Capítulo 7
O ponto de vista de Valentina
É quase como se eu pudesse sentir o peso dos últimos oito meses me pressionando, sufocando-me até ficar sem fôlego.
As aulas de Martina têm sido intermináveis, cada uma mais exaustiva que a outra.
Oito meses sendo moldado, torcido e esculpido em algo que nem sequer sou mais eu.
Oito meses de treinamento para me comportar como uma dama perfeita e refinada, o tipo de dama que fica quieta em segundo plano, sem fazer barulho, sem fazer perguntas.
Mas não me sinto como uma dama, não me sinto como uma garota, sinto que envelheci dez anos nesta casa.
Fico em frente ao espelho, olhando para o rosto que me encara, mas mal me reconheço.
Não são apenas as roupas novas que ela me fez usar, vestidos de gola alta, nada muito revelador, nada muito juvenil, mas a expressão que se tornou tão natural agora. Vazia. Fria. Como se as emoções que eu sentia antes tivessem sido drenadas, deixando apenas um exterior perfeito e polido.
Não me sinto mais como uma garota de dezenove anos.
Sinto-me como uma casca vazia de uma mulher de trinta anos, já exausta, já sobrecarregada por coisas que não deveria carregar nessa idade.
Olho para minhas mãos, delicadas e equilibradas, e me lembro de todas as lições que Martina me obrigou a aprender.
Como segurar uma taça de vinho, como comer uma azeitona sem fazer barulho, como sorrir, mas nunca demais.
Ela me ensinou a arte de ser invisível, de se misturar tão perfeitamente que ninguém percebe sua presença, a menos que você cometa um deslize.
Ela me treinou para ser uma obra de arte. A esposa perfeita para um chefe da máfia russa.
Uma vida com um pahkan.
Uma vida em que eu não sou nada mais do que um objeto bonito, uma esposa cujo único propósito é ficar bem no braço de um homem poderoso.
Mas, nesse processo, ela tirou minha vida. Não sou mais Valentina Rossi. Sou apenas uma sombra daquela garota.
Esta noite é o teste final de todas as lições.
O teste final de tudo em que Martina me transformou.
Ela está organizando um pequeno jantar com seus amigos, uma reunião de pessoas que eu nunca conhecerei, pessoas que fazem parte do mundo dela, o mundo frio e distante, cheio de sorrisos falsos.
Esta noite, devo provar que estou pronta para ser a esposa de um pahkan.
Um jantar em que devo provar meu valor, em que devo provar que todas as lições, todas as horas passadas nesse silêncio sufocante, fizeram de mim a dama perfeita.
Porque se eu falhar, se eu cometer um deslize, eu sei o que vai acontecer. Não preciso que me digam.
Já vi como ela me olha quando está decepcionada, quando está com raiva.
Já vi a maneira como ela fala de mim a portas fechadas. Se eu falhar esta noite, se eu a envergonhar, ela fará com que eu desapareça.
Não sei se ela vai me matar, mas provavelmente o fará.
Só de pensar nisso, meu estômago se revira, mas eu o rejeito.
Não posso pensar nisso agora. Tenho de me concentrar.
Não posso fazer birra, senão corto minha garganta ou posso até me jogar pela janela.
Tenho de agir porque minha vida está em jogo.
Eu me olho no espelho, tentando regular minha respiração enquanto ajusto o tecido azul-marinho do vestido que Martina escolheu para mim.
A renda aperta meu peito e odeio a maneira como ela puxa minha pele.
Mas não há tempo para hesitação ou desconforto.
- Você é linda - Martina havia dito isso para mim mais cedo naquele dia, com seu tom frio como gelo.
- Agora, aja como tal.
-
Tento fazer o que ela diz. Certifico-me de que meu cabelo está macio e minha maquiagem está perfeita, o tipo de maquiagem que apaga a garotinha que eu costumava ser.
Tudo tem que estar perfeito. Esta noite não há espaço para imperfeições. Não para ela.
Ouço a porta se abrir atrás de mim e sei que é ela. Martina.
Não preciso olhar para ela para saber que está lá. Posso sentir sua presença.
Ela sempre tem um jeito de preencher a sala, fazendo tudo parecer menor, como se você estivesse sufocando sob o peso de suas expectativas.
- Valentina", ela diz suavemente, quase um sussurro, "você está pronta?
Respiro fundo e me viro para olhá-la.
Ela está de pé na porta, com os braços cruzados e o rosto uma máscara de calma.
Mas posso ver a tensão em seus olhos. Sei que ela está me observando, esperando para ver se cometi um erro.
- Sim", respondo, minha voz saindo mais suave do que eu pretendia.
Limpo a garganta, tentando soar confiante, embora cada parte de mim pareça que vai desmoronar.
- Estou pronto.
-
Ela me olha atentamente, estudando-me da cabeça aos pés.
- Ótimo", diz ela, e seus lábios se curvam em um sorriso, "é melhor que esteja, ou então este será seu último dia na Terra.
Ela se afasta e eu a sigo pelas escadas, com o coração martelando no peito.
A casa está silenciosa, mas posso sentir o peso da noite me pressionando.
Tudo tem que ser perfeito. Não há espaço para erros.
Quando entro na sala de jantar, vejo os convidados e seus amigos já sentados ao redor da mesa.
Seus olhos se fixam em mim quando entro, avaliando-me como se eu fosse algum tipo de exposição.
Seus olhares são frios, distantes, desinteressados. Eles não se importam comigo. Eles se preocupam com meu valor. Minha utilidade.
Mantenho meu queixo erguido e minhas costas retas, como Martina me ensinou. Cada passo é calculado. Cada movimento é uma performance.
- Boa noite", digo suavemente, enquanto me dirijo ao meu lugar à mesa.
Tento manter minha voz firme, embora sinta um arrepio percorrer meu corpo.
Posso ouvir a voz de Martina em minha cabeça, suas instruções ecoando: "Sorria, mas não muito. Seja elegante. Mantenha o equilíbrio.
Sento-me, coloco as mãos no colo e fico olhando para a toalha de mesa. A refeição começa quase imediatamente, um desfile de pratos caros, cada um mais caro que o anterior.
Martina me observa atentamente do outro lado da mesa, sem tirar os olhos de mim.
Os outros convidados estão conversando entre si, mas eu não ouço suas palavras.
Estou muito concentrado no olhar de Martina. Sei que ela está esperando que eu cometa um deslize, que faça algo errado.
O primeiro teste acontece quando o vinho é servido.
- Valentina, você gostaria de uma taça de vinho?
- pergunta Martina em uma voz baixa que atravessa a mesa.
- Sim, por favor", respondo com um sorriso perfeito no rosto, mas posso ouvir suas lições ecoando em minha mente. Pegue a taça e beba. Não beba de um só gole. Beba lentamente. Não se trata de beber, mas de como você se comporta.
Minha mão treme levemente quando pego o copo.
O copo parece pesado em meus dedos, como se pesasse mais do que deveria.
Levo-a aos lábios, o aroma intenso do vinho quase me dominando, e tomo um gole lento, com cuidado para não derramar nenhuma gota.
Mantenho meus movimentos lentos e deliberados, meus olhos fixos na taça enquanto a coloco de volta na mesa.
Há um breve momento de silêncio e então ouço um suave murmúrio de aprovação vindo da mesa.
Não me atrevo a olhar para cima. Não me atrevo a reconhecer o fato. Simplesmente mantenho meus olhos fixos em minhas mãos, que estão dobradas ordenadamente em meu colo, aguardando o próximo exame.
A refeição continua, cada prato mais complexo que o anterior.
Minhas mãos se movem automaticamente, pegando os utensílios, cortando a comida em pedaços pequenos e delicados.
Mastigo devagar e com cuidado, exatamente como Martina me ensinou.
Minha mandíbula dói com o esforço de manter tudo sob controle, mas não deixo isso transparecer. Não posso deixar isso transparecer.
O próximo teste vem com a sopa.
A tigela é colocada na minha frente, com uma colher pequena e delicada apoiada na borda.
Sou instruído a tomar a sopa em silêncio, sem fazer barulho, sem respirar, sem chamar a atenção para mim.
Seguro a colher e meus dedos se enrolam ao redor do cabo com perfeita precisão.
Tomo um gole, mas, ao fazê-lo, sinto uma pequena gota de sopa escorrer pela borda da colher e pingar na toalha de mesa.
Não foi nada, apenas um pequeno deslize, mas meu coração parou.
A sala fica em silêncio, o silêncio é espesso e sufocante.
O olhar de Martina é como gelo, congelando-me no lugar. Posso sentir sua fúria irradiando do outro lado da mesa e, por um momento, juro que vejo seus lábios se contraírem em uma careta.
Mas ela não diz nada. Não precisa dizer.
Limpo rapidamente o derramamento com meu guardanapo, tentando me recuperar.
Posso sentir os olhares dos convidados sobre mim, mas mantenho minha cabeça baixa, concentrando-me na tarefa que tenho em mãos.
Tento não pensar na punição de Martina, no que pode acontecer se eu falhar completamente esta noite.
O resto do jantar passa em um piscar de olhos.
Cada teste, cada desafio, parece um peso do qual não consigo escapar, mas, de alguma forma, consigo superar.
Cada mordida na carne, cada gole de vinho, cada pequeno gesto, tudo parece uma performance, como se eu estivesse representando um papel.
Mas, no fundo, sei a verdade: não sou essa pessoa.
Estou morrendo por dentro.
No final da noite, estou exausto, meus ombros doem por manter a postura perfeita e meu estômago está embrulhado pela pressão.
Mas, de alguma forma, eu consegui. Não vacilei. Não envergonhei Martina. Quase não cometi erros, apenas um.
Quando os convidados começam a se retirar, Martina se levanta e vem em minha direção, com seus saltos altos fazendo barulho no piso de mármore.
A princípio, ela não diz nada. Apenas me encara com seus olhos frios, como se estivesse decidindo se mereço ou não sua aprovação.
Então, finalmente, ela fala.
- Você poderia ter se saído melhor, mas se saiu bem", diz ela, sua voz tão fria que me dá um arrepio na espinha.
- Por esta noite, você foi aprovado.
-
- Obrigado", aceno com a cabeça, meu coração afundando.
Eu sorrio, mas me sinto vazio. Sinto como se tivesse perdido tudo o que me fez ser quem eu era. Eu me tornei o que Martina queria e, ao fazer isso, não me tornei nada.
Enquanto a vejo sair da sala, sei que isso é apenas o começo.
Nunca me livrarei disso. Nunca me livrarei dela.
