Capítulo 2
Gregory
CAPÍTULO 2: EMOÇÃO PRIVADA
Eu estava acordado desde a noite anterior, encarando o quadro negro coberto de fotos das recentes cenas de crime que assolavam a cidade. Vejo e revejo, todas as provas encontradas nas duas cenas dos assassinatos e me frustro outra vez ao perceber que nada me indicava a menor dica de qual porra estava acontecendo.
Estou bufando e esvaziando a sexta caneca de café e a deixando sobre minha mesa. Estar de volta naquela cidade me deixava incomodado e o pressentimento, a fodida sensação de que quem quer seja aquele maníaco, ele não iria parar.
Não tínhamos nada daquele crápula. Nada além da doentia maneira de organizar a cena do crime e bancar o poeta. Nem mesmo relações entre as vítimas. Ele não deixava passar nada. Mas esse era o meu trabalho. Eu que precisava descobrir.
E foi exatamente por isso, ao ouvir as exatas palavras ao atender o telefone: “foi ele”, que eu me senti extremamente frustrado e culpado.
Em meu carro, atravessei a cidade com o carro na velocidade máxima, a lua já estava alta e eu não tirava da cabeça que aquela morte, daquela vez, foi culpa minha.
Ao chegar no apartamento da vítima, os policiais forenses já fotografavam a cena. Caminhei lentamente entre eles e olhei cada mínimo detalhe.
- Acreditamos que a morte tenha sido por volta das quatro e meia da tarde. – O legista me informou quando me aproximei do corpo.
Observei os olhos da vítima, uma mulher na casa dos trinta anos. O cabelo loiro caia sobre o rosto, colocando minha luva, afastei seu cabelo para observar seu pescoço. Marcas vermelhas cobriam sua pele pálida, exatamente como fora com as outras vítimas. Logo abaixo, os botões do seu vestido estavam perfeitamente abertos, nem um rasgão, o que indicou que não houve sinal de luta. O que confirma a minha teoria, que assim como as outras vítimas, ele arrancava o seu coração após a morte. Observei o espaço oco no seu peito, nada além de um fundo escuro e vermelho.
- Asfixia. – falei em uma voz alta ao dar a volta e observar que a nuca da mulher não apresentava nenhuma marca. – Provavelmente ele a ataca de frente e assiste enquanto a vítima para de respirar.
Andei até a mesa de centro da sala e encontrei o maldito poema, junto com o coração da vítima. Mesmo cara, três assassinatos em menos de dois meses.
- Assassino em série. – Murmurei e levantei o poema em mãos até notar a marca de sangue marcando uma digital. – Quem tocou isso? – perguntei, em voz alta.
Todos os peritas me encararam. Era óbvio que aquela digital não seria daquele serial killer, foi comprovado que estava lidando com um desgraçado esperto e jamais deixaria uma prova tão estúpida.
- Acredito que foi da testemunha que encontrou a vítima. – Adam, o policial que me ligou informou da cozinha.
Caminhei em sua direção, extremamente irritado por permitir que a cena do crime fosse corrompida. No entanto, me calei ao perceber que a testemunha estava ali, a cabeça abaixada, os cabelos ruivos escondiam todo o seu rosto.
- O detetive responsável por essa investigação chegou. – Adam informou. – Ele irá te fazer algumas perguntas.
- Senhorita. – Comecei falando, baixo. – Sou o detetive Martinelli.
A testemunha levantou a cabeça lentamente e a primeira coisa que observei foram seus lábios, trêmulos, o rosto completamente molhado e só então, levei um soco grande na boca do estômago.
Seus lábios se entreabriram, os olhos castanhos arregalados, parecia que via um fantasma em sua frente. Claramente, eu via. Mas fiz o melhor que podia para que aquilo não me afetasse. Não mais.
- Eu gostaria de fazer algumas perguntas. – Foi tudo que falei.
E ela piscou os olhos confusos. Não esperava que essas fossem as minhas próximas palavras.
- O quê? – ela sussurrou e aquela voz rouca atingiu um lugar coberto de mágoa e lembranças que eu aprendi a esconder profundamente.
- Como você chegou até aqui? – comecei a perguntar. – Você notou a ausência da sua amiga e...
- Não. – Ela me interrompeu no mesmo instante e se levantou daquela cadeira.
Seu rosto parou muito próximo do meu e senti o meu peito se expandir consideravelmente. Meus olhos pararam novamente no seu lábio e eu engoli em seco.
- Você não lembra de mim? – ela voltou a sussurrar e dessa vez, acho que vacilei por um minuto.
Porque isso significava que ela sabia quem eu era. Que ela me enxergou. Ao menos uma vez, ela tinha me visto.
- Daniela, certo? – perguntei, lutando para manter aquilo o mais profissional que podia. – Como foi você quem encontrou a vítima, você precisará me acompanhar até a delegacia.
Ela balançou a cabeça em negativa e um sorriso doloroso pintou seus lábios. Aquilo doeu dentro de mim do mesmo jeito que doía, como tantos anos antes. Percebi que o rancor que eu trazia não era páreo pela maneira que eu supostamente ainda me importava. E ainda diziam que o tempo curava tudo. Besteira.
- Eu iria encontrar a Érica em um restaurante, como sempre fazíamos. Mas ela não apareceu. Liguei e não atendeu. E então eu vim até aqui. E a encontrei. – Ela começou a falar rapidamente, como se tivesse se recuperado do transe ao ter me reencontrado. – Quando cheguei, tocava uma música clássica no vinil. Provavelmente, ele deixou tocando.
Encarei aquela mulher no mesmo instante. A irritação voltou a tomar conta de mim, dessa vez tinha algo a mais do que só apenas ela se meter na cena do crime.
- Então você decidiu parar a música? – eu perguntei e ela assentiu. – Assim como também tocou naquele poema?
- Sim. – Ela confirmou e levantou o queixo, me encarando.
Sorri frustrado e fiz uma breve anotação no meu bloco de notas.
- Como jornalista, eu pensava que você soubesse como não corromper provas em uma cena de crime. – Resmunguei, irritado.
- Como... Como você sabe que eu sou jornalista? – ela perguntou surpresa.
Mordi a língua no mesmo instante. Como eu continuava idiota e sem ter controle de palavras ao estar perto dela. Exatamente o mesmo idiota de anos atrás.
- Adam vai acompanhar você até a delegacia. – é tudo o que eu digo ao dar as costas para Daniela.
Quando estava totalmente longe da sua influência, eu pude respirar. Peguei os demais relatórios com os peritos e permiti que o corpo fosse levado pelos legistas. Ao sair do prédio, encontrei Adam ainda na frente do edifício.
- Gregory, ela se recusa a ir comigo. – Ele disse, vindo em minha direção.
Antes que pudesse responder, Daniela apareceu e ficou entre mim e Adam.
- Eu não sei qual síndrome de deus você tem agora, mas você não vai me deixar de lado dessa investigação. – Sua voz estava alta e ela falava muito próximo de mim, ao ponto de eu sentir o seu perfume e eu percebi, com tristeza, que o seu cheiro ainda era o mesmo. – Pode me deixar de lado da sua vida, mas não disso.
- Te deixar de lado? – minha voz também subiu algumas oitavas e a indiferença que eu tanto tentei manter se dissipou. – É engraçado logo você falando isso.
- O que você quer dizer? – ela me encarou confusa e levou a mão até o relicário em seu pescoço. – Você está... O colar. – Ela interrompeu o seu surto de raiva no mesmo instante e me encarou.
- Do que você está falando? – perguntei, em alerta.
- Érica não estava usando o colar. – Ela diz, os olhos voltando a ficarem marejados. – Ela nunca tirou. Era o nosso colar da amizade.
Fechei os olhos com força e esmurrei o ar.
- Um maníaco que coleciona souvenir. É claro. – Murmurei, a frustração me engolindo.
Daniela estava a meio passo de cair no choro e eu sentia como se sua dor, me queimasse também. Percebi o desejo, mesmo que imprudente, de protegê-la ainda estava ali.
- Danie... – eu tentei falar, mas no mesmo instante um homem parou ao seu lado e concluiu minha palavra.
- Daniela. – Ele chamou seu nome e ela o encarou no mesmo instante, seus olhos brilharam e aquilo foi o suficiente para me fazer recuar e permitir que a indiferença retomasse seu lugar.
- Ethan! – ela sussurrou o seu nome.
O homem de terno e gravata a olhou também, e eu odiei o que aquele olhar significava.
- O que você está fazendo aqui? Eu... – ela começou a falar e voltou a enxugar suas lágrimas.
- Eu estava com um cliente no restaurante ao lado e percebi as viaturas aqui em frente. Fiquei preocupado e vim descobrir o que aconteceu. E então, vi você.
Ela sorriu para ele, parecia encantada por sua gentileza. E eu assistia tudo aquilo, sendo o espectador da sua vida, assim como fui anos antes. E claramente aquilo não mudou e não mudaria.
- Com licença. – Me interrompi, na frente daquele homem. – Senhorita, você precisa me acompanhar agora.
Ethan me encarou no mesmo instante. O olhei de volta e discretamente toquei no meu distintivo. Aquilo pareceu não o abalar nem um pouco. Senti mais raiva.
- Um minuto. – Aquela guerra crescente foi interrompida quando o celular de Daniela tocou.
Quem era aquele cara? Não era o Benício, Daniela não tinha irmãos. E pelo que eu saiba, também não tinha amigos. A última hipótese fez um bolo subir na minha garganta e eu percebi que a maneira que eu me mantinha informado de tudo que ela fazia, já não era mais suficiente.
- O quê? – Daniela gritou no telefone e eu a encarei no mesmo instante. Ethan fez o mesmo. – Mãe! Não. Meu Deus...
Daniela começou a soluçar e ao desligar o celular, informou:
- O meu ex marido pegou os meus filhos da casa da minha mãe. Sem permissão e... Eu... – Daniela começou a soluçar e puxar o ar que parecia sumir dela a cada segundo.
E nesse exato instante, observei quando Daniela perdeu o equilíbrio e tudo que amparou sua queda foram braços firmes.
