Capítulo 2
O taxista me avisa que chegamos, agradeço e saio com toda a bagagem, para depois pagar. Quando olho para o prédio branco do outro lado da rua fico sem palavras.
Está rodeada por uma enorme cerca, com um portão muito alto, todo preto, em contraste com as paredes brancas da moradia. Tem um estilo muito moderno e elegante.
Antes de fazer a maior besteira da minha vida, preciso ter a cabeça mais clara e ter 100% de certeza de que eles me receberão em sua enorme casa. É isso mesmo, nunca liguei para eles ou avisei da minha chegada. Estúpido, certo?
Disco rapidamente o número do meu irmão Jacob. Sempre tive uma relação especial com ele, já que ele era apenas alguns anos mais velho que eu. Ele me entendeu, ele sempre esteve comigo, ele sempre esteve lá para mim.
Mas anos se passaram desde aquela época.
Antes de pensar muito sobre isso, clico no botão verde de chamada e levo o telefone ao ouvido. De ansiedade começo a bater o pé e a roer um pouco as unhas.
Um toque, dois, três... no quarto uma voz quente e profunda me responde.
- Preparar? — ele diz, sem saber quem realmente está do outro lado da linha. Minha respiração para junto com meus outros movimentos e meu coração parece querer escapar da minha caixa torácica com a excitação de ouvir aquela voz tão... familiar novamente.
Ainda tenho tempo de desligar a ligação e ir embora, mas a vontade de vê-lo novamente e abraçá-lo com tanta força a ponto de afogá-lo me leva a atender.
- Ele Ele? — respondo em voz baixa, animado. Hehe foi um apelido que dei a ele há muito tempo, e só ele e eu sabemos disso.
O silêncio cai e apenas se ouvem os suspiros de Jacob, que ficam cada vez mais pesados.
—E-Iris, é você? —ele gagueja quase como se estivesse chorando.
— S-sim Hehe, sou eu, sou sua irmã — algumas lágrimas se acumulam nas bordas dos meus olhos verdes, mas não deixo nenhuma cair. Como eu senti falta da voz dele. É o mesmo que me consolou depois do rompimento de um namorado, ou o mesmo que quando éramos pequenos me contou as histórias mais malucas e inimagináveis possíveis.
—Como esse número é obtido? Onde você está? Está bem? – começa a disparar pergunta após pergunta, e eu decido disparar a bomba final.
— Saia e você descobrirá — Desligo o telefone e olho em direção à vila. Alguns segundos depois uma figura masculina abre a porta com violência e depois de olhar para mim fica completamente paralisado.
Ele me olha como se eu fosse surreal, um espectro que decidiu voltar sorrateiramente para sua vida depois de tantos anos. Neste momento estou revivendo todas as boas lembranças com ele e minha visão está ficando cada vez mais embaçada.
É muito estranho eu chorar, quero dizer. Isso não acontecia desde que entrei no grupo de Kris, pois cada vez que via um pouco de água em meus olhos, isso me fazia tentar ainda mais.
Tento focar melhor na figura dele, que está cada vez mais próxima e rápida. Ele atravessa a rua e finalmente o encontro a poucos metros de mim. Ele é muito mais alto e bonito do que eu me lembrava. O cabelo cresceu, a barba quase não se vê, mas dá-lhe aquele toque extra de virilidade que o torna perfeito.
Olhamos nos olhos um do outro com emoção, por um tempo sempre infinito.
“É você mesmo, minha irmãzinha”, ele diz e depois percorre os últimos metros que nos separam e me captura em um abraço forte, caloroso e familiar.
Eu o abraço com força, como nunca fiz em toda a minha vida. Seu aroma entra em minhas narinas e desfruto até o fim. Lágrimas fluem incontrolavelmente dos meus olhos, assim como dos dele. Ele me abraça forte, me fazendo sentir protegida.
Senti falta dessas sensações. Senti falta do calor de um irmão, de um membro da família.
— Vejo que você ainda não superou o hábito de fazer surpresas — fazendo com que um sorriso, finalmente real, aparecesse em meus lábios.
— Nunca — tê-lo aqui, na minha frente, parece um sonho. Um sonho tornado realidade.
Sua risada enche meu coração e tenho certeza de que não há som mais reconfortante do que esse.
Nos separamos e começo a olhar para ele de perto. Seus olhos castanhos, seu nariz, sua boca. Suas feições ficaram muito mais masculinas e sua altura é invejável. Pelo menos da minha parte. Chegou quase abaixo do peito, o que ele pareceu notar.
"Vejo que sua altura também não mudou", diz ele com arrogância, bagunçando meu cabelo.
- Haha boa. Começamos agora? — É típico do Jeje mudar de assunto depois de baixar um pouco a barreira da bunda.
Nós três herdamos esse lado babaca do nosso pai e, na verdade, os piores desastres sempre aconteciam em casa. As pegadinhas eram comuns e às vezes bastante desastrosas.
De repente sua expressão muda e da brincadeira ele passa a se apaixonar: ele abre bem os olhos e a boca, sorrindo. Espero que? Apaixonado?
—Mas quem é essa cadela Iris?! Nossa, isso é lindo”, ele exclama ao perceber a presença de Wolf, me fazendo sorrir e bufar ao mesmo tempo. Jacob sempre gostou de animais em geral, na verdade era ele da nossa família que a cada três ou dois implorava aos nossos pais que nos comprassem pelo menos um animal de estimação. Ele começa a acariciá-lo e, surpreendentemente, o lobo se permite ser acariciado.
Isso me surpreende porque ele não deixa ninguém tocá-lo, e se não eu, raramente Mason e Allison.
— O nome dele é Wolf e comprei ele há quase um ano em Miami de um vendedor ambulante. “Eu queria ter outro, mas... Ian não deixou”, digo, engolindo em seco. Quando ele descobriu que eu havia comprado, me bateu com tanta força que fui obrigado a fugir de casa e caminhar até o hospital durante a noite. Fiquei lá por uma semana, internado com um braço quebrado e ferimentos graves. Depois disso, fui morar com Allison. Voltei para casa somente depois de alguns meses.
—Ian? Nosso pai? — Fiquei em silêncio, revivendo aquele pesadelo ruim.
—Por que você está aqui, Íris? - ele pergunta, ficando sério.
- Podemos sentar? Ou ir para outro lugar? Juro que vou te contar tudo - eu imploro.
—Vamos entrar em casa e eu te aviso imediatamente. Não se atreva a procurar outros lugares para ir. Temos um quarto duplo extra e seu nome está escrito nele. Conto a história mais tarde”, diz ele e pisca para mim.
Não entendo totalmente suas palavras, então, sem pensar muito a respeito, pego algumas malas iguais às dele e entro na imensa villa.
Deixamos Wolf no jardim externo um pouco livre. Ele está cansado, dada a longa viagem.
— Não se preocupe, não tem ninguém em casa —
Depois de passar pela porta preta opaca da frente, a vista da sala ocupa todo o meu alcance visual. Os móveis são todos brancos ou pretos, o sofá de couro, provavelmente italiano por ser o melhor, ocupa um terço da sala. Tem formato de L, e à sua frente está uma mesa de vidro com uma cesta de doces e um vaso de flores, enquanto em ambos os lados é ladeada por poltronas de couro.
Tudo isso colocado em frente a uma televisão de tela plana. O maior que já vi. Está colocado sobre uma superfície de madeira escura e toda a sua parede é decorada com portas de empurrar que formam um desenho indistinto. É um quarto muito bem decorado e muito bonito e elegante.
Não tenho tempo para investigar mais nada antes que Jacob me arraste para o sofá, repetindo a mesma pergunta de antes.
— Quer que eu comece do início ou…? -
"Quero saber tudo", ele me interrompe sério.
— Ok, estou avisando, é uma longa história. Quando você e Thomas foram embora, as coisas continuaram mais ou menos como antes. Mas a maneira como você fez isso, desaparecendo assim durante a noite, realmente nos afetou. Especialmente eu. Fiquei muito tempo doente e minha mãe estava comigo. Quando você também começou a parar de nos enviar mensagens, cartas ou nos ligar, a situação piorou. Mamãe enlouqueceu e quis vir procurar você, mas nosso pai a impediu. Ele a trancou em seu quarto. Não sei o que aconteceu, mas durante toda a noite ouvi os gritos desesperados da minha mãe e algo batendo na parede.
Só sei que alguns dias depois minha mãe desapareceu completamente. Ele pegou todas as suas coisas e foi embora, assim como você.
A partir daquela noite tudo muda. Papai começou a usar drogas e a ficar bêbado, ficou viciado. Ele perdeu o emprego e fui forçado a deixar a escola para começar a trabalhar. Todas as tardes eu voltava do trabalho, como era garçonete noturna, estava sempre exausta, não conseguia nem me mexer, e quando levava meu salário para casa ele roubava de mim, às vezes até à força, me batendo e se aproveitando da minha fraqueza e depois jogue-o fora. Eu trabalhava e ele gastava. Para manter tudo funcionando, tive que dobrar o turno e trabalhar dia e noite, todos os dias. Tive até que abrir mão do meu dia de folga ou domingo. Porém, naquelas poucas horas em que saí e voltei para casa, nosso pai nunca perdeu a oportunidade de me cobrir de hematomas e cortes de garrafas quebradas.
A certa altura decidi deixar de ser garçonete e passar a ser artista de rua, pelo menos era algo que eu gostava e gostava, não algo que iria me quebrar a coluna. Você sabe o quanto eu adoro pintar, certo? E isso me rendeu muito: um dia, um homem me propôs um acordo. Se eu tivesse pintado para ele, ele teria me dado metade do que teria feito com as pinturas. Desde o primeiro ganhei mais de milhões de dólares. Depois entrei para uma gangue: falsifiquei pinturas, diamantes e notas. Já participei de muitos roubos, ou comércio ilegal, às vezes até tráfico de drogas. Fui e ainda sou o melhor na minha área em Miami.
Deixei nosso pai sozinho com algum dinheiro e a casa que comprei, porque não aguentava mais. Embora por fora tivesse uma vida cheia de adrenalina, diversão e paixão, por dentro me sentia sufocado. Eu tive que fazer isso hehe. Eu não poderia ficar lá”, digo, jogando-me de volta em seus braços.
— Ssh, você está comigo agora, está tudo bem — ele sussurra, me abraçando e acariciando minhas costas. Eu mencionei que senti muita falta dele?
Depois de um tempo ele se afasta e pergunta.
—Como você sabia nosso endereço? - Eu sorrio.
— Um velho conhecido. Pelo contrário, porque você parou de nos enviar seus nãos... —
Um barulho surdo me interrompe e uma voz familiar chega claramente aos meus ouvidos, pela primeira vez em muito tempo.
— Íris, é você mesmo? -
Nem me viro, já reconheci essa voz.
