Capítulo 1: Prólogo
Os olhos castanho-escuros brilhavam incandescentes, não de paixão, como se habituara, e sim de ódio. Seu grande amor, Diego Freitas, a desprezava e não tinha a menor intenção de esconder esse fato.
O desejo flamejante de retaliação presente nos olhos do homem que amava - que durante dias dissera amá-la -, aumentou seu medo e insegurança. Instintivamente apertou o bebê de dois meses contra si, vergonhosamente utilizando-o como uma barreira entre eles.
Samuel remexeu-se em seu colo e choramingou. O olhar furioso de Diego foi atraído para o bebê por um instante, retornando fulminante para ela. Os lábios, que por tantas vezes tomaram os seus com paixão, comprimiram em uma linha fina, o desgosto transformando a face bonita em uma máscara de rejeição e asco. Ele apagara as promessas de amor que fizeram, fechara o coração para ela e reservara ao pequeno Samuel um buraco de rancor.
Não mereciam essa atitude, não tinham feito nada, eram as vítimas.
— Diego, não tenho culpa... — disse querendo esclarecer o que os levara a mansão Freitas, mesmo tendo muito a perder se o fizesse.
— Cale-se! — ele a interrompeu bruscamente. — Não ouvirei novas mentiras. São desnecessárias.
Diego caminhou com passos pesados até a fonte de sua raiva.
Com medo, Penélope encolheu-se e apertou Samuel ainda mais contra si.
— Eu te amei tanto. Estive disposto a abdicar do meu status e do dinheiro por você, e o que ganhei? — ele disse com a voz carregada de dor e desgosto, com ela e consigo mesmo. As úmidas íris cor de chocolate e a expressão dolorida não o apiedaram, ao contrário, aumentaram a raiva corroendo-o. — Você e esse moleque maldito destruíram a minha família, a minha vida. Odeio-te com o triplo da força que te amei. Não aguento ficar ao seu lado, te olhar ou escutar sua voz traidora, por isso vou sair dessa casa. Mas não pense que deixarei o caminho livre para você e esse bastardo tirarem o que me pertence e a minha mãe — avisou antes de erguer a mala pousada no chão e sair batendo a porta de madeira maciça.
O barulho alto fez Penélope ter um sobressalto e Samuel chorar. Para acalmá-lo, o embalou e beijou com carinho os fios escuros - iguais aos de Diego - que cobriam sua cabecinha e sussurrou para ficar calmo, que ficariam bem. Ele não parou de chorar. Sua voz alterada pelo choro não passava segurança e as lágrimas quentes que escorriam por sua face o molhavam. Queria transmitir a força que Samuel necessitava, mas não conseguia.
Diego fechara mais que uma porta física, ele selara o passado de amor e companheirismo que tiveram, encerrara o desejo de ficarem juntos para sempre. Dali em diante ela teria de esquecer esses momentos, pelo seu bem e o de Samuel.
~*~
Pela enésima vez, Penélope Teixeira verificou sua imagem no grande espelho do salão principal da mansão Freitas. Apesar de o cabelo estar perfeitamente penteado e cortado na altura dos ombros, deslizou os dedos pelos fios marrons ajeitando-o. A maquiagem leve não conseguia disfarçar sua palidez, nem o receio refletido em seus olhos cor de avelã.
Não queria transparecer o quanto o retorno do filho de Roberto Freitas a abalava, no entanto, a cada segundo, a cada tique-taque do enorme relógio próximo à porta de madeira maciça, suas mãos suavam. A expectativa e o medo lhe causavam náuseas.
Oito anos. Não via e nem falava com Diego há oito anos, mas parecia que se passara somente uma semana. O olhar furioso e ressentido de Diego a assombrava em muitos de seus pesadelos. O pior é que não era só as lembranças ruins daquele encontro que a preocupava...
O celular em seu bolso a despertou do redemoinho de lembranças sugando-a, transportando-a para um tempo que era melhor esquecer.
— Alô!
— Oi, amor!
— Lucas?!
— Quem mais seria? — Lucas, seu namorado, questionou com riso na voz.
Penélope censurou-se por sua estupidez e distração.
— Perdão. A correria com a recepção do filho do senhor Freitas e com a festa de aniversário, estão me enlouquecendo — justificou caminhando até a sala de estar e sentando na beira do grande sofá branco.
— Com tanto dinheiro, por que não contrataram alguém?
— Contratou. Estou apenas supervisionando o trabalho. Sabe como o senhor Freitas é... — Procurou mentalmente a palavra certa para descrever a obsessão por controle e perfeição de Roberto Freitas sem ofendê-lo. Apesar das diferenças que tinham, e do que passou por culpa dele, lhe devia muito e tentava não critica-lo pelas costas. — Preocupado que tudo saia perfeito — completou por fim.
— Ele é um canalha que abusa da sua bondade.
— Não é bem assim — retrucou, girando e esfregando distraída o pingente de flor de seu colar, último presente de sua falecida mãe.
— É sim. Você que não se deu conta.
Penélope mordeu o lábio inferior, contendo a vontade de defender Roberto. Lucas odiava quando fazia isso. No entanto, ele não sabia o real motivo que a fazia agir assim, sua gratidão e – como Lucas acusava – submissão aos pedidos do Freitas. E, mesmo que soubesse, duvidava que mudasse de opinião.
Carla, governanta da mansão, uma senhora baixinha de cabelo alvo preso em um coque alto, a chamou.
— Lucas, tenho de desligar — disse levantando-se, mentalmente agradecendo a interrupção. Odiava essas discussões sem sentido com o namorado.
— Entendo. Te vejo na exposição. Lembre-se que preciso de você ao meu lado — disse com voz manhosa antes de encerrar a ligação.
Com um suspiro melancólico, Penélope guardou o celular. Também precisava de Lucas ao seu lado para aliviar a pressão em seu coração apavorado. Porém, jamais mostraria fraqueza a ele ou a quem quer que fosse. Prometeu isso a sua mãe no leito de morte e cumpriria a qualquer custo.
— Penélope, ele chegou — informou a governanta aguardando sua volta para o salão da entrada.
Inspirou profundamente e expeliu o ar devagar, secou as mãos no vestido floral, de alças finas e decote coração que terminava acima dos joelhos, e as uniu em um aperto forte frente ao corpo.
Tensa, andou hesitante até o salão e se posicionou de costas para as escadas, que levavam ao segundo piso, e de frente para a grande porta da entrada. A mesma que Diego fechara há oito anos com o coração mergulhado em ódio.
Tantos anos deveriam prepará-la para aquele reencontro. Deveriam, mas não prepararam. Quando seus olhos encontraram com os de Diego, sentiu como se fosse lançada em uma máquina do tempo, direto para o primeiro encontro deles.
~*~
Comemorando seus recentes dezesseis anos, Ana Vieira ganhara do namorado cinco anos mais velho, Pedro Montero, identidades falsas para ela e suas melhores amigas. Assim, Penélope e Jéssica Castro, poderiam acompanhá-la em uma boate na capital de São Paulo.
De início, Penélope e Jéssica se negaram a aceitar o documento falso, por medo da reação dos pais, mas a persistência e choramingo de Ana acabaram por vencê-las. Ana tinha argumentos para cada contestação, a mais eficiente era que, com os pais delas trabalhando no turno noturno da fábrica de porcelana Freitas & Mendez, dificilmente seriam descobertas se voltassem antes das quatro da manhã, fim do expediente deles.
Jéssica, preocupada em ser pega, alertou que sua mãe, dona de uma cafeteria na cidade, e a de Ana, dona de casa, notariam a fuga durante a noite ou a volta de madrugada.
Ana estivera preparada para aquela situação, que a motivara a incluir as amigas, em especial Penélope. Seu plano era ela e Jéssica pedirem aos pais para passarem aquela noite na casa da amiga, a única que morava somente com a mãe. E, melhor ainda, Paloma, mãe de Penny, trabalhava como secretária do exigente Roberto Freitas e do filho mais velho dele, que nos últimos dias viravam a madrugada na fábrica. Paloma seria a última a retornar para casa e não notaria que a filha e as amigas tinham passado a noite fora.
Resistências vencidas, à noite, Ana levara algumas mudas de roupas a casa das Teixeira. Penélope e Jéssica tinham somente roupas simples e o uniforme da escola, preferindo calças e camisetas, no lugar de vestidos chamativos como os oferecidos pela aniversariante. Também foi Ana a encarregada das maquiagens, caprichando para aumentar a verdadeira idade das três.
— E se ligarem para a casa da Penny? — questionou Jéssica puxando a saia preta de lycra para baixo, o que não adiantou muito, pois o tecido voltou ao lugar, vergonhosamente pouco abaixo das nádegas. — Meu pai vai me matar se me vir assim... — murmurou ao descer do carro de Pedro, namorado de Ana e funcionário da boate Artêmis, que as deixou em frente à longa fila para entrar. — Quantas pessoas!
Assim como Jéssica, o medo de Penélope aumentou ao chegar ao local, mas, deslumbrada, não recuou. Se soubesse o caos que sua vida se transformaria após aquela noite, fugiria na hora.
