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Capítulo 1

O vento quente acariciava minha pele, enquanto meu olhar permanecia voltado para o pôr do sol.

Ver aquela esfera submergir lentamente no oceano, dando ao céu um arco-íris de cores que vão do laranja ao roxo, anunciando a chegada da noite, foi um espetáculo que nunca deixaria de olhar ou fotografar.

Com a intenção de imortalizar o momento, que teria feito companhia aos outros companheiros, só mais tarde percebo que há uma figura assombrada como eu no meu passado.

Um homem, vestido de preto, vestindo calça social e camisa com as mangas arregaçadas expondo partes do que parece ser uma tatuagem significativa. Seus ombros são largos e acho que ele é mais alto do que eu, embora eu tenha um metro e oitenta e quatro ou sinta que deveria levantar o queixo para olhá-lo nos olhos.

Seu cabelo é preto, curto, mas alguns fios caem na sua frente, escapando do gel que os prende.

Ele segura a jaqueta na mão e eu olho para seu corpo treinado.

Não faltavam garotos assim na Universidade de Harvard, principalmente se jogavam no time de futebol, mas ele era outra coisa, parecia estar com dor, apesar da postura rígida.

Eu queria olhar para o rosto dele. Eu queria isso e quase tive vontade de rir.

Ele apareceu do nada e conseguiu me sequestrar sem nem falar.

Será que aqueles poucos caras com quem namorei conseguiram me colocar nessa situação?

Seus beijos eram agradáveis, mas se tornaram opressivos e buscar mais, não esperar o meu momento, sempre os levou a se distanciarem de mim.

Eu estaria mentindo se dissesse que sofri. Tenho prioridades mais elevadas na minha vida do que cuidar do lado amoroso.

Eu tinha tirado a foto e ele se virou no momento da segunda foto, embora com a luz atrás dele seu rosto estivesse na sombra. Ele estava olhando para mim?

Eu podia sentir o constrangimento subindo dos dedos dos pés até o rosto, mas antes que eu percebesse, um alerta de chamada de vídeo de Taylor apareceu na tela do meu telefone.

Salvo, preparei-me para responder, caminhando pela areia para fugir, embora tivesse a sensação de ter fogo nas costas.

— Finalmente aqui está, olhe para Eleonor. — Sorrio ao ver minha irmãzinha pular do sofá e correr para pegar o celular de Taylor. — Meeeg! -

- Como está, meu amor? — Ele sorri, me mostrando os dentes e a ausência de um canino. — Estou esperando a Fada do Dente, escondi o dente debaixo do travesseiro, mas vou segurá-lo bem forte nas mãos para poder ouvi-lo chegando. — Uma pequena praga que nunca desaparece. - Na realidade? E o que você fará depois de obtê-lo? — Ele torce uma mecha de seu cabelo loiro entre os dedos e mostra a cabeça da direita para a esquerda. - É um segredo. — Estufo as bochechas e rio alto, recarregando minhas energias. Eu vivo para isso.

-Como está a vovó? —Taylor aparece.

— Fomos vê-la ontem, por enquanto o estado dela é estável, não se preocupe. —Minha vizinha, uma mulher de cinquenta anos, com cabelos castanhos grossos, olhos cor de mel e uma bondade angelical. Ela cuidava de Eleonor quando eu não podia, por trabalho ou estudo.

Após a morte dos meus pais, Nana, minha avó, cuidou de nós, enquanto outros parentes nos olhavam como uma praga. Lembro-me de cada um dos olhares deles no funeral, enquanto eu segurava uma Eleonor recém-nascida nos braços, chorando sem parar. Minhas lágrimas secaram naquele dia e prometi a mim mesma ser forte, nunca mais desmaiar de dor, estar constantemente presente.

Pena, porém, que um dia alguns agiotas apareceram na porta de Nana, dizendo que seu filho lhes devia duzentos mil dólares, com juros. O mundo desabou ao meu redor novamente. Nana lhes deu tudo de valor, mas não foi o suficiente. Ela foi atingida e meu corpo agiu antes da minha mente. Fiquei entre eles e gritei que iria terminar de pagar a dívida.

Obviamente para eles era uma proposta ridícula pensar que eu desistiria do meu corpo, mas nunca iria descer tão baixo.

Comecei com pequenos trabalhos e o que ganhei foi direto para as mãos dele.

Enquanto isso eu tinha que cuidar do Ele e estudar, pois tinha como meta ser cirurgião.

Naquela noite de outono, naquele carro atingido pela tempestade, lembrei-me do sangue, do cheiro de gasolina e da voz da minha mãe. Ela não morreu instantaneamente, mas morreu lentamente diante dos meus olhos.

Se a ajuda tivesse vindo primeiro, ela...

Se ele estivesse em perigo novamente, ou se alguém que ele amava tivesse sido ferido, ele o teria salvado.

Agora Nana tinha que ser salva.

Câncer de mama, segundo estágio. Ela pretendia esconder de mim e morrer lentamente, eu a forcei a se internar. Ela disse que já viveu o suficiente e que me deixaria ficar com o pequeno apartamento que tínhamos em Boston, mas não estava disposta a perder mais ninguém.

Além dos agiotas, também tive que lidar com contas hospitalares. Não estava coberto pelo seguro, razão pela qual ele insistiu em abrir mão.

- Fico feliz em ouvir isso. —Graças a essa mulher minha mente ficou mais leve. — Vejo que o clima em Los Angeles está ótimo — Graças às férias de verão consegui escapar. Os empregos de meio período que tive em Boston, um como garçonete e outro como cantora no piano bar do antigo Louis, amigo da minha avó, pagavam muito bem, mas aqui consegui juntar algo extra por alguns meses. Eu havia respondido a um anúncio como faxineira e pela primeira vez, por sorte, a cantora estava ausente e eu me adiantei, fazendo também trabalho duplo no Hotel de Luxo.

—Por acaso eles voltaram? —Você sabe para quem estou contando isso.

- Sim. -

Aceitar que meu pai tinha o hábito do jogo tinha sido difícil, e Pit e Bull, os agiotas de Will Dorch, líder de uma rede de jogos de azar, sempre compensavam minha dívida.

Agora que cresci, senti seu olhar viscoso em meu corpo.

Além de ser alta, devido aos movimentos constantes eu tinha um físico bastante magro, meus seios não se projetavam muito, mas também não eram pequenos. Cabelos castanhos longos e ondulados, pele morena e olhos cinzentos. Disseram que me custaria menos e que eu ficaria mais satisfeito com meu trabalho. Eu disse a eles para se foderem, obviamente.

— Eu dei a eles o dinheiro que você me mandou, eles não disseram nada e foram embora — suspiro

- Se você me escutasse Daniela... -

- Que? Fui à polícia mais de uma vez, ninguém me ouviu. Pedir dinheiro ao banco é como pedir a um mudo que fale. Posso fazer-lo. Não vou perder minha bolsa, vou ficar com Ele, vou cuidar da minha avó e vou pagar essa maldita dívida. Confie em mim, Taylor. -

— Eu consegui, só quero te ajudar mais —

—Você já faz mais do que qualquer um fez por mim e serei eternamente grato. —Seus olhos estão marejados, mas certamente não vou desistir mesmo que esteja constantemente nadando contra a corrente.

— Estou saindo agora, tenho que ir logo ao piano bar. Leonor? — A cabecinha dela aparece no quarto, segurando nos braços o ursinho de pelúcia que comprei para ela no seu aniversário de oito anos. Quando ela estava fora de casa, ela sempre dormia com Teddy, embora ele já tivesse dez anos.

- Sim? -

— Seja uma boa menina, e quando eu voltar trarei um presente para você —

Ele sorri para mim. —Estou com saudades de você, Meg. -

— E sinto sua falta, mais que suas semanas, terminarei aqui, e voltarei para você para te encher de beijos —

-Muitos muitos? -

– Infinito. -

— Então volte logo — Mando um beijo nele na sala, cumprimento Taylor também e a tela fica preta.

Respiro fundo. Fecho os olhos e deixo o vento acariciar meu rosto, jogando meu cabelo para trás, fazendo com que o vestido leve de algodão que chega até meus joelhos suba levemente.

Gosto dos últimos raios de sol. Antes de olhar para o mar, ignorando a sombra que acompanhava meus movimentos um pouco mais longe, silenciosa como uma chita esperando sua presa.

— Daniela, você está pronta? — Fecho o brinco e me levanto da cadeira do pequeno camarim ao lado do bar.

Aliso o tecido do vestido preto. Simples, mas com as costas abertas. Meu cabelo está penteado para um lado e uso maquiagem leve, o pouco que faço para cobrir as olheiras.

- Chegar. -

Cantar era a paixão da minha mãe. Ela sempre repetia que era alimento para a alma e evitava que ela tivesse maus pensamentos.

Ele cantou naquele dia também.

Subo ao palco, sob o olhar dos presentes. Pessoas ricas em busca de relaxamento e lazer. Provavelmente o seu único pensamento naquela manhã foi como gastar o dinheiro. Um amigo meu não era nada hostil aos ricos, mas a maioria...

— Boa noite a todos, bem-vindos ao Hotel Luxo. Desfrute do relaxamento, do mar, do sol e de um bom cocktail, recomendamos o da casa. -

O homem que o acompanha ao piano começa a mencionar uma melodia, seguida do sax, do baixo e dos vocalistas.

Pego o microfone, fecho os olhos e deixo minha voz escapar ao som de I Say Little Prayer, da única Aretha Franklin. Mamãe adorava suas músicas e as cantava o tempo todo.

Sorrio para o público que aprecia a escolha das músicas e tento olhar para elas, apesar dos faróis. Ter contato visual foi essencial para mim, pois os olhos eram as janelas da alma.

Alguns levantam-se, os mais velhos, verdadeiros cavalheiros, para convidar as suas damas para uma dança lenta. O mais próximo de mim sussurra algo para sua esposa, que cai na gargalhada. Meus pais também eram assim e talvez continuassem assim.

Eu não me dava muito bem com o amor.

Ele teve alguns relacionamentos, mas eles terminaram depois de duas semanas. A hora de trocar algumas efusões, antes de entender que não havia espaço para elas na minha vida, ou pelo menos fui eu quem não as dei.

Eu precisava de segurança, de alguém que entendesse o que eu sentia, que aceitasse a minha situação, mas os jovens de hoje evitam carregar esse fardo nos ombros.

Cantei repetidas vezes, até que no balcão, iluminado pela luz quente das lâmpadas, pensei ter vislumbrado uma figura familiar.

Senti seu olhar sobre mim, mas a distância tornou difícil reconhecê-lo.

A sensação mais estranha foi que senti meu coração batendo mais rápido no peito.

Tudo o que restava saber era se era por excitação ou medo.

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