matriculasse no curso de história...

Antes que eu escrevesse o meu primeiro livro...

Inocência sob Suspeita foi escrito lentamente. Eu estava cheia de dúvidas e inseguranças. Poderia eu, uma mãe solteira, pobre, que vivia de vender bolos para fora, e atreveu-se a ingressar numa universidade federal escrever um livro?

Minha mãe ensinou-me e mostrou-me que sim!

Mesmo com todos os obstáculos,

Mesmo com outra escritora, de Copacabana, me chamando de "bolera",

Mesmo escrevendo em um notebook velho e faltando letras,

Mesmo com o baeta temporal que caiu no dia do lançamento do livro, enchendo as ruas do centro da cidade onde realizava o evento.

Os melhores amigos apareceram em meio a tempestade, e enquanto a chuva caía, eu olhava pela janela, sentindo a falta dela... Apesar da suada de, eu sorri. Ninguém viu quando uma lágrima rolou pelo meu rosto, ninguém ouviu quando o meu peito gritou: "Olha mãe, eu consegui, eu escrevi um livro!"

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