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Noite de sexta

27/06/2008

Alice Lopes

   Estava tomando banho, concentrada em lavar os meus cabelos loiros. Meu banheiro não era muito grande, mas era bem limpo. As paredes tinham azulejos brancos com desenhos que não sei decifrar. O piso era de uma outra espécie de azulejo e no box onde tomo banho tem uma cortina azul escura, para caso eu receba visita, não venha a acontecer certo acidente. 

   Depois de ter ensaboado meu cabelo com shampoo, fiquei embaixo do chuveiro e comecei a tirar o excesso de espuma. Fechava os olhos para não cair sabão dentro do meu olho e depois que terminei, saí de baixo esfregando os olhos e os abrindo em seguida. 

   Eram sete horas. Cheguei em casa às seis e meia porque a Ketlin Mahoney me pediu para eu ir ao mercado com ela. Como não quis ser grossa, aceitei o pedido. Sempre fui gentil com os meus colegas e a Ketlin Mahoney sempre foi minha amiga, depois que começamos a trabalhar em Colina Verde. Acho que seria a mesma coisa que o Lupa e o Bruno Jalkh. Ambos se dão muito bem e eu gosto muito de conversar com os dois. 

   Saio do box pegando minha toalha cor de rosa. Sempre foi minha cor favorita desde menina. A maioria das minhas roupas e acessórios eram cor de rosa, mas não podia andar muito assim no trabalho, já que lidar contra o crime era algo sério. 

   Começo a me secar e pego a roupa que separei para ir na casa do Lupa. Constava em justamente um casaco rosa de tecido moleton com um capuz, uma calça jeans e um tênis de marca. Sempre fui muito bem estilosa no trabalho, mas quando estou para sair com o intuito de se divertir, gosto de usar outros tipos de roupa. 

   Saí do banheiro com as minhas coisas para pendurá-las na secadora que fica na cozinha. Minha casa era mediana, dava-se para dizer. As paredes eram brancas, os pisos eram de madeira (com exceção da cozinha e do banheiro que têm o piso de outro tipo de azulejo), o teto era de madeira também, mas o corretor me garantiu que era uma casa segura, que eu conseguiria suportar um temporal. 

   Depois que pendurei, ainda distraída nos meus pensamentos sobre como seria essa noite, senti um monte de pelos se esfregando em minhas pernas. Levei um choque fraco e quando olhei para ver o que era, foi Marie, minha gata de estimação. 

   — Oi, filhota. Sentiu falta da mamãe? — Indaguei para ela, pegando-a do chão e a colocando no colo, depois que arrumei a secadora. 

   Levei ela comigo no sofá e decidi brincar um pouco com ela. Eram sete e cinco, dava tempo ainda e o Lupa não me mandou o seu endereço. Será que ele se esqueceu? 

   — Meu amorzinho, a mamãe vai sair para visitar um amigo dela, ok? Comporte-se bem e saiba que a mamãe te ama. — Falei batendo meu nariz no dela, que por sinal, ela queria ficar no meu colo. 

   Assim fiz e fiquei afagando suas costas, enquanto ela dormia ronronando. Ela era muito linda. Sua pelagem era branca e seus olhos vermelhos. Eu cuido de Marie desde que ela era uma filhote e sempre foi muito mansa. Porém, se ela me vê estando sob ameaça, ela se transforma em uma leoa (risos). Ela conseguiu causar uma cicatriz no meu ex-namorado depois que ele quis me agredir. Nunca mais soube de seu paradeiro desde aquele dia. 

   Meu celular estava em cima da mesa de jantar. Ele vibrou e eu deixei Marie do meu lado. Peguei o aparelho e o liguei. Era mensagem do Lupa me indicando onde ficava sua casa. Mandei um torpedo para ele agradecendo pela atenção. No entanto ele não me respondeu. Como esse homem é reservado, até em conversar com os seus colegas. Ele costuma falar mais com o Bruno Jalkh e o Eduardo Mendes vive provocando ele, mas aquele homem é tão calmo que coloca o Eduardo Mendes no lugar dele. Eu me divirto com esses dois juntos (risos). 

   Fiz mais um pouco de carinho em Marie e me levantei do sofá. Estava indo para o meu quarto separar algumas coisas. Tinha planejado tudo. Comprei algo que o Lupa iria gostar: Um livro. Soube do Bruno Jalkh que o Lupa é um devorador de livros e perguntei qual tipo ele gosta. Simplesmente o Bruno Jalkh disse que ele gosta de livros grossos, com centenas de páginas. Eu não duvido que o Lupa leia esses tipos de livros. Como ele consegue? Confesso para vocês que não tenho costume de ler muito, eu costumo ler mais os relatórios da polícia, mas se fosse para ler um livro, ia gostar de um romance. 

   Embrulhei o livro que era do Dom Quixote e depois fui fazer meu lanche da tarde. Estou com muita fome hoje. Peguei da cesta que tinha na pia um pão e o coloquei em uma bandeja que tirei do armário grudado na parede. Cortei o pão, passei manteiga, depois de tê-la tirado da geladeira que ficava ao lado da pia e em seguida peguei uma lata de refrigerante. Caminhei até à sala com o meu lanche, liguei a televisão e fiquei vendo as novelas que estavam passando, enquanto realizava minha refeição. 

                                 ×××

   Pensei em sair de casa às sete e meia. Lupa tinha mandado outra mensagem, dizendo que da minha casa até a dele daria quinze minutos de viagem de carro e quarenta e cinco minutos de bicicleta. Bem, eu me pergunto como ele sabe onde eu moro, sendo que eu nunca disse. Aquilo me assustou um pouco, mas não dei muita importância. 

   Estava pronta para sair. Diante de uma porta rosa por dentro e branca por fora, girei a chave para abri-la e me despedi de Marie. Em seguida, saí de casa e tranquei a porta. As janelas ficam abertas, mas sei que a Marie, como é muito caseira, não sairia e me deixaria preocupada. Confio na minha gata. Apertei o botão para destravar o carro e abri a porta do motorista. 

   Meu carro é um Toyota preto, ano de 2006. Cor prata e muito limpo. Sou muito cuidadosa com as minhas coisas. Cuido do meu carro como se fosse um filho para mim. Acho que como sempre quis um filho, acabo tratando aquilo que é meu como tal. Minha gata e meu carro, como pode ver, são testemunhas disso. 

   Liguei o carro, que estava na frente de minha casa e comecei a dar partida para o meu destino. Minha rua é bem calma, é muito raro alguém ser assaltado por aqui. Também, tendo a mim como uma "vigia", ainda mais que não dou mole para bandido. 

   Já era noite com poucas estrelas e muitas nuvens. Parecia que ia chover, mas o céu não estava aquela cor rosada quando é noite que indica que vai chover. Acredito que não vá, nem olhei a previsão do tempo. Estava quase entretida com um filme que estava dando. Está bem frio e venta muito. Colina Verde é bem arborizada e as árvores que tem dos lados opostos da minha casa começam a balançar suas folhas de uma forma a indicar que a temperatura estava baixa. 

                                  ×××

   30 de junho de 2008

   Detetive Lupa

   Bem, meu querido leitor, como você já sabe, minha colega, Alice Lopes vai vir me visitar. Confesso que não estou muito confortável com isso, já que nunca recebi uma visita antes, desde que pus os pés em Colina Verde. Mas reconheço que este é o jeito de Alice Lopes. Uma mulher gentil e desejável pelos outros, da mesma forma que Ketlin Mahoney. No entanto, ela exige que a respeitem por ser mulher e também por exercer o cargo de policial, tanto que a maioria dos bandidos que estão escondidos em nossa cidade têm medo dela (risos). Essa mulher é incrível mesmo, tenho que admitir. 

   Eram oito horas agora. De repente a campainha toca. Nunca imaginei que ela chegaria pontualmente. Incrível essa Alice Lopes. Antes de mais nada, deixe-me apresentar a casa. Tem muitos móveis de madeira, mas bem cuidados. Uma televisão antiga, as paredes eram pintadas de marrom, parecendo ser madeira, o piso era desse material e logo mais narrarei os outros cômodos que há em minha casa para não ficar cansativo. 

   Fui até a porta de madeira e a abri, destrancando as 20 trancas que a sustentavam. Sim, eu não confio nas pessoas, tanto que se alguém vier a invadir minha casa, vai se dar mal. Minha porta tem essa proteção toda e as janelas possuem veneno de rato, uma perfeita armadilha para eles. 

   Abro a porta e vejo aquela loira que está bem diferente. Usava um casaco rosa de tecido moletom, calça brim coringa, como alguns dizem que é jeans, tênis esportivo e estava segurando um embrulho. Parece que iria ganhar um presente. Ela estava sorrindo para mim e pronunciou suas palavras:

   — Oi, Lupa. Eu disse que viria. 

   — Você me surpreendeu, detetive Alice. Conseguiu chegar às sete horas em ponto. 

   Ela começa a rir discretamente e responde:

   — Você viu como sou exigente com horários? 

   — Sim, eu percebi. Mas pode entrar, não repare na bagunça. — Dei espaço para ela acessar minha casa e ela ficou olhando para a sala de estar. 

   Reparou na televisão antiga, na mesa de café que tinha, no sofá, na máquina de escrever que ficava no canto da sala, em frente à uma janela, enfim, ela reparou em tudo. 

   Depois que fechei a porta, escuto ela dizer:

   — Parece que estou no século XX. 

   — Eu sou uma pessoa muito conservadora. — Disse para ela, depois de ficar em sua frente. — Não gosto dessa modernidade esquisita. Soube que estão inventando um tal de smartphone. Nunca vi na vida e nem penso em ter. 

   Ela cruzou os braços em minha frente sorrindo e responde:

   — Não se sabe o dia de amanhã, Lupa. Aliás, qual seu nome verdadeiro? Não precisa ser assim tão misterioso. Prometo não contar para ninguém. 

   Fiquei alguns segundos em silêncio e tirei uma barra de chocolate do bolso. Abri a embalagem e comecei a comer. Olhei para o embrulho e indaguei:

   — O que você trouxe? 

   — Ah sim. — Ela responde, entregando-me o embrulho. — Espero que goste. 

   Peguei o embrulho e me sentei no sofá. Alice Lopes se senta do meu lado e o abri, depois de deixar a barra na minha boca. Quase deixei o chocolate cair no chão. Era um dos livros que nunca tive a oportunidade de ler e agora terei. Dom Quixote! Olhei para ela como ele fosse uma criança que ganhou aqueles bonecos de super-heróis e indaguei:

   — Detetive Alice. Não sei o que dizer. 

   — Não precisa dizer nada. Comprei com bom gosto porque sei que você é apaixonado por livros. Não sabia o seu gênero favorito, mas acredito que você vá gostar deste. 

   — Detetive Alice. Obrigado mesmo. — Disse olhando para ela. — Prometo que esta noite será inesquecível para sua pessoa. 

   Ela ficou um pouco corada, pude reparar nisso e então ela indaga:

   — Que tal ler um pouco desse livro para mim? 

   — Se eu ler, vai prestar atenção? — Indaguei para ela. 

   — Prometo. 

   Sorri para ela e coloquei o último pedaço da minha barra de chocolate na boca. Abri o livro e me virei para ler um pouco dele para Alice Lopes. 

                                 ×××

27/06/2008

Alice Lopes

   Depois de duas horas seguidas lendo para mim, vi que o Lupa alcançou um terço do livro. É gostar de ler. Já eram dez horas da noite e começamos a sentir fome. 

   — Que gostaria de comer, Detetive Alice? — Lupa indagou para mim. 

   — O que você quer comer? Você é o dono da casa. 

   — Como você é a minha convidada e gostei muito de receber este tipo de presente, pode pedir o que quiser. O jantar é por minha conta. 

   Sorri para ele. Podia pedir o que quisesse então? Depois de muito pensar, finalmente decidi. 

   — Que tal pedirmos uma pizza? — Indaguei para ele. 

   — Ótimo. Eu adoro pizza. 

   Então agora eu sei que o misterioso Detetive Lupa gosta de pizza. 

   Vi ele se dirigindo até um telefone que tinha junto com a máquina de escrever. Gente, o telefone era daquele dos anos 70. Como o Lupa fez essa relíquia funcionar, ou melhor. Como se comunicar com os telefones modernos? Ele ligou tranquilamente e começou a falar com o funcionário, pedindo uma pizza. Depois de feito, ele se sentou no sofá ao meu lado e ligou a televisão. 

   — Enquanto esperamos a pizza chegar, não gostaria de ver um filme? — Ele indaga para mim. 

   — Sim, pode ser. — Respondi para ele. 

   Naquele momento, estava surpresa com a façanha dele. 

   Lupa deixou no canal 5 e estava passando um daqueles filmes do Jackie Chan que ele tem um parceiro e umas cenas cômicas de luta. Confesso que gosto dos filmes dele, mas prefiro o Jet Li. 

                                ×××

30 de junho de 2008

Detetive Lupa

   Enquanto Alice Lopes estava distraída com o filme, olhei para o meu relógio de bolso que tinha comigo e me levantei para ir aos meus aposentos. 

   — Volto já. — Anunciei. 

   Acho que ela nem prestou atenção em minhas palavras. Estava tão distraída vendo aquele ator cumprir com o seu papel que nem prestou atenção no que eu disse. 

   Subi às escadas que tinham o corrimão e os degraus de madeira e acessei um corredor cheio de quadros que por hora não citarei o que tem neles, use sua imaginação, leitor. Entrei em uma das cinco portas e era o meu quarto. Uma cama com roupas de cama de cores neutras, ao lado um criado-mudo com uma foto minha e o da minha falecida esposa e mais um despertador. As paredes eram também de madeira, as janelas eram pintadas de azul, mas o parapeito era pintado de amarelo. Tinha um guarda-roupa antigo, mas bem cuidado e puxei a gaveta do criado-mudo e tirei o dinheiro que tinha na minha carteira. Coloquei-a no lugar e depois voltei para a sala. 

   Não se assuste, leitor, com a minha casa. Sempre fui muito conservador e tenho muitos móveis antigos e de bom estado. O que é mais novo mesmo é a minha carteira, que faz três anos que a comprei. 

   Descendo as escadas, escuto um barulho da campainha. Alice Lopes olhou para a mesma e eu estaria me dirigindo até a barreira entre mim e a minha convidada e o nosso jantar. 

   Destrancando as vinte fechaduras, pude ver que era o nosso querido motoboy, Otávio Pereira. Um rapaz de 25 anos, que trabalha nessa profissão há 3 anos. 

   — Não acredito, é o Detetive Lupa! — Ele disse surpreso ao me ver. 

   — Não conte a ninguém onde eu moro. Isso seria um incômodo para mim, ainda mais que seria uma satisfação aos meus inimigos. Em troca, se fizer isso, posso te dar uma gorjeta, o que acha? 

   Otávio Pereira ficou olhando para mim pensativo e confirmou com a cabeça que faria o que eu disse. Alice Lopes ficou olhando para nós, nem imaginando a barganha que estava fazendo com o rapaz. 

   — Uma boa noite, senhor Lupa. Aproveite seu jantar. — Disse Otávio Pereira. 

   — Lembre-se que estou confiando em você, rapaz. 

   — Pode deixar. — Ele responde preparando a moto e depois sobe nela e começa a ligá-la. 

   Sei que posso confiar nele. Na época que ele trabalhava em uma lancheria, pedi tele-entrega no meu antigo endereço. Ele ficou surpreso da mesma forma que agora, mas fiz a mesma barganha e ele manteve sua boca fechada. Tive que me mudar depois de alguns meses, quando o meu vizinho revelou onde eu morava, só porque não queria ajudá-lo a espionar sua esposa. Mal caráter aquele homem. 

   Depois que Otávio Pereira sumiu da minha vista, fechei a porta e a tranquei com as 20 trancas e anunciei para Alice Lopes a chegada do nosso jantar. Imagina se Otávio Pereira a visse, o problema que ia rolar entre nós. Enfim, hora do jantar. 

                                 ×××

27/06/2008

Alice Lopes 

   Já eram quase onze horas da noite quando começamos a comer. Estávamos sentados um de frente para o outro na mesa de jantar de Lupa, que obviamente ficava na sala de jantar. Ela era no mesmo lugar onde fica sua cozinha, estando a mesa no meio do cômodo. Achei bem direto este tipo de fusão entre a sala de jantar e a cozinha. 

   A caixa de pizza estava aberta com oito pedaços cortados, mas pegamos dois e sobraram seis. Metade da pizza era de calabresa. A outra metade era de queijo. Pelo visto, saiu um bom investimento no jantar. Fico feliz que Lupa queira comer pizza para compartilhar comigo. 

   — Quanto saiu a pizza? — Indaguei para ele, curiosa, depois de ter engolido um pedaço. 

   — Deu 50 reais, por causa do frete. — Ele respondeu. 

   — Se quiser posso te dar uma quantia para… 

   Lupa limpou forte a garganta e bebeu um copo de refrigerante. Depois de ter posto o copo no lugar, ele responde:

   — Não gaste nada comigo, Detetive Alice. É por minha conta hoje. 

   Arregalei os olhos, encantada com o que ele disse. Pelo visto ele está podendo. 

   O vento fica mais forte, mas não a ponto de ser um temporal. Cortei mais um pedaço e comi, dando algumas mastigadas. Depois, olhei para a janela por alguns segundos e depois olhei para Lupa que estava olhando para um ponto fixo. Decidi puxar assunto, agora que estávamos um pouco mais íntimos. 

   — Lupa, posso lhe perguntar uma coisa? 

   Ele olha para mim e balança a cabeça positivamente. 

   — Bem, por que você é misterioso? — Indaguei para ele, confiante que ele me retornasse. 

   Ele ficou me encarando durante alguns segundos. Aquela fixação em mim, fazia eu ficar tímida. 

   — Bem, eu não confio nas pessoas. — Ele responde francamente. 

   Fiquei impressionada com os seus ditos e decidi fazer mais uma pergunta:

   — Por quê? 

   Ele bebe um pouco de seu refrigerante e depois deixa o copo no lugar onde estava. Complementa:

   — Bem, as pessoas olham para você com o objetivo de que você fosse como elas, como se você não fosse quem gostaria de ser. 

   — Do que está falando? — Fiquei confusa com os ditos de Lupa. 

   Ele limpa sua boca com um guardanapo e indaga para mim:

   — Detetive Alice, você demonstra interesses demais em minha vida. Por qual motivo está indagando sobre ela? 

   Na hora congelei. De repente ele começou a agir de uma forma um pouco mais agressiva, como se eu o estivesse ameaçando com as minhas perguntas ou tirando informações dele que era uma incógnita para Colina Verde. 

   — Eu pensei que como nós fôssemos amigos… 

   Ele ri discretamente. Em seguida, ele come o resto da pizza que era composta de um pedaço pequeno, limpa sua boca e responde:

   — Detetive Alice, essa palavra é muito forte. Amigo. Nós não somos amigos. Somos apenas colegas. Eu também não tenho amigos justamente porque eu não confio nas pessoas. Depois que passei pela minha vida, a minha confiança nas pessoas diminuiu bastante. Eu faço o possível para manter Colina Verde protegida e segura, mas eu não tenho intenção de ser amigo de ninguém. 

   — O que fizeram com você? — Indaguei para ele. 

   Lupa pareceu receoso em contar, mas eu tinha que mostrar que ele podia confiar em mim. 

   — Pode falar, Lupa. Não precisa ter receio. Eu não vou fazer nenhum mal para você, eu prometo. Pode confiar em mim. 

   Ele ficou me olhando por alguns segundos e indaga:

   — Você promete, Detetive Alice, que se eu contar um pouco da minha vida para você, ficará apenas entre nós dois? 

   — Prometo. — Respondi sem pensar duas vezes. 

   Lupa apresentou um ar mais à vontade. Antes ele estava mais frio comigo, como se fosse me agredir verbalmente comigo a qualquer momento. Mas agora, ele demonstra um ar mais simpático, como de antes. 

   — Bem, aos 2 anos de idade, eu já dominava o ramo da Matemática Básica e já sabia falar o Português Correto. — Ele diz, deslizando a cadeira para trás e cruzando as pernas. 

   Fiquei atenta pelo que ele contava, que continuava:

   — Nessa mesma idade, eu aprendi a ler, a escrever, a pintar, a desenhar e a tocar piano. 

   — Você toca piano? — Indaguei surpresa. 

   Ele assentiu que sim enquanto sorria. 

   — Aprendi tudo isso com dois anos. Meus pais ficaram surpresos com tamanha inteligência que eu desenvolvi. Eles pensaram que eu tinha tendências de ser autista por ter alcançado tamanha inteligência. Eu aprendi e aprendo até hoje as coisas muito rápido só em olhar os outros fazerem ou escutar a informação que me passam, tudo com facilidade. 

   Estava surpresa com os seus ditos. De fato, Lupa era muito inteligente. Tem um nível alto de intuição. Era apelidado pelo Eduardo Mendes de "Sherlock Holmes brasileiro".

   — Bem, Detetive Alice, quando eu fiz 4 anos, já sabia falar fluentemente três idiomas: Inglês, espanhol e alemão. Meu nível de inteligência aumentava a cada ano que passava. Depois de muito verem meu desempenho, meus pais decidiram testar meu QI com o apoio de alguns cientistas. Eles ficaram chocados. Na época, eu tinha o QI de 190, superando o de Einstein. 

   — E qual o seu QI agora? Não que eu vá pelos números. 

   — Está enganada, Detetive Alice. As letras e os números são dois universos paralelos aos nossos, mas somos dependentes deles para nos orientarmos ou termos uma noção de quem somos. Nesse caso, os números calcularam meu nível de inteligência. — Ele puxa uma barra de chocolate do bolso e mastigava. De onde ele tira tanto chocolate? — Meu QI agora é de 215.

   Arregalei os olhos surpresa. O Lupa é tão inteligente assim? Inacreditável. Mas ele voltava a contar sua história para mim. 

   — Na escola, eu era o primeiro da classe. Tirava somente A e quando cheguei na terceira série, na metade, a própria diretora me passou adiantado para a sexta série. Consegui manter meu desempenho na escola facilmente. Consegui aprender coisas que os meus colegas mais velhos tinham dificuldade e até hoje conservo o que aprendi. Tudo o que eu aprendo, eu não esqueço. 

   — Como faz para não esquecer? 

   — Eu leio bastante sobre os assuntos, o que faz com que eu nunca esqueça. Eu era bom e ainda tenho especialidade nas disciplinas da escola. Mas eis que começa o problema. Aqueles clichês da escola que fazem bulliyng com nerds e sim, fizeram comigo. Eu suportei o bulliyng por um ano. 

   — O que você fez depois? — Deu para ver que estava interessada no assunto. 

   — Lembra que eu conseguia aprender as coisas com facilidade? — Ele apontou para a televisão que passava uma luta de boxe. — Eu aprendi boxe e karatê e mesclei essas duas artes marciais. Consegui quebrar os ossos dos valentões. Uns eu quebrei as pernas, deixando-os paraplégicos. Outros eu consegui cegá-los. 

   Não acreditava no que estava ouvindo. Lupa foi capaz de derrubar os valentões. 

   — Eram cinco valentões, duas vezes maiores do que eu, e consegui derrubá-los e deixá-los paralíticos e cegos. 

   Tremi na cadeira, mas depois Lupa sorri e morde sua barra de chocolate. 

   — Não precisa ter medo de mim, Detetive Alice. Eu lhe admiro muito, mas vamos à minha história de vida. Depois que eu fiz o que citei, a escola toda, incluindo os professores e diretores passaram a ter medo de mim. Meus pais souberam disso e decidiram me transferir de escola. Voltei para a quarta série, como tinha que ser, mas era entediante. Vi os outros desesperados com as suas e eu sem estudar, passando a madrugada acordado tocando piano com os meus pais me assistindo, gabaritava as provas. — Ele morde mais um pedaço de chocolate. 

   Nesse momento estava boquiaberta. Esse Lupa. Será que ele é humano mesmo? Não pode ser. Como ele conseguiu ter um bom desempenho na escola. 

   — Bem. — Ele continua. — Quando meus pais pegaram pela quinta vez seguida meu boletim cheio de A, eles decidiram me levar para um cientista, o mesmo que testou o meu QI. Ele avaliou o meu cérebro e chegou à seguinte conclusão. 

   — Qual? 

   — Ele disse para os meus pais: "Seu filho é superdotado".

   Imaginava isso. Se Lupa não tivesse transtornos de autismo, com o nível de sua inteligência poderia ser superdotado. Mas ainda assim, pelo que ele me contou seria isso mesmo? 

   — Mas o cientista disse que o meu caso poderia até superar um superdotado, o que deixou em dúvidas para ele. Só sei que até hoje ninguém sabe denominar a minha inteligência, nem eu. — Ele come mais um pedaço de chocolate. Mastigava e bebia um copo de refrigerante. — Na minha adolescência, eu namorei uma garota que disse que gostava de rapazes inteligentes. Ficamos em um relacionamento por 10 meses. Não durou 1 ano porque eu descobri que ela estava me usando. Abusava da minha inteligência para poder passar de ano. Depois que todos apontaram isso e me alertaram e eu também tive essa intuição, terminei com ela. Mas no decorrer do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, eu nunca tive nenhum amigo, porque todos me achavam uma aberração de ser inteligente demais. As pessoas que se aproximavam de mim, era por interesses próprios. Depois que me formei no Ensino Médio, percebi que as pessoas não são confiáveis. 

   — Lupa, eu… — Estava quase chorando por causa da vida que ele estava me contando. — Sinto muito pela sua vida.   

   — Por que está se desculpando? Você não foi responsável por nada. Aliás, eu não sou colinense. 

   — De onde você é? 

   — Da grande Porto Alegre. Eu nasci em Porto Alegre e tive minha vida lá. Depois que eu fiz a faculdade de Direito e almejei ser policial, foi então que me transferiram para Colina Verde. 

   — Que bacana! Eu sou… 

   — Catarinense. 

   — Como você sabe? 

   — Seu sotaque diz tudo e você não está muito acostumada com as tradições gaúchas. Logo percebi. 

   Comecei a rir como uma boba. Esse Lupa é mesmo muito bobo. 

   — Para encerrar, vou dizer no que sou bom. Fora as disciplinas que se aprendem nas escolas, domino também 10 idiomas, incluindo o português, o inglês, o espanhol e o alemão, onde falo também francês, italiano, russo, japonês, mandarim e coreano, tudo facilmente. Também domino todo tipo de cálculo Contábil, as Teorias Administrativas, Economia, Psicologia, Anatomia, Astronomia, Astrologia, Direito de todos os tipos, Música, Dança, Boxe, Karatê, Kung Fu, Ninjutsu, Engenharia, Informática e também domino a Linguagem Corporal. 

   Estava pasma. O Lupa de fato é inteligente. Domina vários assuntos diferentes. Como ele consegue ser tão inteligente assim? Confesso que tive que estudar muito para fazer a prova para trabalhar na polícia. Lupa já deve ter facilidade. Esse homem… É incrível… Mas mesmo que ele tenha tanto conhecimento em tantas áreas diferentes, eu queria que ele quebrasse um tabu na vida dele: Tivesse um amigo. Por mais que você seja inteligente, não adianta ter todo o conhecimento do mundo se não tem amigos. Ia perguntar da família dele, mas acho que não seria o momento agora. Ele já me contou muito de sua vida. 

   — Lupa, eu estou fascinada com o tanto de inteligência que você, mas… — Ele pega um pedaço de pizza e ia degustando, enquanto me escuta falar. — Você não tem vontade de ter uma amizade? 

   Ele para de comer para me olhar um pouco e depois responde:

   — Uma pergunta, Detetive Alice. Por que insiste tanto nesse assunto? 

   — Porque eu achei injusto o que fizeram com você e… — Uma vontade de chorar veio em mim. Parecia que era eu que estava sentindo o que ele me contou. 

   — Não derrame suas lágrimas por mim. O que passou, passou e o que aconteceu, era para acontecer. — Ele disse. — Mas eu acho que eu sei porque isso tudo aconteceu. Além de todo conhecimento científico, Detetive Alice, eu acredito em uma força superior. Mas não adiro à nenhuma religião. 

   — Do que está falando? — Indaguei confusa. 

   — Bem, eu acredito que Deus tenha trago você em minha vida. Acredito que você seja essa pessoa que é não porque teve um certo nível de educação de seus pais, mas sim porque Deus vendo minha situação de solidão, enviou um de seus anjos para me fazer companhia e mostrar que há pessoas confiáveis. 

   Fiquei corada na hora. 

   — Está me chamando de anjo? — Indaguei. 

   — Teorizo que você seja um. 

   Comecei a sorrir boba. Esse homem é muito estranho mesmo. Mas de alguma forma eu gosto do jeito dele. 

   — Detetive Alice. Eu aceito sua amizade. Se eu não aceitasse, nem minha história estaria contando. 

   Sorri boba e comecei a chorar feliz. Era o que eu queria. Saber por que Lupa era assim tão fechado com os próprios colegas. Confesso que fiquei surpresa que ele tenha confiado em mim para revelar um pouco de seu misterioso passado. 

                               ×××

27/06/2008

Detetive Lupa 

   — Eu aceito sim ser sua amiga. Seria uma honra. — Disse Alice Lopes, enquanto a via em lágrimas. 

   Comecei a sorrir para ela e em seguida, escuto ela pronunciar:

   — A partir de agora, pode contar comigo no que precisar. E mais uma coisa. Não precisa me chamar de Detetive Alice. Não estamos no trabalho. 

   Comecei a rir. 

   — É um jeito educado de se dirigir à você, mas tentarei chamá-la apenas pelo seu nome. 

   A loira abriu um sorriso para mim. 

   Depois que comemos a pizza falando sobre outros assuntos, pensei em mostrar uma de minhas especialidades para ela. Matemática ela não iria querer ver. Cálculos no fim de semana não seria uma boa ideia. Pintar algo não estava em minhas ideias, porque estava sem criatividade no momento. Decidi tocar piano para ela, ainda uma de minhas músicas favoritas. 

   — Detetive… 

   — Lupa. — Ela pronuncia meu nome forte. 

   — Alice. Bem… A… Alice… Gostaria de ouvir eu tocar piano? 

   — Mas está tarde e… 

   — Não se preocupe. O som da minha sala de lazer não é tão barulhento. 

   Ela franziu a testa e indagou:

   — Você tem uma sala de lazer? 

   — Sim. Eu costumo treinar minha mente, pratico o hábito da leitura, pinto quadros e toco instrumentos musicais, além de piano. 

   Ela cruza os braços sorrindo e fala:

   — Você é surpreendente mesmo, Lupa. Tudo bem, mas me diga qual o seu nome verdadeiro. 

   Congelei na hora. Será que seria o momento certo de revelar o meu nome? Bem, acho que valeria à pena, já que agora nós somos amigos. 

   — Está bem, A… Alice. 

   Ela ri. 

   — Revelarei o meu nome para você, mas prometa que não contará para ninguém. 

   — Prometo. Minha boca é um túmulo. 

   Abri um sorri e pronunciei meu verdadeiro nome:

   — Bem, eu me chamo (nome censurado). 

   — Sério? É um nome bem… Bem… 

   — Eu sei. É bem notável, não é? 

   — Puxa. Que revelação. — Ela disse em um tom de ironia. 

   Depois que falei meu nome, ela bebia mais um pouco de refrigerante. Deve ser por causa do falatório que fizemos, enquanto conversávamos. Tirei do bolso mais uma barra de chocolate e comecei a desfrutar desse doce. 

   — (nome censurado), você vai… 

   — Por favor, não diga meu verdadeiro nome. Estou mais acomodado com o meu apelido. 

   Alice Lopes não entendeu meu motivo de que eu quisesse que fosse assim, mas acenou com a cabeça, concordando, indicando respeitar minha posição. 

   Depois que terminei de comer meu chocolate, ergui-me da cadeira, colocando-a no lugar e dizendo:

   — Venha. Vamos à sala de lazer. Vai gostar de lá, A… Alice. 

   Ela sorriu para mim e fomos ambos para o destino indicado.

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