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DOIS

Entrar na mansão Richter hoje não foi muito fácil. Tudo aqui parece estar em polvorosa. O entra e sai de carros e de caminhões, a casa cheia de amigos e de parentes que vieram passar a semana, e tudo isso porque ao que parece, o casamento acontecerá em duas semanas. Uma pressa que fez a pequena Florentina espalhar rumores pelos quatro cantos. O lado bom disso tudo é que não tenho encontrado a senhorita Richter em lugar nenhum do casarão. Isso me dá algumas horas de sossego.

— Ai, droga! — Ouço o resmungo de Donana e ela me encara com aflição.

— O que houve, Donana? — Ela olhou para trás, na direção da porta da cozinha e depois enfiou as mãos no bolso largo do avental e tirou de lá algumas notas de dinheiro.

— Preciso que vá correndo ao mercado e me traga algumas coisas, Lara. — A jovem senhora começou a fazer algumas anotações em um pedaço de papel. — Mas seja rápida ou atrasaremos o almoço e isso não será bom para nenhuma de nós duas. — Faço um aceno rápido de cabeça, pego o dinheiro e o papel, me livro do avental e corro para a saída dos empregados. 

Não entendo o porquê de tamanha aflição devido a um casamento. Até parece que o mundo está se acabando, não tem uma alma viva naquela casa que esteja sossegada. Sair de todo aquele alvoroço para ir até o mercado, me dará alguns minutos de paz. A essa hora isso aqui fica lotado e eu preciso ser muito ágil e esperta para conseguir comprar todos os itens da lista que Donana precisa a tempo, e isso é algo que sou muito boa!

— Bom dia, Lara! O que vai querer para hoje? — Senhor Porfírio pergunta assim que me aproximo da sua barrada de legumes. Abro um sorriso espontâneo para o senhor de cabelos brancos, usando uma boina xadrez no topo da sua cabeça, enquanto observo os belos tomates-vermelhos.

— Bom dia, senhor Porfírio! Eu preciso de alguns desses tomates, uma grande porção de batatas e de cebolas também. Um maço de coentro e há! Ponha algumas laranjas também.

— Certo, e como está a sua mãe? — indaga enquanto põe os meus pedidos em algumas sacolas.

— Está se recuperando lentamente.

— Colocarei algumas maçãs para ela em uma sacola a parte. Ela precisa se alimentar bem, Lara.

— Eu sei, senhor Porfírio, mas o senhor não faz ideia do quanto aquela mulher é teimosa — resmungo e ele solta uma boa risada.

— Ah! Faço ideia sim.

— Preciso ir, senhor Porfírio, ou a Donana me mata!

— Sim, mas tome cuidado. — Me afasto da barraca, para ir comprar os últimos itens da lista.

Morar em uma cidade tão pequena tem as suas vantagens e desvantagens. Aqui todo mundo se conhece, portanto, todos se ajudam da maneira que pode. Mas se surgir alguma fofoca, essa se espalha rápido igual coceira de coelho. Como agora, por exemplo, por onde passo ouço as pessoas aos sussurros, falando sobre o casamento de Valentina e o tal Gael. Apresso os meus passos, assim que consigo me livrar da aglomeração e com pressa tento atravessar a rua, mas um impacto muito forte me faz ir ao chão e logo todas as verduras que comprei se espalham pelo asfalto.

— Merda! — sussurro exasperada e me ponho a juntar tudo com uma rapidez imprescindível.

— Você está bem? — Uma voz masculina soa bem do meu lado e havia uma certa preocupação em seu tom. Ergo a minha cabeça e encontro um par de olhos azuis-claro me olhando com preocupação. — Me desculpe, é que você apareceu de repente e eu não tive como frear! — Sinto-me irritada com ele, mesmo sabendo que o erro foi meu.

— É uma cidade pequena, moço. Não devia dirigir em alta velocidade! — reclamo com um tom irritado, que o fez erguer as sobrancelhas grossas para mim.

— Bom, para o seu governo, eu não estava em alta velocidade, mocinha. Foi você quem atravessou na minha frente — rebateu com igual irritação. Consigo organizar as compras nas sacolas e quando me levanto para seguir o meu caminho, sinto uma ardência quase insuportável no meu joelho e não segurei um gemido dolorido. — Para onde está indo?

— Julgo que isso não lhe interessa, senhor! — rosno, lhe dando as costas e saio dali com pressa, direto para mansão.

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Após fazer uma limpeza pesada na enorme cozinha do casarão, finalmente era hora de ir para casa. A noite já havia caído e a essa hora o caminho está completamente sombrio e tranquilo demais. Eu deveria estar aflita por isso, mas estou satisfeita demais, pois carrego comigo as sobras do almoço de hoje, que nos renderá um jantar delicioso e farto, e quem sabe sobra um pouco para o almoço de amanhã? Um estralo no meu caminho me fez olhar para trás, a procura de quem quer que estivesse atrás de mim. Forcei as minhas vistas para ver além da escuridão e encontrei apenas as árvores balançando ao vento. Respiro fundo e digo para mim mesma que tudo não passava de uma imaginação fértil da minha parte e sigo meu caminho. Volto a minha caminhada, dessa vez com um pouco mais de pressa e começo a ouvir alguns passos atrás de mim.

— Calma, Lara, são só pequenos animais atrás das árvores — disse para mim mesma, tentando acalmar-me. Logo vieram os cochichos e eu me apavorei. Não, não eram os animais. Trêmula, paro a minha caminhada, olho ao meu redor, e mesmo apavorada, me encho de coragem e grito. — Quem está aí? — Espero uma resposta, mas só encontro o barulho do vento. — Não se aproxime, estou armada! — sibilo, mas não recebo resposta. Imediatamente giro em meus calcanhares e apresso-me, preciso chegar logo no vilarejo, onde encontrarei ajuda. Os passos atrás de mim, aceleraram e eu me desespero. Faltava pouco. Penso, pois já era possível ver as luzes por atrás dos arbustos altos e secos. Então corro igual uma desesperada e só paro quando esbarro forte em algo.

— Cacete! — O paredão berrou, caindo na minha frente. — Porque não olha por onde anda, garota?! — Não respondo ao desaforo. Estou preocupada demais para dar atenção a quem quer que fosse. Apenas olho para trás e nada vejo, além de uma estrada escura e vazia. Cuido em levantar-me e pegar a sacola que espalhou tudo pelo chão. Tive vontade de chorar, mas só peguei o que deu para salvar do nosso jantar e quando me virei para seguir o meu caminho, o encontrei. — Você, outra vez?! — indagou exasperado. Puxo uma respiração audível, pois, estava envergonhada com esses tropeços.

— Me desculpe, eu só… — Noto a minha voz embargada e trêmula.

— Você está bem?

— Estou, eu preciso ir. — Tento passar, mas ele se põe no meu caminho.

— Se quiser, posso acompanhá-la. — Queria poder dizer que não, que não era necessário, mas eu estava apavorada e precisava chegar em casa. Então assenti e começamos uma caminhada tranquila. — Precisamos parar com esses encontros desastrosos — diz, me fazendo olhá-lo. Apenas suspiro em resposta. — Me chamo Gael e você?

— Sou a Lara.

— Lara, é um lindo nome! — Um pequeno sorriso surge no canto da minha boca.

— Me desculpe por hoje mais cedo! Eu estava com pressa e não o vi.

— Ah, aquilo? Não se preocupe, eu gosto de atropelar mocinhas indefesas. — Meu sorriso se ampliou. Minutos depois, paro em frente a humilde casa de alvenaria e o olho nos olhos. A noite eles parecem brilhar ainda mais, como os olhos de um felino. — Obrigada por me acompanhar, senhor!

— Gael. Não sou senhor de ninguém. — Respiro fundo outra vez.

— Boa noite, Gael! — Ele sorri e era o sorriso mais lindo que eu já vi na vida.

— Boa noite, Lara! — Desvio o meu olhar e entro na casa, me encostando na porta em seguida e sorrio. É a primeira vez que alguém me trata assim com tamanha educação.

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